Basta uma rápida recorrida nos números para entender o tamanho da tentação criadora do escândalo que levou à inédita prisão em série de figurões de parte das maiores empreiteiras do país. Com a promessa cumprida do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva na campanha de 2002 de ressuscitar a indústria naval e forçar a Petrobras a direcionar compras para empresas brasileiras, foram cerca de R$ 780 bilhões investidos pela estatal nos 10 anos seguintes, volume ainda inflado pela descoberta do bilhete premiado chamado pré-sal. No período de 2014 a 2018, a previsão era acrescentar à conta outros R$ 560 bilhões - em refinarias, plataformas, navios-sonda e todo tipo de equipamento necessário à exploração e beneficiamento das gigantescas reservas brasileiras.
Alçada para o bem e para o mal à condição de galinhas dos ovos de ouro, a maior empresa da América Latina levou o setor de petróleo e gás a mais do que quadruplicar o peso no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Saiu de uma participação de 3% em 2003 para 13% ano passado. O número de empregos disparou de 1,9 mil para 81 mil apenas nos estaleiros, e 5 mil pequenas empresas foram agregadas à cadeia de fornecedores da estatal.
Dinheiro em caixa dura só seis meses
A profusão de oportunidades em um setor altamente promissor também criou uma nova fronteira para as empreiteiras, que pouco mais de 10 anos atrás se dedicam especialmente a estradas e barragens. Tradicionais financiadoras de campanhas eleitorais, encontraram em diretores de áreas estratégicas da Petrobras, indicados por partidos, o elo ideal para os interesses escusos mútuos.
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Entre especialistas no segmento de petróleo e gás, o temor é que as suspeitas de superfaturamento nos contratos da Petrobras paralisem a estatal e tenham um efeito letárgico em suas encomendas, significando mais um revés na tentativa de reanimar a economia em 2015, e representem uma ameaça à política de conteúdo local que norteou os investimentos da estatal, com o risco de uma guinada para compras no Exterior.
- A Petrobras é a principal indutora da indústria brasileira. A política de conteúdo local é positiva se for conduzida de forma honesta, mas sem dúvida (o escândalo) será um golpe, e quem vai pagar são as pequenas e médias empresas que não têm nada a ver com isso - diz Adilson de Oliveira, economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que há mais de 40 anos estuda o setor de óleo e gás.
Considerado um dos principais especialistas no assunto, o também economista Maurício Canêdo, da Fundação Getulio Vargas (FGV), considera cedo para projetar o tamanho do estrago que o escândalo vai impor à Petrobras. Tudo vai depender da extensão das irregularidades e da duração da crise. Em um primeiro momento, avalia, contratos serão revistos, outros pelo menos temporariamente, paralisados, assim como os desembolsos, dificultando ainda mais a tentativa da estatal de acelerar a extração de petróleo para gerar mais caixa.
- As denúncias podem voltar a rebaixar a nota de crédito da Petrobras, tornando mais difícil a captação de recursos no Exterior. Isso reduziria o ritmo de investimento e mais para a frente diminuiria a curva de aumento de produção de petróleo, com impacto em toda a cadeia de fornecedores - analisa Canêdo.
Depenada, sem sequer conseguir publicar o balanço do terceiro trimestre e com valor de suas ações derretendo, a galinha dos ovos de ouro está com o fôlego curto. Na semana passada, o diretor financeiro da estatal, Almir Barbassa, admitiu que a empresa tem apenas seis meses de caixa.
Caminhos para resgatar a estatal
Metida na maior borrasca de sua história, a Petrobras começaria a ser resgatada com medidas que diminuíssem a ingerência política na empresa e lhe dessem maior liberdade para realizar apenas investimentos com viabilidade econômica, avaliam especialistas.
Sem essas amarras, poderia se livrar de decisões que afetam o seu caixa. Uma delas, a opção de segurar o preço da gasolina para conter a inflação, o que fez a estatal vender no mercado interno o combustível mais barato do que comprava no Exterior. A outra, talvez não se aventurar em projetos como o do projeto da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, considerada a mais superfaturada das obras da Petrobras.
O empreendimento, inicialmente orçado em US$ 2,5 bilhões, deve agora custar US$ 18,5 bilhões - sem contar que originalmente seria construída em parceria com a Venezuela, que depois acabou não colocando um centavo no projeto - ajudando a Petrobras a ostentar o status de uma das empresas mais endividadas no mundo, chegando a R$ 307 bilhões, segundo a consultoria Economatica.
Para Maurício Canêdo, especialista em petróleo da Fundação Getulio Vargas (FGV), talvez o caminho natural da Petrobras seja levar algumas encomendas para o Exterior, onde a indústria naval é mais madura.
- Um ambiente com mais competição é menos propenso à corrupção - entende Canêdo, que vê na baixa competitividade da indústria naval, dependente de subsídios oficiais, uma porta aberta para desvios.
