Mais de 40 milhões de mulheres são as principais cuidadoras de pessoas doentes, muitas vezes do homem com quem são casadas. Cuidar, afinal de contas, é o papel que se espera da mulher, e muitas o aceitam necessariamente como uma tarefa que oferece uma ótima oportunidade para expressar amor e carinho, resolver questões financeiras e legais, e consertar erros do passado.
Quando uma mulher que cuida do marido encontra um amigo, conhecido ou até um parente, a pergunta mais frequente é: "Como ele está?". Poucas pessoas perguntam como está a própria mulher, que pode estar batalhando para equilibrar um emprego com a criação de um filho e os cuidados com um paciente.
Na melhor das circunstâncias, ela está sofrendo transtornos na rotina normal de trabalho e na vida social, nos hábitos de sono, na rotina de exercícios, na gestão do lar e na situação financeira. Além da perda de intimidade, ela pode estar sofrendo com o fardo de tarefas pouco agradáveis, como a limpeza de acidentes no banheiro, o manuseio de equipamentos médicos e a administração de exigências alimentares complicadas.
Como disse um especialista, para algumas mulheres, cuidar de um doente é "um passeio em uma montanha-russa do inferno", com novos desafios, exigências e ajustes a cada dia que passa. O que terceiros veem como uma dádiva, as mulheres podem estar vivenciando como "um segredinho sujo", como escreveu Diana B. Denholm em seu livro "The Caregiving Wife's Handbook" (Manual da esposa cuidadora, inédito no Brasil), publicado recentemente nos Estados Unidos pela editora Hunter House.
Em uma entrevista, Denholm, que é terapeuta em West Palm Beach, na Flórida, disse que o desafio é ainda maior quando o casamento já era turbulento antes da doença. Ela aprendeu com as mulheres que entrevistou que maridos que já eram agressivos quando sãos podem se tornar verdadeiros tiranos quando estão muito doentes ou em estado terminal.
Empurradas até o limite
Uma garçonete, por exemplo, é mãe de três filhos, avó e casada há 46 anos com o homem que foi o amor da sua vida, mas que também é verbalmente agressivo. Ele desenvolveu câncer de colón e diabetes grave e sofreu um acidente vascular cerebral.
- Fico muito irritada quando outras pessoas oferecem ajuda e ele banca o homem forte que não precisa da ajuda delas. Quando as pessoas vão embora, ele espera que eu cuide dele com tudo o que tenho, enquanto grita comigo. Ele espera que eu cuide dele como se fosse sua criada, apesar de eu ser a única fonte de renda da família e trabalhar duro várias horas por dia - ela disse a Denholm.
Outra mulher, uma professora na casa dos 50 anos, casada há 20 anos com um homem que está em estado terminal de enfisema, disse a Denholm:
- O que realmente me incomoda é que ele causou isso a si mesmo com o cigarro. Agora, sou eu que preciso lidar com os resultados. Eu realmente odeio quando ele recusa a ajuda de outras pessoas e acaba sofrendo algum problema físico. Aí, além de todas as coisas que preciso resolver, sou obrigada a consertar o que ele havia tentado resolver sozinho. Sinto muita culpa por querer que isso acabe logo. Mas quanto mais conseguirei aguentar? - ela disse.
Até maridos que haviam sido parceiros carinhosos e atenciosos antes que uma doença grave modificasse o seu papel de costume na família e roubasse a sua dignidade podem passar por mudanças de personalidade que levam as mulheres a indagar:
- O que será que aconteceu com o homem com quem me casei?
A própria Denholm assumiu o papel de cuidadora, durante 11 anos e meio, de um marido que havia sido atlético, robusto, inteligente e carinhoso, mas que sofreu uma série de problemas de saúde, entre eles câncer de cólon, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal, artrite grave, gota, infecções do trato urinário, coágulos sanguíneos, pressão arterial irregular, um transtorno respiratório e mal de Parkinson.
