Superpersonagens olímpicos

Fernanda Garay

Soberana das quadras

Vinicius Vaccaro

Você olha hoje Fernanda Garay passando por cima do bloqueio das gigantes russas, ajudando as colegas de rede a brecar ataques de americanas, sérvias e italianas, e talvez se surpreenda por descobrir que há mais de 20 anos, no início de sua adolescência, a porto-alegrense criada na bairro Ypu já media os mesmos 1m81cm e se destacava nas quadras de vôlei em confrontos contra adversárias mais velhas do que ela.

Primogênita de uma família com cinco irmãos, a campeã olímpica de 2012 cresceu em um ambiente que estimulava a prática de esportes. O pai, Luis Fernando, foi jogador de basquete. A mãe, Jussara, gostava de vôlei. Heleno, o segundo filho do casal, competia no salto triplo, enquanto os gêmeos Adonis e Adriano seguiram os passos do pai. Assim, incentivada pelos pais, ingressou na escolinha de vôlei da Sogipa aos 11 anos.

Não demorou para despertar a atenção do professor Osmar Pohl. No ano seguinte, em 1998, foi convidada pelo técnico a integrar a equipe de base do clube. Em seus primeiros passos no esporte, Fê Garay já mostrava uma combinação de qualidades que separam os atletas comuns dos fora de série.

– Ela chamava a atenção de todos pela estatura. E tinha uma impulsão muito acima da média, superava facilmente os bloqueios. Era muito atlética, adorava se atirar em todas as bolas. Tinha muita facilidade para aprender. Como também era ótima passadora, rapidamente adquiriu repertório para atuar em diferentes posições do time – lembra Pohl.

Mas, até então, era a estatura privilegiada que fazia mesmo a diferença. Foi como central, a função destinada à atleta mais alta do time, que Fê Garay despontou na competições e acabou chamada para a seleção gaúcha juvenil, apesar de ter idade para jogar na equipe infantil. Logo foi premiada com a primeira convocação – e os primeiros títulos – para as seleções de base do Brasil.

Em um treino da seleção infanto-juvenil, ouviu uma sugestão que mudou sua trajetória nas quadras. Ao acompanhar a atividade das garotas, o então técnico da seleção feminina principal, Marco Aurélio Motta, aconselhou a gaúcha a trocar de posição. Se na base o tamanho era fator de desequilíbrio, no adulto a atleta seria considerada uma central de baixa estatura. Surgia, então, a versão ponteira de Fê Garay, aquela que a consagrou como uma das maiores jogadoras do vôlei brasileiro.

Na nova função, a gaúcha passou a voar dentro e fora das quadras. Antes de completar 16 anos, deu o salto rumo ao vôlei profissional ao fechar com o São Caetano, clube do ABC paulista. Pela primeira vez, a garota que tomava conta dos irmãos mais novos enquanto os pais trabalhavam moraria distante da família. Em 2010, inverteu o fuso horário para defender o NEC, no Japão. Era a primeira experiência no Exterior – nas temporadas seguintes, entre idas e vindas por times do Brasil, atuaria ainda no vôlei turco, russo e chinês.

Foi na seleção brasileira, no entanto, que Fê Garay viveria as maiores alegrias – e também algumas frustrações. Atingiu o ponto mais alto logo em suas primeiras Olimpíadas, em Londres 2012, quando a ponteira conseguiu lugar em um grupo de jogadoras que, quatro anos antes, havia conquistado o ouro inédito para o vôlei feminino nos Jogos. Depois de um começo vacilante, com risco de eliminação ainda na primeira fase, a seleção de José Roberto Guimarães engrenou no torneio e chegou à final. Na decisão, contra os EUA, o Brasil começou mal e perdeu o primeiro set por 25 a 11. Nas parciais seguintes, o time se encontrou em quadra e venceu por 3 a 1 – em parte graças a Fê Garay, eleita a melhor passadora da competição. Foi dela o ponto decisivo, ao explorar o bloqueio americano.

– Ele sempre teve a capacidade de decidir os jogos. O ponto do ouro não poderia ter ficado em mãos melhores – orgulha-se Pohl, o técnico que enxergara o potencial da menina 14 anos antes desse feito.

Em 2016, Fê amargou a eliminação prematura nas Olimpíadas em casa. Mesmo marcando 24 pontos contra uma surpreendente China, a ponteira não conseguiu evitar a derrota da favorita seleção brasileira na quartas. Foi a pior campanha do time feminino desde os Jogos de Seul 1988.

As últimas temporadas marcaram um ponto de inflexão para a atleta, que decidiu voltar de vez ao país para conciliar a carreira com a vida pessoal. Em 2017, assinou com o Praia Clube, de Uberlândia, e se casou com o ex-jogador de basquete Márcio Santos, depois de uma década de relacionamento pontuado mais pela distância do que por momentos em comum.

– Eu jogava no Exterior e, quando vinha ao Brasil, ficava completamente dedicada à seleção. Quase não via meu marido. Agora é um ciclo olímpico completamente diferente dos outros dois (Londres 2012 e Rio 2016). Antes, minha dedicação era 100% na seleção. Desta vez, dividi as atenções com minha vida particular – afirmou a atleta, em meio aos treinamentos em Saquarema (RJ), base da seleção antes da viagem ao Japão.

E Fê Garay planeja ter outro forte motivo para dividir suas atenções em breve. Na verdade, monopolizá-las. Ao se despedir do clube mineiro, em abril, a jogadora revelou a intenção de dar uma pausa na carreira para realizar um sonho: a maternidade. Aos 35 anos, depois dos Jogos deste ano, a ponteira – uma das três remanescentes da campanha de 2012, ao lado de Natália e Tandara –, tentará engravidar. Ela ainda não decidiu se, depois da gestação, voltará às quadras.

Se retornar de Tóquio com outro ouro, será o desfecho perfeito da carreira de uma atleta que, desde menina, sempre voou nas quadras.