Leandra Vitória Franco Rossales da Silva, 25 anos, sonhava em um dia conseguir construir uma casa própria para viver com o filho. Aos cinco anos, o menino ficou órfão de mãe. A jovem foi vítima de feminicídio em agosto, no dia do aniversário em Pelotas, no sul do Estado. Atingida por um disparo de arma de fogo no peito, ela ainda teve o corpo carbonizado num matagal na área rural do município. O então namorado dela, Lucas Loi Potenza, 27, preso no mesmo dia, foi denunciado e se tornou réu pelo assassinato.
Havia cerca de um mês que Vitória, como era chamada, tinha se mudado com o filho para a localidade de Colônia Santa Áurea. Ali, passou a viver numa residência com o namorado, no mesmo terreno onde moravam os pais dele João Luiz Potenza, 70, e Maria de Lurdes Loi Potenza, 72. O último contato de Leandra com as irmãs foi em 21 de agosto, quando prometeu que no dia seguinte visitaria a família para comemorar seu aniversário. Mas isso não chegou a acontecer.
No início da manhã da terça-feira, dia 22 de agosto, o namorado de Vitória apareceu na casa de familiares dela. Levava o filho da jovem e os pertences dela. Alegou que a mulher havia saído de casa durante a madrugada, após uma discussão, e desaparecido. A história não convenceu os parentes dela e a Brigada Militar foi acionada.
Nas proximidades do local onde o casal vivia, na área rural, policiais militares encontraram o corpo de Vitória, carbonizado. Potenza foi preso em flagrante no mesmo dia pelo feminicídio e optou por ficar em silêncio.
A família suspeita de que Vitória já estivesse sofrendo violência doméstica, mas não conseguia pedir ajuda. O relacionamento do casal era recente – fazia cerca de três meses que eles estavam namorando. Um dia antes de ser morta, segundo a família, a jovem teria chegado a colocar o filho dentro de um carro e tentado sair da localidade, mas não conseguiu escapar e acabou batendo o veículo.
Ocultação de cadáver
Os pais de Potenza também chegaram a ser detidos, isso porque havia suspeita de que eles tinham ajudado a carbonizar o cadáver de Vitória. A investigação da Polícia Civil apontou que a jovem foi morta com um tiro de revólver no peito e depois teve o corpo levado num trator até um matagal. Ali, foi ateado corpo à vítima. João e Maria de Lurdes foram libertados após pagamento de fiança e passaram a responder em liberdade.
O Ministério Público denunciou Potenza por homicídio qualificado, por motivo fútil, mediante recurso que dificultou a defesa da vítima e pelo feminicídio. Além disso, ele responde pela destruição parcial do corpo e ocultação do cadáver. Os pais do réu foram denunciados por ocultação de cadáver. A mãe ainda foi acusada de outro crime, o favorecimento real, por ter tentando esconder a arma usada pelo filho, um revólver de calibre 32.
No caso dos pais, no entanto, foi concedido um benefício legal chamado de "suspensão condicional do processo". Em audiência na última terça-feira (26), foi aceita a proposta do MP. Pelo prazo de três anos, os dois terão que cumprir medidas, como proibição de se ausentarem do município de residência por mais de 15 dias sem prévia autorização judicial, comparecimento trimestral em juízo, além de pagamento de dois salários mínimo por réu.
A decisão causou revolta entre os familiares de Vitória, que chegaram a realizar um protesto no início de setembro.
— A família não pôde se despedir, abraçar, beijar. Isso também é um crime — diz a irmã de Vitória, Mariza Franco Rossales da Silva, 26 anos.
— Para mim isso não basta. Eles colocaram fogo no corpo da minha filha, depois trocaram de lugar e queimaram de novo. É isso que quero que a justiça enxergue — desabafa a mãe de Vitória, Maiza Franco da Silva, 47 anos.
A primeira audiência do caso, onde devem começar a ser ouvidas as testemunhas, está agendada para o dia 10 de outubro.