Recuperação da credibilidade
Embora considere positiva a medida anunciada pela Petrobras de criar uma diretoria de governança, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes, entende que o ideal seria a estatal abandonar as contratações por carta convite e passar a utilizar a licitação tradicional ou mesmo o Regime Diferenciado de Contratação (RDC). Mesmo que isso signifique menor agilidade nas operações.
- É melhor isso do que fazer convite para três amigos - diz Nardes.
Autor de um estudo sobre o peso da Petrobras no PIB, o economista Adilson de Oliveira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), prega a urgência de um choque de gestão para começar a recuperar credibilidade, com a nomeação de novos diretores em cargos-chave da empresa. Mesmo assim, as feridas da crise envolvendo Petrobras e as maiores empresas de engenharia do país vão demorar para cicatrizar.
Cifras bilionárias, atrasos monumentais
REGIÃO NORDESTE
Refinaria Premium I - Bacabeira (MA)
Há atrasos injustificáveis nas obras e serviços. Gastos em projetos, treinamentos e estudos ambientais somam mais de R$ 1 bilhão. A previsão de operação de 2016 passou para 2018.
Empreiteiras: Consórcio GSF, formado por Galvão Engenharia, Serveng Civilsan e Fidens
Problema: atraso no cronograma e estouro no orçamento.
Refinaria Premium II - Caucaia (CE)
Orçada em US$ 11 bilhões, não tem edital de licitação até hoje. O motivo seria a demora na desapropriação do terreno. A previsão de começar a funcionar em 2017 precisará ser revista.
Problema: atraso no cronograma.
Estaleiro Atlântico Sul - Ipojuca (PE)
Devido a atrasos na entrega, a Transpetro suspendeu o contrato de encomenda de 16 unidades dos 22 navios petroleiros encomendados no valor de US$ 3,4 bilhões.
Empreiteiras: Camargo Corrêa e Queiroz Galvão
Problema: atraso no cronograma
Refinaria Abreu e Lima - Ipojuca (PE)
Orçada inicialmente em US$ 2,5 bilhões há 11 anos, a refinaria custou à Petrobras US$ 18,5 bilhões. A Polícia Federal apura suspeita de superfaturamento de pelo menos R$ 1,3 bilhão nos principais contratos.
Empreiteiras: Camargo Corrêa, WorleyParsons, Queiroz Galvão, Iesa Óleo e Gás, Odebrecht e Galvão Engenharia
Problema: atraso no cronograma e estouro no orçamento
Complexo Petroquímica Suape - Ipojuca (PE)
Com previsão de conclusão em julho de 2011, as obras iniciadas em dezembro de 2008 só tiveram a primeira fase concluídas no fim do ano passado. O custo inicial de R$ 4 bilhões saltou para R$ 6,78 bilhões. A Petrobras entrou com 30% do dinheiro. A maior parte é financiamento do BNDES.
Empreiteira: Odebrecht
Problema: Atraso no cronograma e estouro no orçamento.
REGIÃO CENTRO-OESTE
Fábrica de fertilizantes - Três Lagoas (MG)
Ainda em construção, a unidade já custou US$ 3 bilhões à Petrobras, US$ 500 mil a mais do que o projetado. A estatal teve isenções fiscais de cerca de R$ 2,2 bilhões por parte do governo federal para as obras da fábrica.
Empreiteiras: GDK, Sinopec e Galvão Engenharia
Problema: atraso no cronograma e estouro no orçamento.
REGIÃO SUDESTE
Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) - Itaboraí (RJ)
Inicialmente calculado em US$ 19 bilhões, o projeto deve custar US$ 26 bilhões. Auditoria divulgada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que irregularidades nas obras podem ter causado prejuízos de cerca de U$ 9 bilhões para a Petrobras. Além disso, as empreiteiras foram contratadas sem licitação por quase R$ 4 bilhões. Apenas uma das quatro unidades previstas está em construção, apesar de a obra ter começado há quatro anos.
Empreiteiras: UTC e Odebrecht
Problemas: atraso no cronograma e estouro no orçamento.
REGIÃO SUL
Reforma na Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) - Canoas
O valor da licitação era de R$ 1,585 bilhão, mas com os aditivos aplicados ao contrato ao longo de mais de três anos, saltou para R$ 2,132 bilhões. Após atraso de seis meses, a nova unidade de tratamento de diesel iniciou as operações em 3 de setembro deste ano.
Empreiteira: UTC Engenharia
Problemas: atraso no cronograma e estouro no orçamento.
Estaleiro Rio Grande 1 - Rio Grande
A construção de oito cascos de plataformas de exploração de petróleo e de três navios-sonda de perfuração soma contratos de US$ 5,9 bilhões. O primeiro casco deveria ter ficado pronto em 2013, mas foi entregue em 2014. O atraso fez a Petrobras encomendar plataformas à China
Proprietário: Engevix Engenharia
Problema: atraso no cronograma
* Colaborou Cadu Caldas