Superpersonagens olímpicos

Isaquias Queiroz

Super-homem arretado

Diogo Olivier

Imagine que você é um apostador olímpico de primeira viagem, que não entende nada sobre como aumentar a sua chance de acertar. Em quem, dos 302 atletas da delegação brasileira que começa a chegar a Tóquio, concentrar fichas para o tão sonhado ouro? Anote aí, que essa é moleza de responder. Creia em Isaquias Queiroz, 26 anos, da canoagem velocidade. Pode-se dizer que este baiano nascido no pequeno município de Ubaitaba é um super-homem.

Se você acha que é exagero, acompanhe-me. Provarei o contrário nas próximas quatro frases. Aos três anos, pouco depois da morte do pai, Isaquias bateu na chaleira de água quente que fervia na cozinha, banhando o próprio corpo. Desenganado pelos médicos durante um mês de internação, sobreviveu para, aos 10 anos, cair do alto de uma árvore em cima de uma pedra, o que lhe causou hemorragia interna e a perda de um rim. Uma década depois, era campeão mundial júnior, fato que já se repetiu seis vezes na categoria adulta.

Eu não disse que Isaquias era super-homem?

Muito provavelmente, Isaquias será o brasileiro com maior número de medalhas individuais da história do Brasil em Jogos Olímpicos. Com as duas pratas e um bronze arrebatadas no Rio 2016 – um recorde por si só: nunca outro atleta nacional havia conseguido pedir música no Fantástico com três medalhas no peito numa única edição –, ele já poderá igualar em Tóquio os velejadores Torben Grael e Robert Scheidt, que têm cinco cada. Para tanto, terá de subir ao pódio nas duas categorias em que remará: C1 1.000m (sozinho) e C2 1.000m (em dupla com Jacky Godmann). Só tem um "problema", em termos de recorde.

É que Scheidt é meio assim um Highlander. Vai para suas sétimas Olimpíadas, aos 48 anos. E ganhar é com ele mesmo. Scheidt tem mais de uma dezena de títulos mundiais no currículo. Mas, como tem só 27 anos, com certeza Isaquias estará em Paris 2024.

Se chegar a Paris tão favorito como é nos próximos dias, em Tóquio, o pódio será natural como o inusitado pedido de casamento para Laina Guimarães, mãe de seu único filho, Sebastian, assim batizado em homenagem ao canoísta alemão homônimo, ídolo de Isaquias. Depois de ganhar o prêmio Brasil Olímpico como melhor atleta entre todas as modalidades, logo após sua participação fenomenal no Rio 2016, ele pulverizou o protocolo. Ao final do discurso, desceu do palco e, tranquilamente, caminhou até a plateia, parou na frente da namorada e perguntou, para todo mundo ouvir:

– Quer casar comigo?

Um romântico, ainda por cima. E engajado. Há alguns meses, posicionou-se diante do preconceito contra nordestinos. Disse que, quando ganha, é chamado de brasileiro no amável ambiente das redes sociais. Mas, quando perde, vira nordestino.

Outra história bonita de Isaquias é a relação com a memória do técnico espanhol Jesús Morlan, que morreu em novembro de 2018, vitimado por uma câncer fulminante no cérebro. Como perdeu o pai muito cedo, Jesús tornou-se uma espécie de segundo pai para Isaquias. Sabendo que ia morrer, o treinador deixou o planejamento para as Olimpíadas japonesas documentado. Isaquias e Lauro de Souza, auxiliar de Jesús, guiaram-se exclusivamente por ele para caminhar até Tóquio, com pandemia e tudo. Ao que tudo indica, acertaram. Após 21 meses sem competir, Isaquias voltou às águas na Hungria – e, claro, subiu ao pódio: prata. Perdeu o ouro por menos de meia remada.

Talvez tenha sido falta de feijão.

Sim, feijão. É que Jesús, por via das dúvidas, proibia Isaquias de consumir qualquer tipo de suplemento alimentar, com medo de contaminações dessas substâncias e, assim, confusão nos rigorosos exames antidoping. O que fez o baiano de Ubaitaba? Como a fome bate forte em competições, e a energia usada numa prova de canoagem de velocidade é descomunal, Isaquias leva feijão em lata quando compete fora do Brasil. Além de super-homem, portanto, um herói cujo combustível é o mais brasileiro dos alimentos. Ele leva também achocolatados na mochila, mas o carro-chefe para repor força é mesmo o velho e bom feijão que as mães recomendam aos filhos, do Oiapoque ao Chuí, para crescerem fortes e saudáveis. Depois dessa, confesse que você também apostará suas fichas para o sempre difícil ouro brasileiro olímpico em Isaquias Queiroz, o super-herói brasileiro e baiano mais arretado das redondezas.