Austrheim, Noruega - Petróleo e gás fizeram da Noruega um dos países mais avançados e prósperos do mundo em apenas algumas décadas. Agora, o cerco mortal na Argélia iniciou um debate local sobre até onde suas empresas de petróleo e seus habilidosos trabalhadores devem ir atrás de recursos e lucro.
A gigante de energia Statoil confirmou recentemente as mortes de cinco funcionários da empresa, desaparecidos desde janeiro, quando militantes islamistas atacaram uma instalação de gás em In Amenas, perto da fronteira com a Líbia. Esta região esparsamente povoada na costa do Mar do Norte, onde nas tardes do inverno crianças patinam em lagos congelados entre montanhas cobertas de neve, pode parecer ter pouco em comum com o estéril Saara. Mas as chamas da queima de gás na refinaria Mongstad, a maior da Noruega, servem como lembrete de por que quatro pessoas da região estavam entre os 17 funcionários da Statoil na instalação argelina quando houve o ataque.
Desde que a Phillips Petroleum encontrou petróleo em 1969 no campo de Ekofisk, no Mar do Norte, cada vez mais noruegueses desta região costeira deixaram empregos tradicionais, como pescadores e marinheiros, para se tornarem mecânicos e engenheiros da indústria do petróleo - não só na Noruega, mas também do Golfo do México à Nigéria.
O prefeito de Austrheim, Per Leroy, de 55 anos, entende o que a indústria do petróleo representou para a região e o país. - Volte 100 anos e a área ao norte de Bergen era uma das mais pobres da Europa - afirmou Leroy. - Hoje é uma das mais ricas.
A Statoil foi fundada em 1972 por um ato do parlamento. Ela é administrada como empresa com fins lucrativos, embora o governo mantenha uma participação de dois terços no negócio. Enquanto muitos países europeus lutam contra um crescente endividamento, a Noruega, graças a suas reservas de petróleo, possui um fundo soberano com cerca de US$ 700 bilhões para proteger seu futuro.
Os noruegueses desfrutam de assistência médica universal, universidades públicas subsidiadas (que são quase gratuitas) e um generoso sistema de seguridade social. Os noruegueses têm uma expectativa de vida acima da média, respiram um ar mais limpo e são mais satisfeitos com suas vidas do que os moradores dos países mais industrializados, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Números do Banco Mundial mostram que a produção econômica da Noruega, de US$ 98.102 per capita em 2011, foi de mais que o dobro dos US$ 48.112 dos Estados Unidos.
No entanto, trabalhadores que levam suas habilidades de plataformas de petróleo no Mar do Norte a projetos em países instáveis estão se expondo a novos riscos, uma realidade evidenciada pelo ataque dos militantes em In Amenas - ação que gerou um poderoso contra-ataque dos militares argelinos. No fim, pelo menos 37 reféns estrangeiros foram mortos.
- Você não é apenas um viajante no mercado do petróleo, algumas vezes você está viajando numa zona de guerra invisível - declarou Tom Hella, operador de perfuração da cidade vizinha de Radoy, cuja carreira o levou de Angola ao Azerbaijão. Depois do que aconteceu na Argélia, porém, ele afirmou: - A patroa disse que já chega. Depois disso ela não me deixará mais viajar.
Essa mesma conversa está ocorrendo por toda a sociedade norueguesa. Helge Ryggvik, historiador e pesquisador do petróleo, disse ao jornal "Dagsavisen" que as empresas norueguesas de petróleo deveriam se retirar de países perigosos.
Mesmo se elas estiverem dispostas a assumir o risco, os crescentes custos de segurança para fazer negócios podem manter distantes as empresas mais conscientes. Henrik Thune, pesquisador sênior do Instituto Norueguês de Assuntos Internacionais em Oslo, especializado em energia e no Oriente Médio, afirmou: - As empresas ocidentais vão se retirar, e empresas de outros países, como China, Índia e Rússia, irão substituí-las.
Em abril de 2010, líderes russos e noruegueses finalmente resolveram uma disputa de 40 anos sobre como dividir o Mar de Barents e parte do Oceano Ártico, abrindo outra fronteira na exploração de petróleo e gás natural. Novas tecnologias garantiram que reservas existentes permanecerão produtivas por anos, enquanto descobertas recentes aumentaram o otimismo de que a produção local continuará forte por décadas.
- Eles acham a placa continental norueguesa atraente porque o risco político é muito pequeno - explicou Thina Margrethe Saltvedt, analista de petróleo da Nordea Markets, em Oslo. - Talvez eles não se retirem, mas eles não precisam sair do país como faziam antes - acrescentou ela. - Ainda somos pessoas pequenas no grande mundo.
A Statoil já anunciou, no ano passado, que iria vender sua participação num enorme campo de petróleo no Iraque à empresa russa Lukoil.
O episódio argelino não foi tão chocante para a sociedade norueguesa quanto o massacre de 69 pessoas, em 2011, num acampamento político de jovens na ilha de Utoya, junto a ataques a bomba em Oslo que mataram oito pessoas. Aquele foi um trauma do qual a nação ainda se recupera. Mas aquelas mortes, embora terríveis, não levantaram os tipos de perguntas surgidas nos eventos da Argélia - para um país com uma participação descomunal no mundo da energia.
- Se temos petróleo suficiente, não deveria haver motivos para mandar pessoas para lá - argumentou Kim Vagenes, de 22 anos, que trabalha numa loja de ferramentas aqui em Austrheim. A municipalidade, com uma população de 2.850, é lar de dois dos operários confirmados como mortos. - Naturalmente, as empresas de petróleo querem obter o máximo possível de petróleo.
Ainda jovem, Leroy, o prefeito de Austrheim, queria entrar no negócio de transportes, mas a construção da refinaria de Mongstad começou logo após ele terminar o colegial. - O otimismo retornou ao povo", disse ele. "Eles se mudaram de volta, construindo novas casas.
Graças à indústria do petróleo, o índice de desemprego em Austrheim é inferior a 2 por cento. O desenvolvimento basicamente (e de forma bastante literal) conectou esta parte da região de Hordaland ao mundo. Costumava levar três horas de barco para chegar ao centro comercial de Bergen. Agora é uma hora de carro, usando pontes construídas com dinheiro do petróleo. No aeroporto de Bergen, anúncios promovem empregos que "dão o próximo passo no sucesso do petróleo e gás de Bergen", e prometem ajudar os clientes a "maximizar o desempenho de seus reservatórios".
Até agora, políticos e líderes empresariais têm assumido uma postura forte, dizendo que não serão intimidados por atos de violência. Helge Kristoffersen, diretor da firma de recrutamento Mosaique, afirmou que vagas desafiadoras e bem pagas continuariam atraindo candidatos.
- Alguns podem evitar tarefas em países de alto risco por um tempo, mas nós esquecemos rapidamente - disse Kristoffersen.
The New York Times
Noruega discute empreendimentos no Exterior após ataque na Argélia
Parte da população acredita que empresas norueguesas de petróleo devam se retirar de países perigosos
GZH faz parte do The Trust Project