A enchente de maio de 2024 tem lugar garantido no rol de acontecimentos marcantes da História do Rio Grande do Sul. Cabe aos gaúchos não deixar ser um episódio lembrado apenas pela destruição e pelo drama humanitário. É preciso somar esforços para as próximas gerações rememorarem os dias atuais como o ponto de virada que tornou o Estado, nas dimensões econômica, social e de infraestrutura, um exemplo de adaptação às mudanças climáticas e de resistência aos eventos extremos.
Impõe-se aos políticos o compromisso prioritário com o Rio Grande do Sul, e não com interesses eleitorais imediatos
Tamanha tarefa exigirá um plano robusto de longuíssimo prazo. É indispensável que seja um projeto de Estado, e não de governo. Ou seja, deve ser fruto de um consenso entre governos federal e estadual, municípios, academia, empresários e sociedade civil e perpassar a alternância de poder. Seus resultados irão impactar a vida dos gaúchos e dos brasileiros que aqui decidirem viver no futuro. A materialização dessa resiliência, complexa e com alto custo, vai requerer tempo e persistência.
Há premissas para esse programa de horizonte largo prosperar. Em primeiro lugar, precisa ser institucionalizado. Reconhece-se que o governo Eduardo Leite aprovou na Assembleia o chamado Plano Rio Grande, que, além de respostas imediatas de reconstrução, engloba questões estruturantes. Na mesma linha, criou por decreto o Conselho do Plano Rio Grande, formado por 160 representantes de distintos segmentos da sociedade para contribuir na formulação de políticas destinadas ao reerguimento do Estado.
Pode esse colegiado ser o embrião de uma construção de princípios e medidas que nortearão as ações voltadas para os próximos decênios. Mas são necessárias garantias de que existirá uma governança de Estado, e não de governo. É um elemento essencial para a perenidade desse projeto. Assim como é fundamental que tenha força de lei. Igual relevância tem a participação da União. A estrutura criada pelo governo federal para amparar o Estado é crucial no enfrentamento da tragédia climática. Mas, ao longo do tempo, o mais coerente é que o apoio ocorra de forma vinculada com o plano estadual.
Outras condicionantes são decisivas para o sucesso ou malogro. Impõe-se aos políticos o compromisso prioritário com o Rio Grande do Sul, e não com interesses eleitorais imediatos. Sem uma cooperação capaz de passar por cima de ambições de poder, os riscos de fracasso serão inevitáveis. Embora reconheça-se a legitimidade dos inquilinos de turno que virão no Piratini, nas prefeituras e nos Legislativos, a governança precisa estar imune ao confronto da política.
Toda essa concepção tem de ser iniciada já, para que em um prazo de no máximo dois anos exista clareza sobre os recursos necessários, conheça-se a fonte das verbas e defina-se a sequência de implantação de projetos estruturais. Há pontos fulcrais, como um olhar sistêmico para cada bacia hidrográfica, proteção ao ambiente, realocação de populações de áreas de risco e fortalecimento de infraestrutura. Um trunfo do Rio Grande do Sul é dispor, em universidades, empresas e órgãos públicos, de capital humano qualificado e conhecimento acumulado, à altura do desafio. Trata-se, ainda, de uma oportunidade ímpar para incentivar a inovação, catapultando a economia por meio do desenvolvimento de tecnologias e soluções para uma encruzilhada que também é global. Esse salto depende, em boa medida, de uma reformulação pedagógica profunda, que produza avanços palpáveis na qualidade da educação.
Cientistas alertam que o Estado está em uma área que favorece a formação de eventos extremos. As mudanças climáticas tendem a elevar frequência e intensidade desses episódios. Os gaúchos têm diante de si uma bifurcação. Um caminho é o de aceitar o risco de um fracasso no processo de reconstrução. O outro é o da preparação para seguir prosperando e tornar-se um modelo em meio à incerteza do clima.