Em uma região que deveria passar por revitalização, o Quarto Distrito, moradores e empresários são testemunhas oculares do nascimento de um problema social e da sua rápida proliferação. Em um terreno ocioso pertencente à prefeitura de Porto Alegre, às margens da Rua Voluntários da Pátria, o que eram sete casebres em 13 dias se tornaram 14. Outros estão em construção. E, assim, o que deveria ser uma obra da Copa de 2014 vai se tornando uma ocupação que cresce mais rapidamente do que a capacidade do poder público de conter o problema.
O terreno no bairro São Geraldo, entre as avenidas Brasil e Cairú, foi desapropriado pela prefeitura para a obra de duplicação da Voluntários. Segundo moradores da região, à mesma medida que o projeto estacionou por falta de recursos, o terreno baldio começou a atrair os primeiros casebres.
– No início, observávamos o local sendo usado para descarte irregular de lixo e pessoas usando o terreno para fazer triagem desse material, aparentemente para reciclagem. À noite, pareciam ser poucos os que ficavam ali – conta Luciana Borba, funcionária da Associação das Empresas dos Bairros Humaitá e Navegantes, que representa cerca de 60 empresas da região.
Porém, nos últimos meses, o terreno começou a ganhar ares de ocupação para moradia. Há menos lixo, vielas, casebres em expansão e ligações irregulares de energia elétrica no poste à frente do local. A movimentação levou os moradores do bairro a, no início do ano, abrirem um processo na prefeitura, junto à Procuradoria de Patrimônio e Domínio Público.
Segundo a procuradora-chefe, Cristiane Catarina Fagundes de Oliveira, há uma ordem judicial de reintegração de posse expedida, a notificação do oficial de Justiça já aconteceu e o terreno deve ser retomado pela prefeitura nos próximos dias. Há suspeitas de que a área tenha sido loteada e revendida irregularmente.
– O curioso é que, conforme a notícia da reintegração se espalhou, o movimento ali se intensificou em vez de diminuir – observa Luciana.
Fotos da movimentação no terreno começaram a ser compartilhadas entre moradores do bairro.
GaúchaZH esteve no local na última quarta-feira. Havia Kombis com sucata e algumas famílias. Uma mulher topou conversar com a reportagem em nome do grupo, mas sem se identificar. Confirmou que se tratava de uma ocupação e disse que morava ali havia dois meses. Uma foto aérea feita nessa semana comparada à outra de moradores, datada de 20 de julho, mostra que o número de casebres de madeira dobrou e que há outros em construção.
– É lamentável. Quanto mais demora para a administração municipal tomar uma atitude, mais traumática terá de ser a ação – opina o empresário Luiz Carlos Camargo, presidente da associação.
Empreendedores temem por futuro da região
Enquanto isso, quem mora e trabalha na região não esconde a preocupação sobre a revitalização do Quarto Distrito. O empresário Caio de Santi, por exemplo, diz ter aberto a cervejaria 4Beer na Avenida Polônia, há dois anos e meio, na expectativa de acompanhar de perto o desenvolvimento da região:
– A gente se frustra um pouco porque a região tem muito potencial, o movimento do bar está legal. Só falta mesmo as autoridades fazerem a parte delas.
Síndica do Rossi Fiateci, condomínio vizinho à ocupação, Caroline Rech lamenta pelo futuro incerto do bairro. Com o atraso na duplicação da Voluntários e a crise econômica, a construtora do condomínio desistiu de construir um shopping no terreno vizinho, onde funcionava a antiga fábrica de cobertores Fiateci. Apenas um vigia toma conta do prédio abandonado. Do outro lado da rua, há outra área da prefeitura tomada por mato. A associação dos bairros já protocolou uma segunda ação a respeito deste.
– Esses dias o condomínio todo foi tomado por fumaça. Começou um auê achando que havia um incêndio no térreo. Fomos descobrir que era um pessoal derretendo fios de cobre furtados no terreno em frente – diz Caroline.
Contando com a desapropriação próxima, a associação negociou com a prefeitura autorização para uma empresa murar e usar provisoriamente o terreno. Até que a prefeitura retome a duplicação da Voluntários, ele será usado pela empresa Palmares como garagem de ônibus. Ironicamente, o mesmo uso de antes da desapropriação.