Soja, a maré

dourada que

avança fortalecida

Nas pequenas, médias e grandes propriedades rurais, a maré da soja avança pelo Rio Grande do Sul com força para movimentar

R$ 45,2 bilhões na economia neste ano. São 5,2 milhões de hectares cultivados em 412 municípios de todas as regiões, de Norte a Sul.

O resultado é uma colheita recorde: quase 15 milhões de toneladas.

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a beira do asfalto, em áreas de coxilha e várzea, em solos arenosos e argilosos, nas pequenas, médias e grandes propriedades rurais. A maré da soja avança pelo Rio Grande do Sul com força para movimentar R$ 45,2 bilhões na economia somente neste ano. São mais de 5 milhões de hectares cultivados em 412 municípios de todas as regiões, de Norte a Sul. Em uma safra beneficiada por chuva bem distribuída no verão, o resultado é a perspectiva de uma colheita recorde: quase 15 milhões de toneladas.

 

A nova supersafra de soja, que consolida o grão como principal motor do agronegócio, ganhou forma com o aumento da área cultivada no ciclo atual e diante do rendimento por hectare bem acima da média histórica. Lavouras que não tiveram problema com ferrugem asiática nem sofreram com falta de chuva no fim do ciclo alcançaram produtividade média superior a 70 sacas por hectare. No último recorde, no ano passado, o índice não passou de 45 sacas por hectare.

 

– Em muitas lavouras, a média colhida ficou acima da dos Estados Unidos. Com ajuda da tecnologia, é possível chegar a patamares ainda maiores – destaca Divânia de Lima, pesquisadora da Embrapa Soja.

 

Mais importante do que o rendimento é a lucratividade tirada das lavouras. Com o dólar quase 30% mais valorizado do que há seis meses, quando a safra foi semeada e os insumos, comprados, o produtor será beneficiado na hora de vender o grão, cujo preço é baseado na cotação da moeda americana.

 

– Mesmo com estoque gigante, a soja consegue se manter valorizada. A demanda pela commodity é muito grande e continuará crescendo puxada pelo aumento do consumo de carnes no mundo – projeta Carlos Cogo, consultor em agronegócio.

A demanda pelo grão é muito grande e continuará crescendo puxada pelo aumento do consumo de carnes no mundo.

CARLOS COGO

Consultor em agronegócio

Rentabilidade é diferencial

A margem de lucro sobre o custo de produção nesta safra, de acordo com estudo da Carlos Cogo Consultoria Agroeconômica, será de 35% – o equivalente a 18,6 sacas por hectare. A rentabilidade é muito superior à dos parceiros de verão milho, arroz e feijão, o que faz a oleaginosa ser a primeira opção de plantio dos agricultores.

 

E o resultado das lavouras não se restringe aos limites da porteira. O dinheiro da produção reflete na indústria e nos serviços, desde a compra de carros e imóveis até o consumo de roupas e alimentos. A soja ocupa hoje mais da metade da área destinada a grãos no Estado e responde por praticamente a metade do volume colhido nas lavouras gaúchas ao longo do ano.

 

Na Metade Sul, por décadas caracterizada pela produção pecuária, a oleaginosa superou nesta safra, pela primeira vez, a área plantada de arroz – ocupou mais de 1 milhão de hectares de várzea e campo nativo, segundo a Emater.

 

– Copiou-se o modelo de produção do Norte no Sul, e isso é temerário. O avanço não pode ser desordenado – alerta Alencar Rugeri, assistente técnico da Emater.

 

Histórias de pequenos, médios e grandes produtores mostram como a soja transformou propriedades com realidades distintas em negócios de sucesso, em que o uso da tecnologia não é ditado pelo tamanho da lavoura, mas pela profissionalização crescente da atividade.

 

Em áreas de 50, 500 ou mais de 7 mil hectares, agricultores desfazem mitos, quebram recordes e comprovam que o teto da produção agrícola e os lucros podem ir muito além. E, cada vez mais, embalados pela maré dourada da soja.

Peso da soja no RS

A agricultura familiar é uma das marcas do Rio Grande do Sul.

Com pequenas áreas, muito trabalho e uma margem de lucro menor diante da quantidade limitada, produtores veem na soja uma garantia de rentabilidade. É o caso de Eduardo Bervian, 54 anos, que cultiva 54 hectares de soja em Tapera, no norte do Estado. Com investimento em tecnologia, Bervian colheu 80 sacas por hectare, quase 70% a mais do que a média estadual projetada.

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m janeiro, quando as lavouras gaúchas de soja eram brindadas quase que diariamente por pancadas de chuva, o produtor Eduardo Bervian, 54 anos, começou a perceber que a safra poderia superar as expectativas mais otimistas. Em abril, ao colher 54 hectares em Tapera, ele alcançou média de 80 sacas por hectare:

 

– Certeza a gente só tem quando colhe, mas neste ano o cenário foi positivo desde o começo.

