Horas antes de viajar com a delegação para Belo Horizonte, onde o Inter enfrentará o Atlético-MG às 21h deste sábado, pela sexta rodada do Brasileirão, o presidente colorado, Alessandro Barcellos, recebeu a reportagem de GZH.
Na conversa, que durou quase uma hora e meia, o dirigente demonstrou duas preocupações especiais: valorizar o trabalho de Mano Menezes e defender sua gestão — especialmente na redução das dívidas.
Mas a entrevista foi além. Ele falou também sobre a situação de Mauricio, a mudança na preparação física e a busca por reforços. A seguir estão os principais trechos.
Por que o Inter do primeiro semestre de 2023 não é o mesmo do segundo semestre de 2022?
O Inter de 2023 não conseguiu performar ainda como em 2022, mesmo tendo a amostra boa do ano passado. É isso o que estamos perseguindo. As situações são um pouco diferentes. Talvez não tenhamos falado o suficiente sobre isso. Jogamos o segundo semestre com mais espaçamento, porque só tínhamos uma competição. Infelizmente, porque nosso objetivo era outro. Mas nos deu uma condição de trabalho melhor pelo calendário. Na virada do ano, mudou. E tínhamos a expectativa mais alta, os adversários nos enxergaram como alguém mais forte. Mas não estamos conseguindo traduzir isso no campo. Fizemos boas etapas de jogos, alguns no primeiro, outros no segundo, e isso tem a ver com a preparação física. Mas não é só uma questão que responde essa pergunta, é um conjunto. Trabalhamos para voltar a performar como em 2022.
Como resolver?
Esses momentos de oscilações são comuns no futebol brasileiro. Nem sempre as soluções ortodoxas dão certo. Pelo contrário. Lembro da angústia que passaram os dirigentes do Fortaleza por estarem na zona de rebaixamento. Mas mantiveram o trabalho e hoje estão aí. Fernando Diniz também foi vaiado e vejam o que está acontecendo. Luís Castro é outro. Isso mostra a importância de ter convicção no trabalho e enxergar que há, no grupo, qualidade. Nós temos um grupo de qualidade, que pode competir e buscar conquistas. Óbvio, analisando que Flamengo e Palmeiras gastam mais do que o dobro do que o Inter, uma diferença muito grande, que aumenta especialmente nos pontos corridos. Mas não impede que um time efetivo possa buscar. Nos últimos três anos, fomos vice em dois.
Está pesando a condição financeira no desempenho?
As condições colocadas fazem parte do contexto do clube, de redução de custos, adequação à nova realidade, um clube que tem R$ 600 milhões de dívidas, que paga R$ 70 milhões de dívidas por ano, o que afeta 80% do nosso gasto em futebol. Nunca quisemos sair desses limites, porque queremos nos preparar para o futuro. É difícil transmitir toda hora isso para o torcedor. A comissão técnica do Inter está dentro desse contexto. Estamos vivendo o dia a dia e observando. Claro que não é algo permanente. Se sentimos que não vai evoluir, tomamos decisão. Mas hoje temos certeza de que isso é possível. O futebol brasileiro tem esse imediatismo, e isso influencia no ânimo do torcedor, o que acaba se refletindo nos jogadores. Tenho certeza de que é possível retomar o futebol de 2022.
Mano vai ser o técnico até o final do mandato?
É o nosso planejamento, é o nosso contrato. É fundamental que os treinadores criem identidade com o clube. Times vencedores tiveram isso. Abel Braga, no Inter, entrou e saiu várias vezes. Criou identidade e foi vencedor. Abel Ferreira tem isso no Palmeiras, Fernando Diniz está fazendo no Fluminense. Quando entra na roda viva de trocar a cada dois, três resultados que não dão certo, o clima de desconfiança no trabalho do técnico é gigante. Por isso existem as multas rescisórias tão altas. O treinador tem de compreender o projeto. Vemos alguns técnicos que não compreendem e criam um problema.
Com Mano não é assim?
Nosso técnico compreendeu o momento do clube, as dificuldades. Isso é importante para enfrentar os momentos de dificuldade. Mas assim como o planejamento de uma empresa, o de futebol também é revisto e precisa de correção. Nesse primeiro semestre temos dois objetivos principais: avançar na Copa do Brasil e na Libertadores. Ao mesmo tempo pontuar no Campeonato Brasileiro. Em maio, vão ser nove jogos em 30 dias. No último jogo, os cinco jogadores que entraram tinham menos de 21 anos. Isso também faz parte da filosofia de trabalho discutida com a comissão técnica, de preparar a equipe para a frente. Estamos tentando fazer o melhor no curto e médio prazo, mas olhando para o futuro.
Como funciona a cobrança a Mano Menezes?
Ele participa do processo. Tem uma transparência desde que ele chegou. Sabe o objetivo que a gente tem, o que queremos, o momento que o clube vive, os limites. Pensa dentro disso. Inclusive defende nas entrevistas, muitas vezes falando por nós. Estamos muito alinhados em relação a isso. Dificilmente terá sucesso se não tiver sua comissão técnica como o clube pensa. Não temos nenhum problema em sermos responsabilizados, é um trabalho feito em equipe. Temos um método desde o planejamento do elenco construído junto com o treinador.
Ele compreende, portanto, essa dificuldade?
Percebo no Mano, diferentemente de outros treinadores, uma preocupação além da carreira dele, mas também com a sustentabilidade dos clubes. Alguns treinadores querem resolver apenas seus problemas, Mano consegue entender, dentro das experiência que ele viveu de grandes euforias com o que aconteceu depois, e consegue nos ajudar a enxergar o futuro do clube. Acho um ponto importante que o torcedor precisa saber porque estamos trabalhando pelo futuro do Inter.
Por que o Inter mudou o preparador físico?
Em 2022, com a saída do Flávio (de Oliveira) por opção dele, fomos ao mercado e encontramos o Jean (Carlo Lourenço), avaliado pelo departamento e com muitas qualidades. Fomos adaptando o perfil do nosso grupo e das competições às necessidades do trabalho. Isso foi permanentemente ajustado com a coordenação e com a comissão técnica. Mas chegou um momento em que era necessário algo mais, que o que estávamos fazendo não era suficiente para enfrentar uma temporada ainda mais pesada. E, como sempre aqui no Inter, preferimos cortar o mal pela raiz. Então preferimos assumir que erramos em algum momento do que prejudicar o clube.
De que forma poderia prejudicar?
Não deixamos jogadores aqui gerando conta impagável, que não são dessa gestão. Só no ano passado, foram R$ 40 milhões gastos só para ex-funcionários. Vamos pagar todos os treinadores que erramos, como estamos pagando técnico de gestão anterior. Podem falar que erramos, mas é melhor para o clube admitirmos e trocarmos, do que deixarmos, por vaidade ou ego. Achamos que era o melhor momento.
Como fica a partir de agora?
Antonio Carlos Fedato Filho vai coordenar essa relação entre saúde e performance. Ele trabalhou com o Mano, mas não foi indicação dele. Foi uma escolha do clube.
Flávio de Oliveira pode voltar?
Não fizemos contato com o Flávio, gostamos desse profissional, mas não tem avanço. Também não sei nem as condições de trabalho, até porque saiu daqui e alegou uma questão familiar. Isso está a cargo do departamento de futebol.
Como tem sido o trabalho com o psicólogo José Aníbal?
É necessário que o mental esteja elevado, ainda mais quando muda a fotografia, que precisa criar identidade com o clube, e isso não é de um dia para o outro. Isso ajuda em uma caminhada longa. Tivemos a felicidade de buscar um profissional que já tem trabalho realizado no futebol, portanto já conhece esse ambiente. Ele tem técnicas importantes, está em diagnóstico coletivo e depois terá diagnóstico individual. Isso vai ser uma ferramenta de gestão para tirarmos o melhor comportamento. E está sendo muito bem aceito por todos, os jogadores foram informados, com limites e o escopo, nada mais do que a parte profissional, que interessa ao clube. Estamos vendo de forma muito positiva esse início de trabalho.
Mauricio foi citado na investigação sobre manipulação de resultados, mesmo que não tenha nada indicando participação. O que apresentou como defesa?
Temos de cuidar muito, vão surgir nomes que não tiveram relação, como o caso do Mauricio, pelo que tivemos de informações. Ele nos mostrou as conversas, e, de forma muito ética, rejeita a oferta. Diz que é crime e que não contassem com ele. Isso mostra o caráter do atleta no episódio. Acho que muita coisa vai surgir. Estamos falando de setembro do ano passado. Provavelmente não pararam de fazer isso, mesmo enquanto as investigações ocorriam. Precisamos estar atentos para evitar injustiças e também para as coisas sérias que estamos vendo e que precisam ser punidas muito fortemente. É inadmissível que se descredibilize uma indústria tão importante como o futebol. Os clubes têm de apoiar isso.
Mesmo assim, ficou de fora do jogo com o Athletico-PR, o que foi um prejuízo.
Mauricio passou o dia tratando do assunto. O foco para o jogo não seria o mesmo. Trouxe um prejuízo momentâneo. Mas está reintegrado ao grupo, vai viajar. Vamos estar preparados porque essa investigação vai puxar muita coisa e outros segmentos do futebol podem estar afetados. A entrada da Polícia Federal dá mais peso. É um excelente trabalho feito em Goiânia, e quero elogiar o presidente do Vila Nova, que apresentou ao Ministério Público as primeiras denúncias, e agora ganha o Brasil. As chances de depuração são ainda maiores.
Ele já tinha falado sobre isso antes? Ou só mostrou depois do vazamento?
Como ele tinha negado, não tinha porque mostrar. Fizemos um trabalho preventivo sobre o tema e confeccionamos um documento que todos assinaram, mesmo antes de tudo vir à tona. Eles se responsabilizam por essas questões. Era importante para todos saberem que todos eram muito sérios.
A informação de que Valencia vai jogar no Inter, agora, saiu na imprensa turca. Procede?
Esse é um assunto recorrente desde o início do ano. Não podemos falar nada a mais do que existe hoje: não existe uma relação. O Enner Valencia é um jogador que a gente monitora, é um atleta importante, mas a gente só vai poder falar disso quando tivermos uma condição que o atleta nos permita, estar sem contrato. Hoje ele está no Fenerbahçe. Respeitamos isso. Não podemos e nem vamos fazer outra afirmação que não seja essa. Gostaríamos muito de contar com atleta deste nível. Esse é o nosso trabalho aqui de buscar.
Seria um investimento grande.
Dentro do momento que vivemos, trabalhamos com alternativas que não onerassem o clube em termos de investimentos porque não temos esses recursos. Quisera termos em janeiro para termos conseguido trazermos outros jogadores que tínhamos interesse e não conseguimos. Foi assim com Bustos, Vitão, Mercado, Renê, De Pena, Luiz Adriano, Aránguiz, Campanharo e Wanderson, todos vieram livres, só depois investimos em Wanderson, que estava emprestado. Você fazer futebol sem investimento é quase impossível.
E as saídas?
Aqueles que consideramos que não se adaptaram ou precisaram de outros ares, trabalhamos com a situação de monetizar. Palacios conseguimos repassar para o Vasco e praticamente equilibramos o investimento com o repasse. David recuperamos parte deste recurso. Cuesta foi vendido. Braian Romero veio, não encaixou e rapidamente fizemos um negócio com o México para recuperar. Bruno Gomes, também grátis, e fizemos uma venda importante para o Coritiba. Mário Fernandes e Mikael, que não deram certo, rapidamente fizemos operações.
Como proceder nesses casos?
São exemplos importantes que se encaixam na dificuldade de montar um grupo à altura do que queremos sem os recursos que não temos. Isso também tem que ser valorizado e entendido pelo torcedor. Essa oportunidade de falar aqui também é sobre isso. Da luta que a gente tem, a falta de recurso. Poderíamos buscar alternativas? Poderíamos. Financiamento e avais tem no mercado e todos estão fazendo. Isso vai estourar lá na frente, mas aqui não vai. Reduzindo endividamento, talvez na frente tenhamos capacidade de endividamentos novos com muito mais eficiência. Mas não será pagando contas que estamos pagando de gente que ficou cinco anos aqui dentro e não chutou uma bola ao gol. Isso não vamos fazer.
Jogadores especiais podem receber salários especiais?
Não vamos jamais romper com aquilo que nos programamos. A reformulação que fizemos foi com objetivo para abrir espaço para você ter jogadores com um nível um pouco mais alto salarial dentro do orçamento total. E não ultrapassar esse orçamento. Isso foi a reformulação que fizemos. Existiam muitas distorções salariais que não condiziam com a performance no campo. Hoje existe um equilíbrio de folha salarial que nos permite colocar jogadores com salário um pouco mais alto, que não desponte dos demais. Também buscamos parceiros, temos parceiros que vão nos ajudar na manutenção desta folha.
Como será essa parceria?
Digo em relação ao marketing. A EstrelaBet tem a previsão de aquisição de atletas. Não são valores astronômicos, mas nos ajudam neste aspecto. Fechamos um contrato esse ano de publicidade que aumentou em três vezes o valor anual que recebíamos. Temos de ter novas entregas. Aumentamos no marketing de R$ 39 milhões em 2020 para R$ 59 milhões em 2022. Tivemos saídas importantes que ajudaram a abrir espaço. Em 2022, tivemos a maior receita bruta da história do Inter, R$ 466 milhões. Isso é um passo importante para um clube que precisa melhorar as suas receitas. Tivemos, em vendas de atletas, em 2021, R$ 88 milhões, em 2022, R$ 172 milhões. Temos perspectiva de aumentar ainda mais a receita. Trabalhando com esse conceito de receita e redução de custo você vai conseguir diminuir a dívida.
Quantos jogadores são necessários ainda no time?
Temos um grupo competitivo, e acreditamos que alguns jogadores ainda vão crescer, como Luiz Adriano e Campanharo. Eles vieram da Turquia, em final de temporada. Vão crescer. Não vamos dar um número específico, trabalhamos com a ideia que não paramos, para que, quando a janela abrir, consigamos fazer alguma coisa mais forte e termos dois ou três jogadores de um pouco mais de peso para nos ajudar. Tem situações que precisamos resolver como a do Vitão, que ainda não foi resolvida, tudo dentro de uma realidade financeira. Não temos recursos suficientes para fazermos grandes investimentos.
Como está a situação de Aránguiz?
É um jogador importante, que ainda não estreou, a proposta dele era para vir em julho, conseguimos antecipar, está reagindo bem. E valeu o esforço. Já demonstra que valeu a pena ter vindo. Já fez trabalho com o grupo. Isso mostra que acertamos na tentativa de demover o clube alemão. É um reforço importante nessa conta que eu falei.
É possível contratar Cuellar?
Cuellar tem contrato até 2024. Não está livre nem pode assinar pré-contrato. Tem situação que já vimos lá atrás de transferban e o Al-Hilal não quer liberar. São variáveis que compõem esse atleta. Não existe nenhum avanço. Estavam disputando agora a semifinal da Champions da Ásia, estão disputando a Copa da Arábia. Se alguma novidade existir, vai ser mais à frente.
Onde entra o CAPA nessa situação?
Cuellar não é um jogador que precisa do CAPA para buscar. O CAPA entra nisso atualizando se o jogador é aquele que já vimos. Pedimos os últimos jogos e histórico. Olha a movimentação. Foi assim com Aránguiz. As referências foram positivas do último período de Bayer, inclusive, na mudança de posição, onde iria jogar. Em jogadores conhecidos o CAPA entra para avaliar como o jogador está hoje.
O senhor falou sobre redução das dívidas. É possível dizer o quanto diminuíram?
Comparando com 2019 e usando o menor indíce de correção (IPCA) tivemos uma redução de custos de R$ 34,5 milhões com futebol. Se pegarmos despesas do clube, gastamos R$ 34 milhões a menos. No total, R$ 69 milhões a menos de 2019 com 2022. No futebol, tínhamos uma folha de R$ 10 milhões por ano pagando jogadores para atuarem em outros clubes. Agora, não chega a R$ 500 mil por ano. Temos executivos em todas as áreas preparando o clube para um novo momento. Se a gente não profissionalizar, não vamos competir e seremos atropelados.