"Ela amava ser mãe", diz irmã da vítima
A família de Vitória se apega nas lembranças e nos registros deixados, como as fotografias tiradas com o filho. Uma das imagens mostra a mãe abraçada ao menino na comemoração do aniversário dele. O garoto de cinco anos está sob a responsabilidade dos familiares.
— A nossa família está muito abalada. Minha mãe e meu sobrinho passando por tratamento com psicólogo e psiquiatra. O direito da minha irmã de viver foi tirado, o do meu sobrinho de ter uma mãe e da minha mãe de ter a filha dela — desabafa Mariza.
A jovem recorda que a irmã era o tipo de mãe que não costumava desgrudar do filho. Foi isso, inclusive, que chamou a atenção quando Potenza chegou à casa de familiares de Vitória na manhã após o crime, alegando que a namorada havia desaparecido. A família não acreditou que ela pudesse ter ido embora, deixando o filho para trás.
— Está difícil. Ele sente muita falta dela. Estamos dando muito carinho e amor para ele. Ela não largava dele. Ela amava ser mãe. Vamos lutar por ela e para que não aconteça com outras crianças e outras mulheres — diz Mariza.
A família pretende realizar novo protesto nos próximos dias em Pelotas.
— O crime do Lucas foi muito bárbaro, teve muita violência, muita agressividade. Não pensou na Vitória, nem familiares dela que ficariam. Deixou um filho sem mãe. E isso é algo que a gente não pode deixar impune. Vamos buscar que ele seja condenado por todos os crimes que cometeu — afirma a advogada criminalista Valéria Amorim Figueira, que representa a família de Vitória no caso como assistente de acusação.
Contraponto
O advogado Konstantin Knebel, um dos responsáveis por representar Lucas Loi Potenza e os pais dele, informou que a defesa prefere não se manifestar neste momento sobre o caso.
Prevenção ao feminicídio
- Se estiver sofrendo violência psicológica, moral ou mesmo física, busque ajuda imediatamente. Não espere a violência evoluir. Converse com familiares, procure unidades de saúde, centros de referência da mulher ou a polícia. É possível acessar a Delegacia Online da Mulher
- Caso saiba que alguma mulher está sofrendo violência doméstica, avise a polícia. No caso da lesão corporal, independe da vontade da vítima registrar contra o agressor, dado a gravidade desse tipo de crime
- Se estiver em risco, procure um local seguro. Em Porto Alegre, por exemplo, há três casas aptas a receberem mulheres vítimas de violência doméstica
- Siga todas as orientações repassadas pela polícia ou pelo órgão onde buscar ajuda (Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário)
- No caso da lesão corporal, o exame pericial para comprovar as agressões é essencial para dar seguimento ao processo criminal contra o agressor. Procure realizar o procedimento o mais rápido possível
- Caso passe por atendimento em alguma unidade de saúde, é possível solicitar um atestado médico que descreva as lesões provocadas
- Reúna todas as provas que tiver contra o agressor, como prints de conversas no telefone. No caso das mensagens, é importante que apareça a data do recebimento
- Se tiver medida protetiva, mantenha consigo os contatos principais para pedir ajuda. A Brigada Militar mantém em pelo menos 114 municípios unidades da Patrulha Maria da Penha que fiscalizam o cumprimento da medida
- Se tiver medida protetiva e o agressor descumprir, comunique a polícia. É possível acionar a Brigada Militar, pelo 190, ou mesmo registrar o descumprimento por meio da Delegacia Online. Descumprimento de medida pode levar o agressor à prisão
Fonte: Polícia Civil e Poder Judiciário do RS
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone - 190
- Horário - 24 horas
- Serviço - atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço - Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há 23 DPs especializadas no Estado
- Telefone - (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário - 24 horas
- Serviço - registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento (abrigamentos, centros de referência, perícias, Defensoria Pública, entre outros serviços)