O Papai Noel missioneiro voltou para casa. Depois de décadas sem uma imagem do padroeiro para reverenciar, os moradores de São Nicolau, município da região das Missões, a 561 quilômetros de Porto Alegre, receberão uma imagem do santo esculpida no tempo das reduções jesuíticas, há cerca de 300 anos. A escultura feita em cedro, com 95 centímetros de altura e pouco mais de 20 quilos, havia sido roubada da Igreja Matriz da cidade na década de 1960.
— Isso renova nossa fé e nossa esperança. Há uma mística entre a população de que a cidade só teria progresso com a volta da imagem do padroeiro — conta o prefeito Ricardo Miguel Klein.
A apresentação da peça sacra aos moradores será nesta sexta-feira (22), em uma procissão, com partida do pórtico da cidade, às 19h, seguida por uma solenidade na Igreja Matriz.
O São Nicolau missioneiro foi encontrado no ano passado no Colégio Marista Santa Maria, na cidade de mesmo nome, pelo professor Edison Hüttner, coordenador do Projeto de Arte Sacra Jesuítico-Guarani da PUCRS, quando fazia mais uma incursão pelo Estado em busca dos tesouros perdidos da época das reduções. Não se tem notícias de como a imagem foi parar na instituição de ensino, mas ela teria sido abandonada antes de ser resgatada possivelmente por algum religioso.
Observando os traços da escultura, o pesquisador concluiu que a obra é de Giuseppe Brasanelli, escultor e arquiteto italiano que se converteu sacerdote e ingressou na Companhia de Jesus no início do século 18 que mantinha, por volta de 1700, um ateliê em São Borja. O manto no braço esquerdo, para acomodar uma Bíblia, não deixou dúvidas quanto à identidade do santo, que na tradição católica inspirou a figura do Papai Noel.
— É um São Nicolau feito na Redução de São Nicolau e que pertence àquela população. Notamos, inclusive, que há marcas de incêndios, que, sabe-se, ocorreram nessa região à época dos jesuítas — diz o pesquisador.
Com a consultoria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a PUCRS restaurou a peça sacra, que apresentava desgaste pela ação de cupins e até por intervenções do homem. Uma tomografia ajudou a desvendar detalhes internos da imagem. A policromia típica da arte jesuítica foi removida da escultura, possivelmente para a retirada do ouro que era agregado às peças.
Até a recuperação da escultura, a comunidade de São Nicolau tinha apenas uma pequena imagem do padroeiro feita de gesso, doada anos atrás por um fiel e deixada para devoção em um grutinha em frente à igreja. A escultura recuperada ganhará lugar de destaque no altar da paróquia e ficará sob vigilância de sistemas de segurança. Com a novidade, além das esperanças de progresso, o padre Roque André Varo também espera um incremento nos eventos religiosos da cidade — as procissões perderam força desde o furto.
— Estamos encantados. Para nós, é um presente de Natal — comemorou.
Tradição que veio com os jesuítas
No século 3, Nicolau foi coroado bispo na cidade de Mira, atual Turquia. Herdeiro de grande fortuna, decidiu por os bens a serviço dos mais pobres. Diz a lenda que, na intenção de ajudar três moças que viviam na pobreza, certa vez, na calada da noite, jogou na casa das garotas meias cheias de ouro. A história virou tradição e deu origem à mítica da noite de Natal.