 

Filho de produtores rurais, Bervian não se lembra de ter visto uma safra com rendimento superior ao atual desde que passou a investir em terras próprias e em arrendamento, na década de 1990.

 

– Nunca vi uma safra como essa. O máximo que tinha alcançado foi 69 sacas por hectare, há uns cinco anos – lembra.

 

Além da ajuda do clima, influenciado pelo fenômeno El Niño, Bervian atribui a supersafra ao manejo e à tecnologia investidos na lavoura. Associado da Cotrijal, de Não-Me-Toque, o produtor recebe assistência dos técnicos da cooperativa, onde entregou toda a safra para ser vendida no melhor momento da cotação.

 

– Essa relação de confiança com a cooperativa é muito importante, até porque em lavouras pequenas não há espaço para erros.

 

Bervian tem só um funcionário, Alexandre Borges, 32 anos, que opera as máquinas e ajuda em outras tarefas ao longo do ano. A safra colhida agora deixará Bervian mais tranquilo para pagar os financiamentos da colheitadeira usada e de um trator comprado em 2010. Os demais equipamentos, como uma plantadeira e um trator, já foram quitados.

 

 

Anos como esse motivam a continuar na atividade e provam que é possível alcançar alto rendimento, mesmo em propriedades pequenas com menor capacidade de investimento.

EDUARDO BERVIAN

Agricultor em Tapera

 

O alto rendimento da soja comparado a outros grãos e atividades agropecuárias fez muitos produtores familiares migrarem para a cultura. Lavouras de fumo, na Região Central, passaram a dividir espaço com a oleaginosa, bem como as produções de milho e feijão e de pecuária leiteira e de corte.

 

– A soja ajudou o pequeno a se capitalizar, aumentou a renda da propriedade nos anos de preços altos – avalia Carlos Joel da Silva, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado (Fetag-RS).

 

Mas a soja não pode ser vista como única alternativa para elevar a lucratividade, alerta o dirigente.

 

–​ A margem do pequeno sojicultor é bem menor, pois ele não tem escala de produção. Por isso, não pode ficar dependente da monocultura – pondera Silva.

 

Nas pequenas propriedades, a recomendação é de diversificação das atividades que, somadas, garantam uma renda segura para o produtor familiar.

Rosemar Roesler, 50 anos, tem os três filhos ao seu lado na lavoura em Boa Vista do Incra, no noroeste do Estado. Com 500 hectares da soja cultivados em parceria com um investidor, o agricultor diz colher uma produção nunca antes vista. Mais do que o bom resultado da colheita promissora, ele também comemora com gratidão uma oportunidade dada pelo sucesso da soja na propriedade: unir ainda mais a família.

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A soja segurou meus filhos na lavoura.

ROSEMAR ROESLER

Agricultor em Boa Vista da Incra

 

Em 7,5 mil hectares, 11 colheitadeiras trabalham quase 12 horas por dia nas seis fazendas em Cruz Alta, Tupanciretã e Boa Vista do Cadeado. Com agricultura de precisão em 40% da área e irrigação em 25%, a Sementes Aurora tem como foco a qualidade, um dos diferenciais da produção gaúcha de soja para atender e ampliar mercados que rompem cada vez mais as fronteiras do Estado.

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om 11 colheitadeiras trabalhando quase 12 horas por dia durante um mês, a Sementes Aurora alcançou neste ano a maior safra de sua história desde 1991, quando entrou no mercado. Na época, a empresa tinha 800 hectares cultivados com soja. Hoje, a área plantada em Cruz Alta, Tupanciretã e Boa Vista do Cadeado é quase 10 vezes maior: 7,5 mil hectares.

 

– A expansão da soja é notável, não apenas em nossas propriedades, mas em todo o Estado – destaca o engenheiro agrônomo Maurício De Bortoli, 35 anos.

 

A safra resultará em 300 mil sacas de sementes de soja adaptadas ao solo gaúcho e a outros Estados, como Paraná e Mato Grosso, no embalo do bom momento do grão. Mesmo em um ano de alta pressão de ferrugem asiática (doença causada por fungo que reduz a produtividade da soja) e escassez de luminosidade na fase de desenvolvimento vegetativo, as lavouras alcançaram média superior a 60 sacas por hectare. Na produção de sementes, explica De Bortoli, o foco principal não é o volume, mas a qualidade do grão.

 

Ele e o irmão Eduardo, 31 anos, também agrônomo, são os responsáveis técnicos das lavouras 100% destinadas a produzir sementes. O cultivo para multiplicação exige cuidados específicos, desde o plantio em talhões por variedades até o sistema de colheita menos danoso.

 

– A evolução genética nos últimos anos aumentou o potencial produtivo dos cultivos que, com tecnologia compatível, são capazes de alcançar resultados elevadíssimos – destaca De Bortoli.

 

Com agricultura de precisão em 40% da área cultivada, a Sementes Aurora tem 25% das lavouras irrigadas com pivôs centrais – aproveitados também para o plantio da safrinha de soja em cima da resteva de milho.

