Superpersonagens olímpicos

Armand Duplantis

O prodígio voador

Diogo Olivier

Perto de suas últimas Olimpíadas, Renaud Lavillenie, 34 anos, deve estar tendo pesadelos com Armand Duplantis, um prodígio norte-americano de 21 anos nascido na Louisiana (EUA) que compete pela Suécia, país natal de sua mãe. Em 2016, o bi olímpico no Rio de Janeiro era garantido como a lotação do Louvre aos domingos. Quem poderia batê-lo? Ele até havia perdido uma prova na Diamond League, o circuito mundial do atletismo, para um jovem dos trópicos treinado pelo ucraniano Serguei Bubka, o Pelé do salto com vara, mas ganhara fácil as outras etapas.

Thiago Braz teria a torcida a seu favor, como se viu no Estádio Nilton Santos. Mas, pensava Lavillenie, nada disso seria suficiente diante da sua espantosa regularidade que permanece até hoje, sempre subindo ao pódio. – O Thiago é inconstante – disse ele sobre a chance de o anfitrião roubar-lhe a festa.

Roubou.

O problema é que a inconstância de Thiago (agora mesmo, na preparação para Tóquio 2020, seus resultados são medianos como eram os de antes do Rio 2016) estava em viés de alta naquele agosto de temperatura amena na noite carioca. A soberba tisnou Lavillenie.

Sabe as celebridades do esporte que lidam com as câmeras? Que sabem o instante em que estão sendo filmadas? O francês não perde uma chance de mostrar que é o cara.

O brasileiro cavara lugar na final como azarão. Aí Lavillenie salta 15m98cm, novo recorde olímpico. Sorri o sorriso do "eu sabia". O telão mostra. Então, a loucura. Em vez de erguer o sarrafo até a altura do francês, como de praxe, para depois subir mais e mais, Thiago surpreende o mundo e arrisca uma insanidade: 6m03cm. Sabe quantas vezes ele tinha superado essa marca na vida? Nenhuma. Na primeira tentativa, erro. Não vai dar, pensamos eu e milhares de pessoas no Engenhão. Pois não é que deu? De desconhecido em um país monoesportivo a herói improvável, Thiago Braz arremessa o corpo como se fosse tocar o céu, curva- se feito uma enguia perto do sarrafo e, incrivelmente, ultrapassa-o com sobras.

O Engenhão vem abaixo. Parecia gol do Flamengo. Lavillenie tem duas tentativas para superar a façanha do nativo que desdenhara dias antes. Só que a torcida brasileira não é como na Diamond League, que faz silêncio para os atletas se concentrarem. O francês toma uma vaia lendária. Reclama antes do primeiro salto. Thiago, constrangido, pede calma. Não é atendido, claro. Lavillenie falha medonhamente. Ouro para o Brasil no salto com vara, a quinta medalha dourada do nosso atletismo na história olímpica. Na coletiva, o vice-campeão lembrou os Jogos de 1936, quando os nazistas vaiaram o negro fantástico Jesse Owens. Teve de pedir desculpas no dia seguinte pela comparação estapafúrdia.

É por isso que Lavillenie deve estar tendo pesadelos com Armand Duplantis. O sueco-americano é um fenômeno, candidato a superar Bubka na modalidade. Aos 21 anos (Thiago tinha 22 anos em 2016) já é o recordista mundial: 6m18cm. É filho de atletas. Chegou a jogar beisebol com o irmão, mas seguiu os passos do pai, Greg, hoje seu técnico. A mãe, Helena, conheceu Greg em competições. Ela era heptatleta.

Mondo (guarde esse apelido) começou no salto com vara aos quatro anos. Quantas crianças no planeta brincam de salto com vara ainda sem andar com todo o equilíbrio, a não ser os prodígios? Mozart tocava piano e violino aos quatro anos, quando compôs a primeira peça.

Desde o título mundial juvenil em 2015, na Colômbia, Mondo vem acomodando medalhas no peito e recordes no placar.

Mas a passagem da base para o profissional, para usar uma imagem do futebol, é sempre complexa. Muitos morrem na casca. Duplantis, não. Já na sua primeira vez no Mundial adulto, em 2019, ganhou prata. No ano seguinte, 2020, pulverizou o recorde indoor de Lavillenie.

Uma semana depois, bateu o próprio recorde. Na sequência, em setembro do ano passado, fez o maior salto em estádio aberto desde Bubka em 1994, 26 anos depois da lenda ucracniana, ao voar até 6m15cm.

Para se ter ideia de como Duplantis é considerado um fenômeno capaz de fazer história na modalidade, tipo Usain Bolt nos 100m e 200m.

O Daily Telegraph, famoso diário inglês, investigou suas origens em ampla reportagem. O título é " A história de Armand Duplantis – Como uma criança prodígio se transformou em recordista mundial do salto com vara".

Para completar, tem pinta de galã. Já é garoto propaganda de várias marcas, falando inglês e sueco. Não vai demorar para alguém escrever biografia dele, podem apostar. Uma biografia precoce que tem chance de constar, logo na primeira frase, com o ouro em Tóquio.

Para desespero de Renaud Lavillenie, que vê o drama de 2016 se desenhando outra vez.

Esse é o roteiro, a menos que Thiago Braz opere milagre de novo. Será? Não creio.

Enfim. Armand "Mondo" Duplantis. Você vai ouvir falar nesse nome por muito tempo, isso é certo.