A CORRENTE QUE BERNARDO UNIU

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A Turma do Be

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Espalhadas pelos mais diversos lugares, milhares de pessoas mantêm acesa a lembrança do menino morto há um ano no interior do Rio Grande do Sul com a participação de familiares. Mais do que preservar sua memória, ajudam a transformar a forma como crianças em risco são cuidadas

sileide de Oliveira, 64 anos, mora em Natal (RN) e tem seis netos, mas há um ano dedica dias e noites à memória de um menino gaúcho que nunca conheceu. Desde que se comoveu pela televisão com as primeiras notícias sobre o desaparecimento de Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, a pensionista, conhecida como "Zizi Vovó", invade as madrugadas postando mensagens no Facebook, notícias e clamores por justiça.

Francisco Mauro Souza Cruz, 41 anos, é técnico mecânico de motocicletas em Fortaleza (CE). Se define como um "cara muito frio" e na internet é conhecido como "Mauro Predador". Quando soube que o garoto de Três Passos havia sido enterrado pela madrasta em uma cova rasa, supostamente com conhecimento do pai, o médico Leandro Boldrini, em 4 de abril do ano passado, não conseguiu ficar impassível. Nas horas vagas, edita vídeos de homenagem a Be.

Karine Mezzomo, 38 anos, mora em Foz do Iguaçu (PR) e há 11 meses se concentra sempre às 21h, de segunda a sexta-feira, para mobilizar correntes de oração via redes sociais pelo menino, que antes de receber uma injeção letal chegou a ir à Justiça pedir uma nova família. Em suas preces, pede luz para a elucidação do caso e a punição dos responsáveis.

A dentista Paula Branco, 41 anos, de São Paulo, acompanha passo a passo do processo. Foi atrás dos peritos particulares contratados pela avó materna de Bernardo na capital paulista para se engajar na mobilização pela reabertura da investigação da morte da mãe do menino, ocorrida quatro anos antes da do filho. Não se conforma com a tese de suicídio de Odilaine Uglione.

Nenhum deles conhecia Bernardo. Pelo menos não antes do destino do menino de classe média, filho do cirurgião mais famoso de Três Passos, no noroeste gaúcho, ganhar os noticiários do país pelo desfecho trágico. Hoje, Zizi Vovó, Mauro Predador, Karine e Paula estão entre os milhares de usuários conectados em uma rede nacional que mobiliza pelo menos 30 páginas no Facebook. Juntos, compõem a "Corrente do BEm". Apenas a comunidade Bernardo Boldrini — Justiça tem 113 mil curtidores, enquanto oito grupos fechados acompanham de forma mais ativa o caso. Um ano depois do crime, todos lutam contra a impunidade. Apesar de se multiplicarem pela web, não se restringem ao espaço virtual. Planejam ações contínuas que, com ajuda da comunidade local, são visíveis em toda a cidade de 24 mil habitantes onde Bernardo vivia.

— A corrente surgiu com todos os amigos que o Be uniu no Brasil. Hoje a maior parte da mobilização vem de fora, não daqui — constata Tayná Petry, 29 anos, a quem Bernardo chamava de "mana".

Foi da natalense Zizi Vovó, por exemplo, a ideia de produzir um vídeo para marcar o primeiro ano da morte de Bernardo, neste final de semana.

— Eu vivo 24 horas nesses grupos. Rezo para que tudo venha à tona, que seja tudo descoberto — conta Zizi Vovó, que planeja ir a Três Passos para acompanhar o julgamento dos acusados.

Pelo Facebook, a moradora do Rio Grande do Norte sugeriu aos participantes da corrente que enviassem depoimentos em homenagem a Bernardo. Quem se dispôs a editar as gravações foi Mauro Predador, do Ceará. Quando terminou, enviou o vídeo ao garçom Magnos de Souza, 34 anos, de Três Passos, que ficou encarregado de montar um telão na frente da casa de Bernardo para exibi-lo. Magnos foi o fundador da primeira comunidade de internet sobre o desaparecimento, que hoje agrega 95,6 mil curtidores, e é um dos braços da corrente na cidade.

O principal núcleo de entrega das homenagens é a loja de moda íntima de Juçara Petry, no centro de Três Passos. Quase toda semana chega algo que faz lembrá-la do menino que foi sozinho ao Fórum da cidade dizer que gostaria de tê-la como mãe.

— Volta e meia, quando a gente vê chega uma caixa com alguma coisa. Isso dá força para nós. Se não fosse pela corrente, acho que a mobilização já teria morrido — reflete Juçara.

A família Petry e seus amigos penduram os pôsteres que recebem em lugares estratégicos da cidade, como a frente da casa de Bernardo, o fórum, a escola onde o menino estudava. Apenas em uma gráfica local já foram encomendados 90 banners, pagos por clientes de Estados como Acre, Minas Gerais e Paraíba. Na floricultura Casa dos Enfeites, onde Bernardo costumava olhar os aquários que sonhava em ter, os pedidos feitos pela web também são contínuos, inclusive de países como Austrália, Estados Unidos, Alemanha, Portugal. Somente no dia do aniversário de Bernardo, em 6 de setembro, foram mais de cem requisições. Outra iniciativa da Corrente do BEm foi a criação de um varal de corações com mensagens para Bernardo. Envelopes chegam de todo o país com recados de afeto. Adesivos também estão espalhados pela cidade com a sua foto. O carinho tardio contrasta com as atenções que faltaram a Bernardo em vida.

reportagem por Letícia Duarte

 

fotografia de Carlos Macedo

 

design de Leonardo Azevedo e Diogo Perin

 

edição por Leandro Brixius

 

imagens de vídeo de Carlos Macedo

e Felipe Martini

 

edição de vídeo de Luan Ott

 

 

 

 

 

 

 

Publicado em 04 de abril de 2015.

Homenagens chegam até mesmo do Exterior

Mensagens escritas em corações de papel são enviadas de várias regiões do país e formarão um varal

 
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