A reforma administrativa é tratada como uma das prioridades na pauta do Legislativo federal brasileiro neste 2024. Uma proposta em tramitação, enviada ainda pelo governo de Jair Bolsonaro, amplia terceirização dos serviços públicos, permite redução salarial e impõe avaliação periódica dos servidores. Os atuais líderes do Congresso, em especial o presidente da Câmara, Arthur Lira, têm interesse em fazer andar este que é o último grande pacote estruturante aguardando votação, após as revisões de regras tributárias, trabalhistas e previdenciárias.
O tema deve contrapor, mais uma vez, Legislativo e Executivo. O governo trabalha numa proposta alternativa ao texto já existente.
A reforma também divide opiniões de especialistas. Dois nomes ouvidos por GZH concordam que a discussão é necessária, mas têm opiniões divergentes sobre o que deve mudar na legislação que rege o serviço público. Ambos projetam que o texto atualmente em tramitação não será aprovado em 2024. Confira as entrevistas abaixo:
Aragon Dasso Jr, professor de administração pública
"Precisamos de maior controle social sobre a gestão"
ARAGON DASSO JR
Professor de administração pública
Professor de Administração Pública na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ex-coordenador do curso de Gestão Pública da Universidade Estadual (UERGS), Aragon Dasso Jr considera um retrocesso a reforma em discussão na Câmara. Para Dasso Jr, o texto precariza serviços e direitos ao flexibilizar processos e apostar nas parcerias com a iniciativa privada. O professor defende uma reforma que aumente o controle social dos órgãos públicos e consulte a população. Confira os principais trechos da entrevista:
Quais as chances de aprovação da reforma administrativa?
A reforma não será aprovada. O governo federal tem bandeira muito distinta dessa proposta, cujo objetivo é concluir uma reforma que se iniciou em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, focada em copiar o funcionamento do setor privado. A ministra da Gestão, Esther Dweck, é frontalmente contra a reforma e ficou de apresentar uma nova proposta em fevereiro. Vamos aguardar.
O texto em discussão no Congresso contempla as necessidades do país?
Esse texto é um gigantesco retrocesso. A justificativa tem discurso de valorização do servidor, mas na prática é o contrário: transfere para o servidor a responsabilidade pelos problemas da administração pública e transforma em problema direitos garantidos na Constituição, como saúde e educação para todos. Dos anos 1990 para cá, temos uma transferência acelerada da prestação dos serviços públicos para o setor privado e a PEC vem para completar o serviço.
Qual reforma administrativa o Brasil precisa?
Precisamos valorizar na mesma intensidade processo e resultado. Não dá para falar de metas e indicadores sem discutir como alcançar as metas. Sou contra flexibilizar processos, pois precisamos cumprir princípios como impessoalidade e transparência. Outra questão são os mecanismos de controle social. Não basta conselho ou ouvidoria, é preciso fiscalização efetiva sobre o ente que presta serviço público. O terceiro ponto é a participação popular associada à tomada de decisão na gestão pública. Antes tínhamos o orçamento participativo. Era importante, mas insuficiente. Precisamos de plebiscitos e referendos para discutir qualquer tema relevante na gestão.
Regina Monteiro Pacheco, especialista em gestão pública
"É preciso resultado, com metas e indicadores"
REGINA MONTEIRO PACHECO
Especialista em gestão pública
Ex-presidente da Escola Nacional de Administração Pública e coordenadora do mestrado em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas, Regina Monteiro Pacheco defende uma reforma administrativa que acentue a responsabilidade das chefias, modernizando a gestão e seleção de pessoal. Para Regina, o texto da Câmara tem avanços, mas precisa ser complementado por uma mudança de cultura na máquina estatal, com treinamento de lideranças, fixação de metas e indicadores. Confira os principais trechos da entrevista:
Quais as chances de aprovação da reforma administrativa?
Acho que não vota nada. Esse ano tem eleição, o calendário é mais apertado. Se não votar no primeiro semestre, acabou. O governo é contra, com apoio de todos os sindicatos do setor público. Além disso, tem orçamento e muitos cargos para negociar. A ministra (de Gestão) Esther Dweck diz que tem um projeto de reforma para apresentar, mas até agora não vi nada.
O texto em discussão no Congresso contempla as necessidades do país?
É uma reforma voltada praticamente só para gestão de pessoal. Ela até prevê contrato de resultados, mas não temos cultura de avaliação de desempenho. Precisamos capacitar as lideranças, pois tem um monte de gente dirigindo órgão público sem noção da própria responsabilidade de modernizar o Estado brasileiro. É preciso melhorar a qualidade da liderança, começar por cima e por dentro, com metas e feedbacks. Aprender essas coisas é muito mais revolucionário do que poder demitir servidor público.
Qual reforma administrativa o Brasil precisa?
Uma reforma só serve se colocar o país no século 21. É preciso implementar gestão por desempenho, com foco em resultado por meio de metas e medição de indicadores. As leis têm de ser flexíveis para obtenção desses resultados. É preciso abandonar o chavão de que no setor público só se pode fazer o que a lei permite, porque as leis não detalham tudo. Vamos flexibilizar a forma de contratação, melhorando a seleção de pessoas. Não pode ser todo mundo estável. No Reino Unido, só 8% são estáveis permanentes. Alguém diz que o governo lá foi desconstruído e não funciona?