Gabriel Medina
Fenômenos das ondas
Leonardo Oliveira leonardo.oliveira@zerohora.com.brPraia de Tsurigasaki, em Chiba, a 64km de Tóquio. Lá, Gabriel Medina fará o que, no mundo das pranchas, poucos fazem: suar na água. É assim que o surfe separa os mortais dos eternos. Gabriel está nesse segundo grupo. Aos 27 anos, o bicampeão mundial e atual líder da WSL surfa numa onda perfeita no mar e tenta domar um caixote fora dele. Para que você entenda esse contexto, é preciso contar a história dos Medina. Ela está dividida em antes e depois da pandemia. Vamos dropar nela.
Criado em Maresias, no litoral paulista, Medina tem um roteiro de vida que estamos acostumados a ver em jogadores de futebol: infância com dificuldades, superação e a glória.
O guri foi o fruto de um relacionamento rápido de Simone Medina e Cláudio Jesus Ferreira. Quando o filho completou um ano, os dois decidiram morar juntos. Um segundo filho, Felipe, veio. O amor, não. A separação não tardou.
Simone se viu sozinha e com dois filhos pequenos. Passou a fazer faxinas para se sustentar. Gabriel virou o principal ajudante. Eram tempos bicudos. Um certo dia, percebendo o vazio da despensa, o guri saiu de casa e voltou com alguns trocados. A mãe congelou ao imaginar a origem daquele dinheiro. Debulhou-se em lágrimas ao ouvir o filho contar de onde tinha tirado aqueles poucos reais:
– Eu vi que estavam faltando algumas coisas, daí fui cuidar de uns carros e juntei algumas latas para vender.
Quando Gabriel estava com oito anos, Simone passou a namorar Charles Saldanha, o Charlão, dono de uma pequena loja de surfe em Maresias. O namoro logo virou casamento. Charlão ganhou o filho que sempre quis ter. Gabriel, o pai que nunca teve de verdade. O mar criou uma conexão entre os dois. Foi o padrasto quem viu, primeiro, a vocação no guri. Na primeira vez em que foram à praia, emprestou-lhe sua prancha. Logo observou que o guri tinha o dom para o surfe. Gabriel havia subido poucas vezes numa prancha. Mas já se equilibrava e pegava ondas com naturalidade. Em uma reunião de família, Charlão garantiu, que ali estava um fenômeno. Simone reagiu, protetora, como são as mães. Não queria criar ilusões na cabeça do filho. Charlão chamou Gabriel. O guri era caladão, falava quase sempre com os olhos. Veio a oferta:
– A gente sente que você leva jeito. Quer ir para campeonatos, levar a sério?
– Eu quero é ser campeão do mundo – respondeu Gabriel.
– Então, vamos atrás desse sonho – encerrou o padrasto.
Os resultados logo vieram. Primeiro em Maresias, depois em outros picos de São Paulo. Em 2009 veio o grande salto. Gabriel, com 15 anos, fechou contrato com a Rip Curl, algo como a Adidas do mar, e ganhou fôlego financeiro para buscar um lugar entre os profissionais.
A primeira disputa foi uma etapa da WQS, a divisão de acesso do surfe mundial. Na final, bateu o catarinense Neco Padaratz, uma das lendas do surfe brasileiro. Os Medina voltaram para casa com US$ 20 mil no bolso e o nome conhecido. Nunca alguém tão jovem havia ganho uma etapa da WQS. Meses depois, ele venceu um torneio em Hossegoor, na França, que reúne os melhores juniores do mundo.
Em 2011, Gabriel brilhou em mais algumas etapas da WQS.
Fez pontos suficientes para estrear na elite. Em 2012, aos 17 anos, o guri passou a duelar com Kelly Slater, o maior de todos, e outros astros. O resto da história todos sabemos, com o primeiro título mundial em 2014, conquistado em Pipeline, e o bi, em 2018.
Nesses sete anos em que Gabriel correu o mundo, sempre foi muito marcante a presença da família ao lado. Além de Charlão, a quem chama de pai, como técnico, a mãe, o irmão, Felipe, e a irmã caçula, Sophia, estiveram na beira da praia torcendo por ele. Mas aí veio a pandemia. A quarentena mudou a vida de todos nós. Mas, na de Gabriel, ela teve efeito de uma onda gigante. Em março de 2020, ele conheceu Yasmin Brunet, cinco anos mais velha, filha da ex-modelo Luiz Brunet e recém-separada.Dias depois, veio a orientação para confinamento por causa da pandemia. Yasmin foi passar um fim de semana na casa de Gabriel – e esse fim de semana dura até hoje.
Os gênios de nora e sogra não teriam se batido. O surfista se distanciou de todos. A crise ficou pública quando Gabriel e Yasmin se casaram, em dezembro, no Havaí. Sem avisar a família do surfista. Neste ano, Gabriel anunciou que Charlão deixaria de ser seu técnico. Oficialmente, passaria a se concentrar no treinamento da caçula, Sophia, 16 anos e prestes a entrar no circuito feminino. Desde abril, Gabriel é treinado pelo australiano Andy King.
Coincidência ou não, este é seu melhor começo de temporada. Lidera com folga o ranking mundial. Em cinco etapas, chegou a quatro finais e levou duas delas. Yasmin é quem o acompanha nas viagens, cuida de sua alimentação e das estatísticas dos adversários. Gabriel, aos 27 anos, se diz feliz. E está apaixonado. Tão apaixonado que tentou convencer o COB a abrir uma exceção e permitir que leve a mulher para as Olimpíadas – o comitê permite um acompanhante apenas, e esse seria o técnico. Enfim, é esse novo Gabriel que carrega na prancha o nosso sonho de levar o primeiro ouro do surfe olímpico.