Simone Biles
A lenda de 1m42cm
David Coimbra david.coimbra@zerohora.com.brEu conheci Simone Biles. Quer dizer: não assim, de ficarmos parceiros, de tomarmos chopes cremosos juntos. Eu apenas a entrevistei durante os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio. Fiquei diante dela, na zona mista da ginástica artística, e me impressionei: ela é bem pequeninha! Tem 1m42cm de altura, imagine. O topo de sua cabeça ficava à altura do meu peito.
Ela é também uma simpatia, conversa sorrindo e parece muito satisfeita com o que faz. Pudera: o que Simone Biles faz não é pouco.
Quem a vê saltando fica embasbacado, mesmo que não goste de ginástica olímpica. Ela tem uma potência, uma impulsão e uma explosão muscular que são de super-heróis – você olha e jura que ela foi picada por uma aranha radioativa.
Ela não salta; ela decola. E com uma graça que torna seus movimentos naturais. Não dá para perceber que ali está o fruto de 32 horas de treino duro por semana. É que, na verdade, explicar a perfeição de Simone Biles pelo tempo e pelo esforço nos treinamentos é ser reducionista. Suas virtudes não vêm só da vontade; elas são um dom.
Simone nasceu em Columbus, Ohio, em 14 de março de 1997. Sua mãe, Shannon, era dependente de álcool e drogas, e cuidava mais de alimentar o gato de estimação do que de Simone e de seus três irmãos. Os vizinhos começaram a reparar no estado das crianças e alguns ligaram para as autoridades, denunciando a situação. O serviço social, nos Estados Unidos, é muito atento a esse tipo de problema. Quando Simone tinha três anos, ela e seus três irmãos foram retirados da guarda da mãe e entregues a parentes.
Simone e sua irmã pequena mudaram-se para o Texas a fim de viver com o avô, e os outros dois permaneceram em Ohio com uma irmã do avô. Simone aparentemente não tem problemas com esse drama familiar. Ela tem bom relacionamento com a mãe biológica, apesar de chamar o avô de pai e a avó adotiva de mãe. Suas lembranças do tempo em que vivia com a mãe não são positivas. Uma das principais, a daquele gato que ganhava comida, enquanto ela passava fome.
– Acho que é por isso que até hoje eu detesto gato – deduz.
Quando Simone tinha seis anos, uma excursão de sua escola foi adiada por causa da chuva. Sem ter o que fazer com as crianças, os professores as levaram para um ginásio coberto, onde as largaram para brincar. A pequena Simone viu os aparelhos de ginástica e se encantou. Saiu pulando e fazendo piruetas como se frequentasse o lugar todos os dias.
Os professores ficaram tão impressionados com sua performance que a mandaram para casa com um bilhete para a família no qual sugeriam: "Que tal colocar a menina em aulas de ginástica?". A sugestão foi aceita, e o mundo ganhou uma estrela.
Há quem diga que Simone Biles é a maior ginasta de todos os tempos, superando a graciosa romena Nadia Comaneci.
Uma afirmação polêmica, porque Comaneci é uma lenda.
Os treinadores de ginástica ressaltam que elas são diferentes: Comaneci fazia um balé, Biles é pura potência.
Com essa potência, aos 24 anos de idade, Simone Biles é a atleta mais festejada das Olimpíadas de Tóquio, essas tão estranhas Olimpíadas da peste. Se tiver o rendimento que o planeta espera dela, é certo que Nadia Comaneci terá uma companhia.
Não no pódio, que o pódio, para Comaneci já passou, mas naquele lugar elevado, distante dos comuns dos mortais, onde vivem as lendas.