Ao ajuizar a ação civil pública contra a CEEE Equatorial na qual pede indenizações e multas que totalizam ao menos R$ 200 milhões, o Ministério Público compilou reclamações contidas em 14 inquéritos que apuram a atuação da distribuidora. Em 2.315 páginas, os promotores descrevem um “cenário desesperador para as comunidades mais carentes do interior”. São relatos de localidades que ficam até 20 dias sem energia, de prejuízos a pequenas e médias empresas e da precariedade dos serviços.
Enquanto ocupa a última posição do ranking de eficiência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a CEEE Equatorial exibe aumento progressivo no tempo de atendimento das ocorrências. De 2021 a 2023, houve crescimento de 50% na tempo de deslocamento, 109% no de preparação e 34% no de execução.
— A CEEE tem persistido em um modelo de gestão que se mostra divorciado de um conceito de bom atendimento aos consumidores — diz o promotor de Defesa do Consumidor de Porto Alegre, Luciano Brasil.
Em Pelotas, moradores fotografaram em 21 de junho de 2022 uma chave seccionadora na qual o fusível havia sido substituído por pedaço de arame. A CEEE Equatorial só providenciou o reparo em 18 de agosto, 58 dias depois. Em Pantano Grande, cansado de contabilizar perdas nos seus dois mercados por cortes e desequilíbrio no fornecimento de energia, o empresário Marcos Tavares contratou uma empresa para averiguar os problemas na rede. Em 10 dias, foram registradas 1.120 oscilações de tensão.
— Perdi a conta do número de motores queimados. A CEEE nunca me deu satisfação e ainda tive de comprar dois geradores — reclama Tavares.
Desde que a Equatorial assumiu a CEEE, em 2021, a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) realizou 19 fiscalizações na empresa. Foram emitidos quatro autos de infração, com três multas e nove advertências.
Nessas inspeções, ficou constatado que ela leva em média 65% mais tempo do que as outras três grandes distribuidoras do sul do país para atender situações de emergência e que o descumprimento de indicadores de queda de luz e demora na religação atinge 77,3% dos seus consumidores.
Dos 62 conjuntos elétricos da empresa no RS, 49 foram considerados críticos. Em Candiota, o número de cortes de energia superou em 599% o teto estipulado pela Aneel. Em Santa Vitória do Palmar, em 430%.
— A gente cobra resultado e cobra uma melhor comunicação com a sociedade. Houve avanços mas ainda há muito a melhorar — diz a presidente da Agergs, Luciana Carvalho.
Problemas relacionados à mão de obra
Nas mais de 20 audiências públicas de que a Agergs participou para debater problemas no fornecimento de energia, boa parte dos problemas no atendimento da CEEE Equatorial é atribuída à diminuição das equipes e à qualificação profissional insuficiente dos trabalhadores terceirizados.
Logo após assumir a concessionária, a Equatorial lançou um programa de demissão voluntária que atingiu 998 funcionários. Com outros 50 desligamentos posteriores, a companhia reduziu o quadro de pessoal em 52,4%.
— A CEEE perdeu sua memória viva. Saíram os profissionais mais experientes — diz o gerente de energia elétrica da Agergs, Alexandre Jung.
Para o presidente do Sindicato dos Eletricitários do RS (Senergisul), Antonio Silveira, o resultado foi uma precarização dos serviços. Virou rotina na entidade denúncias de treinamento deficiente, escassez de equipamentos e falhas nos procedimentos. Há relatos cotidianos de dificuldade até mesmo na comunicação com a central de operações da CEEE Equatorial, pois as viaturas não são equipadas com rádio e há perda de sinal de celular.
— Não somos contra a terceirização, mas sim contra essa queda na qualidade do serviço. Falta investimento e capacitação. Muitas vezes a equipe vai até o local do defeito e só tira uma foto, pois não sabe consertar — comenta Silveira.
O procurador-geral de Justiça do RS, Alexandre Saltz, está em Brasília para pedir atuação do Ministério Público Federal frente às deficiências da CEEE Equatorial e da RGE no fornecimento de energia. Nesta terça-feira (6), Saltz vai entregar ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, um relatório com mais de cem páginas contendo falhas coletadas nos últimos anos.
A Equatorial
- Terceiro maior grupo de distribuição de energia do país, a Equatorial foi fundada em 1999, na esteira das privatizações no setor elétrico
- Atualmente, o grupo opera sete concessionárias no Maranhão, Pará, Piauí, Alagoas, Rio Grande do Sul, Amapá e Goiás, atendendo mais de 10 milhões de clientes
- Essa ramificação atende 31% do território nacional, 15% dos consumidores e 13% do volume de energia
- A CEEE ocupa o último lugar do ranking de eficiência da Aneel. Logo acima figuram outras duas distribuidoras da Equatorial (de Goiás e do Maranhão), formando a tríade das piores concessionárias do país
- A Equatorial obteve lucro líquido de R$ 4,3 bilhões em 2021 e de R$ 1,9 bilhão em 2022
- Já a CEEE registrou prejuízo de R$ 394 milhões em 2021 e de R$ 266 milhões em 2022
Indicadores de desempenho
Dados da atuação da CEEE mostram que metas relativas à estabilidade do serviço não vêm sendo cumpridas, embora os resultados estejam melhorando desde a privatização (em 2021).