Uma estrutura mais resistente do que as pirâmides do Egito. Assim os engenheiros da Marinha se referem ao dique que será construído no complexo naval de Itaguaí para a manutenção do submarino nuclear e carregamento e substituição do combustível atômico. É que as exigências são muito mais complexas do que a infraestrutura para a fabricação do Riachuelo. As seções de casco das outras duas embarcações convencionais, o Humaitá e o Tonelero, já ganharam forma no complexo da Nuclep. O quarto se chamará Augostura.
No caso do nuclear, previsto para 2029, o dique deve ser construído sobre rocha sólida, escavado a 40 metros de profundidade, com capacidade para resistir a furacões, terremotos e tsunamis.
— É quase indestrutível, é um patrimônio que a Marinha vai entregar para a civilização pelo resto da existência — orgulha-se o contra-almirante Celso Mizutani Koga, engenheiro naval e gerente do empreendimento modular de obtenção de submarinos.
A escolha de Itaguaí, município de quase 126 mil habitantes, como toca dos submarinos brasileiros — os atuais têm como base Niterói — responde a uma posição geográfica estratégica. O Rio fica no centro da costa brasileira, o que facilita os deslocamentos de patrulha e a cobertura da força de submarinos a Norte e a Sul. Cortada pela BR-101 — Rio-Santos, Itaguaí está localizada entre a capital fluminense e São Paulo, dois polos de mão de obra. O local está a cerca de 35 quilômetros da Base Aérea de Santa Cruz, que opera os caças F-5 e AMX A1.
— Vai ser área estratégica na América do Sul, primeiro lugar se o Brasil entrar em guerra com alguém é o que cara vai querer bombardear — diz o contra-almirante.
A tecnologia que alimentará o submarino nuclear, batizado de Almirante Alvaro Alberto, é desenvolvida no Centro Experimental de Aramar, em Iperó (SP), e tem benefícios também civis: o reator multipropósito, que deve entrar em testes em 2021, vai produzir radioisótopos para a fabricação de medicamentos usados no tratamento de doenças nas áreas de cardiologia, oncologia, hematologia e neurologia. O programa brasileiro passa por verificações de inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
O Brasil passou a dominar o ciclo completo do combustível, do enriquecimento do urânio e a transformação em pastilha para propulsão. Ou seja, se desejasse hoje usar essa tecnologia para fabricar bombas atômicas teria capacidade. Entretanto, a Marinha garante que essa opção está descartada: o país é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e a Constituição de 1988 proíbe o desenvolvimento desse tipo de arsenal. Logo, o submarino terá propulsão nuclear, mas não carregará armas atômicas.
Programa virou alvo da Lava-Jato
Além de cortes, o programa passou por polêmicas. Em 2016, virou alvo da Lava-Jato, com suspeitas de desvios de R$ 17 milhões. A Odebrecht é uma das empresas que formam, com o grupo francês Naval Group, e a Marinha, a joint-venture chamada Itaguaí Construções Navais (ICN). Investigações conduzidas pela Procuradoria da República no Distrito Federal encontraram indícios de superfaturamento de ao menos R$ 2,8 bilhões no Prosub. A Marinha afirma desconhecer "qualquer irregularidade nos contratos do Prosub" e que os "trabalhos não sofreram influência das denúncias". A Odebrecht e o comando dizem que a obra é acompanhada pelo Tribunal de Contas da União, com assessoria da Fundação Getulio Vargas. Em 2016, um dos pais do programa nuclear brasileiro, o almirante Othon Luiz da Silva, chegou a ser preso acusado de receber propina na construção da usina de Angra 3.
A mudança de governo provoca incertezas sobre o futuro dos investimentos, mas a nomeação, na sexta-feira (30), do almirante Bento Costa Lima como futuro ministro de Minas e Energia é indicativo de que o programa ganhará fôlego. O militar é um dos mentores do Prosub e atual diretor de desenvolvimento nuclear e tecnológico.
O projeto gastou até agora cerca de R$ 16 bilhões. Quantia equivalente está prevista até que o submarino nuclear seja lançado ao mar. O professor Eduardo Munhoz Svartaman, do Programa de PósGraduação em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS, avalia com ceticismo a previsão de conclusão do programa, em especial por conta da emenda constitucional do teto de gastos públicos:
— Além disso, o submarino nuclear é mais complexo e enfrenta mais restrições do que os convencionais. Não sabemos se os EUA irão cooperar. Que incentivo teriam para ajudar o Brasil a ter submarino nuclear?