 

– Investimos muito pensando no retorno – completa De Bortoli.

 

O manejo adequado, com rotação de culturas, é uma das práticas recomendadas para conservação do solo, explica o agrônomo Alencar Rugeri, assistente técnico estadual da Emater:

 

– A tecnologia avança, mas não transforma a produção por si só. Os cuidados com a estrutura do solo e outros detalhes técnicos sempre serão necessários.

 

 

Ganhos pré-colheita

Com a evolução do preço das commodities agrícolas, conseguimos ampliar nosso negócio e agregar valor com a produção de sementes.

MAURÍCIO DE BORTOLI

Responsável técnico da Sementes Aurora

O bom desempenho da safra de soja começa muito antes do plantio. Para alcançar alta produtividade, agricultores movimentam indústrias e serviços ao investirem em insumos e fertilizantes, fazendo a economia girar.

 

– É impossível alcançar resultados expressivos na produção primária sem o envolvimento da indústria e dos serviços – observa Antônio da Luz, economista da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).

 

Depois da colheita, os reflexos de uma supersafra de soja como a atual _ quase 15 milhões de toneladas _ ficam ainda mais evidentes, impactando diretamente as exportações e no Produto Interno Bruto (PIB) do Estado.

 

– O complexo econômico em torno da agricultura é muito grande, e isso torna o agronegócio competitivo – enfatiza Luz.

 

Mas quando essa competividade passa por infraestrutura fora das propriedades, a realidade é outra. A deficiência logística no escoamento de grãos é evidenciada em números. No Rio Grande do Sul, segundo estatísticas da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura, 88% da safra é transportada por rodovias, 9% em ferrovias e 3% por hidrovias.

 

Nos Estados Unidos, só 25% da safra  é escoada  por estradas. O restante vai por meio de ferrovias (40%) e hidrovias 35%). O resultado é que, enquanto no Brasil o transporte representa 8% dos custos da produção da soja, nos Estados Unidos não chega a 3%.

 

– A situação piora à medida que se aumenta a produção de grãos no país, e a logística não acompanha – completa Paulo Menzel, presidente da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura.

Pequena lavoura, grande produtividade

Família unida

pela força do grão

osemar Roesler, 50 anos, tem todos os três filhos a seu lado na lavoura em Boa Vista do Incra, no noroeste do Estado. O mais jovem, Ricardo, 15 anos, estuda em um turno e, no outro, trabalha na propriedade, onde aprendeu a operar máquinas e equipamentos com a ajuda do irmão Renan, 23 anos. A filha mais velha, Rosana, 26 anos, cursa Farmácia em Cruz Alta e ajuda o marido Felipe Ludwig, 29 anos, que também trabalha com a família Roesler.

 

Com 500 hectares da oleaginosa cultivados em Boa Vista do Incra, em parceria com um investidor, o agricultor colheu uma produção nunca antes vista:

 

– A média ficou acima de 70 sacas por hectare (no Estado, a estimativa é de 47,5). São Pedro foi muito bom para a agricultura.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Com investimento de R$ 2,2 mil por hectare, o equivalente a 35 sacas de soja, Roesler vendeu 30% da safra antecipadamente, para garantir bons preços. Nos contratos fechados em 2014, o valor da saca variou de R$ 63 a R$ 67 – acima da cotação média divulgada pela Emater na semana passada, de R$ 62,97.

 

A maior colheita da família, até então, tinha sido a de 2010/2011, quando o rendimento beirou 65 sacas por hectare. Mas o resultado recorde não é só fruto da generosidade de São Pedro.

 

Nos últimos cinco anos, a frota de colheitadeiras, tratores, plantadeiras e pulverizadores foi totalmente renovada por meio de financiamento agrícola. No mesmo período, o produtor passou a investir em agricultura de precisão, com análise das características do solo e controle da aplicação de fertilizantes e defensivos.

 

– Temos cuidado e capricho em tudo o que fazemos, desde a escolha da semente até o último minuto antes de colher – conta.

 

A produtividade alcançada neste ano nem de longe lembra as médias alcançadas há pouco mais de uma década, quando Roesler cultivava um terço da área atual. Na época, colher acima de 40 sacas por hectare era comemorado.

 

– Aliado às condições climáticas ideais para o desenvolvimento das lavouras, tem-se o sistema de plantio direto e altas aplicações de tecnologia, que vão do uso de variedades adaptadas localmente, acompanhamento da fertilidade do solo até o manejo de pragas e doenças – destaca Divânia de Lima, pesquisadora da Embrapa Soja que atua na área de transferência de tecnologia.

 

A cada ano, o potencial produtivo das lavouras aumenta com o lançamento de novas cultivares por institutos de pesquisa.

 

– Podemos chegar a patamares ainda maiores, mas isso vai depender da adoção de tecnologia, combinada com boas condições climáticas – diz a pesquisadora.

Qualidade para romper fronteiras

 
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