Embora ela afirme ter sido capaz de lidar com todas as exigências da função de cuidadora, elas acabaram impossibilitando a manutenção da sua vida profissional. E ela admite uma falha grave: não conseguir convencer o seu marido a parar de dirigir, algo que ele continuava fazendo até dois dias antes de falecer.
- Acabei tomando medidas para a minha própria segurança. Eu o proibi de dirigir o meu carro, e me recusava a andar no carro dele quando ele estava dirigindo - ela disse.
Não é surpresa que uma doença grave ou dores agudas causem sentimentos de raiva, impotência e depressão, principalmente quando a doença é terminal e o enfermo perde o senso de individualidade. Depois de viver muitos anos como "o homem da casa", o marido enfermo volta a ser uma criança, que precisa de cuidados, muitas vezes da própria pessoa a qual ele havia se proposto a proteger.
- Os homens, em particular, podem ter o ego e senso de individualidade muito afetados quando não são mais capazes de fazer coisas que faziam antes. É fácil descontar isso em alguém que você ama, não por não amar ou respeitar essa pessoa, mas simplesmente por ser algo seguro - disse Denholm.
Técnicas para lidar com o problema
Em seu livro, Denholm discute uma série de estratégias para lidar com o problema, que ela desenvolveu em parceria com o marido durante sua longa enfermidade. A mais importante delas é adotar ferramentas de comunicação que evitem sustos, acusações e autopiedade, mas que "criem expectativas, acordos e entendimentos, incluindo alguns que possam incluir a aceitação de visões divergentes", ela disse.
"Nunca comece com 'Precisamos conversar'. Essa expressão, além de assustar muito a maioria dos homens, reflete uma necessidade sua, e não do seu marido", ela escreveu. "Sempre use a palavra 'eu': 'eu preciso', 'eu quero', 'eu gostaria'." Ela sugere também que, se uma questão for emotiva demais para ser discutida com o paciente, é melhor procurar alguém em quem você confie e respeite.
Uma das ferramentas que Denholm considerou especialmente útil foi criar acordos por escrito, que talvez tenham que ser modificados à medida que as circunstâncias mudem. Os acordos podem incluir questões financeiras, responsabilidades individuais ou questões a serem evitadas.
O marido da garçonete, por exemplo, recusava-se a examinar as finanças familiares com ela, e ela acabou percebendo que não adiantava nada insistir. Ela resolver acabar com a gritaria e as discussões e procurar o banco, a Secretaria de Previdência Social, o Departamento de Veteranos e até a Defensoria Pública para tomar conhecimento dos seus direitos em relação aos bens dela e do marido.
Denholm afirma que também é importante evitar um "comportamento de facilitação, ou seja, fazer por alguém algo que essa pessoa deveria estar fazendo por conta própria".
Ela escreveu: "a codependência é a maior causa dos nossos desconfortos mais profundos", causando irritabilidade, raiva, excesso de trabalho, sentimentos de culpa e brigas com maridos e outros parentes doentes. Ela afirma que esposas cuidadoras devem evitar adotar um "complexo de mártir" para se sentir mais importantes.
"Evitar a codependência", ela disse, "é uma escolha mais saudável para todos".
Denholm também sugere que tentar manter sempre uma aparência de felicidade pode ser contraproducente. "Se mantivermos muitas informações para nós mesmas, a maioria das pessoas não terá a menor ideia do quão complicadas as coisas podem estar dentro de nossa casa." É melhor pedir ajuda sempre que precisar.
Para mulheres que cuidam do marido
Em seu livro, a psicoterapeuta Diana Denholm criou uma lista com 50 dicas do que fazer e não fazer para facilitar esse tipo de tarefa, incluindo as seguintes:
- Não permita que seu marido se aproveite de você, ou que seja abusivo de qualquer maneira.
New York Times
Saúde pessoal: os altos e baixos de ser uma cuidadora
A terapeuta Diana B. Denholm entende que os homens se sentem muito afetados quando dependentes de cuidados
GZH faz parte do The Trust Project
- Mais sobre: