Era 2003 quando, de um dia para o outro, tudo mudou para mim na escola.
Eu era uma estudante da oitava série e era branca, magra, de classe média, não usava óculos e não tinha deficiências. Portanto, imune ao bullying, certo? Que nada: o pecado de quem sofre bullying é existir.
Os ataques começaram direcionados a uma colega. Ao defendê-la, me tornei o alvo. Levava bolinhas de papel com errorex nas costas e no cabelo, era ofendida e vi minhas amigas, gradualmente, se afastando de mim, para não voltarem a ser foco das agressões.
Apesar de todo o acolhimento e esforço da minha família, a escola (particular) foi omissa e não soube lidar com a situação. O resultado foi a minha exclusão naquele contexto social e sentimentos de deslocamento e solidão que me levaram a sair daquele colégio no ano seguinte e a enfrentar traumas que, depois, demoraram a passar.
A minha história não é diferente da vivida por milhares de crianças e adolescentes brasileiros todos os anos. Durante a apuração para esta reportagem, se evidenciou que, hoje, há uma compreensão muito maior do que há 20 anos, por parte de poder público, instituições de ensino, famílias e alunos, sobre a destruição deixada por onde o bullying – e, mais recentemente, o cyberbullying – passa.
A criação de leis específicas sobre o assunto nos últimos 15 anos impulsionou um amadurecimento dessa pauta entre a população brasileira, favorecido, também, pela naturalização dos debates sobre questões de saúde mental e o tratamento do tema pela mídia. Em uma sociedade na qual o individual impera sobre o coletivo, a orientação de psicólogos, diretores e orientadores educacionais é clara: para combater esse tipo de violência, é fundamental reforçar o senso de comunidade, de forma a famílias e educadores conhecerem bem o comportamento de cada estudante – só assim perceberão se sua atitude mudar, o que pode ser sinal de bullying.
Hoje, se não é consenso, já tem maioria a percepção de que falar de bullying não é “mimimi”. No entanto, a prática dessa violência ainda é frequente: foi identificada por mais de um terço dos diretores de escolas no Brasil e por quase metade dos gestores de instituições gaúchas em 2021, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023. Resta torcer para que novas medidas, como a nova tipificação penal desse tipo de agressão, evitem que outras Isabellas (e Júlias, e Lucas, e Antônios) tenham lembranças ruins de um lugar que deveria ser só bom.