SEÇÕES
não se engane pela frieza
dos robôs-cirurgiões
ou dos nanorrobôs a desentupir artérias como encanadores microscópicos.
o astro da saúde do futuro
é de carne e osso.
Um paciente chega ao estabelecimento de saúde e tem seu perfil genético mapeado: como ele responde a certos fármacos, que predisposições a doenças carrega em seu DNA, que problemas pode transmitir a seus descendentes. Eis o futuro da medicina, da ficção para o mundo real, acredita a geneticista do Hospital de Clínicas (HCPA) Patricia Ashton-Prolla.
– Vamos conseguir testar o genoma de uma pessoa com a facilidade que fazemos um hemograma. A questão será definir, do ponto de vista ético, se a gente pode ter acesso a tudo, se não fere a privacidade, se as pessoas querem ter essa informação ou se vai causar mais angústia do que benefício – afirma Patricia, professora da faculdade de Medicina da UFRGS.
Uma vez mapeado, o genoma pode ficar guardado no prontuário eletrônico do paciente, junto a informações como o histórico de saúde, o peso, a altura e a alimentação. Coordenador do curso de Fisioterapia da Unisinos, Mauro Félix se empolga ao vislumbrar o prontuário eletrônico no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS).
– Isso permitiria uma abordagem mais personalizada e mais clara. Se uma pessoa sofre um acidente e segue desacordada após os primeiros socorros, os médicos têm acesso a esse banco de dados. Podem evitar medicamentos aos quais a pessoa é alérgica. O uso da tecnologia para estratégia de planejamento em saúde é fantástico – afirma Félix.
O manual de instruções do DNA humano não está pronto. Decifrar a complexa relação entre a profecia genética e outros fatores, como a alimentação, ainda consumirá anos de pesquisa das mais variadas especialidades biomédicas. Deve tornar mais complexa, também, a relação entre o paciente e os profissionais de saúde, à medida que novas informações abrem possibilidades múltiplas de tratamento.
– Cada vez mais vai se exigir do paciente uma participação na decisão de qual caminho seguir – projeta Patricia.
Em outra ponta da personalização da saúde, a farmacologia estuda como diferentes perfis genéticos interagem com substâncias diversas, em busca de medicamentos mais eficazes e com menos efeitos colaterais.
– A farmacogenética lida com essa questão: se eu e você tivermos a mesma doença e tomarmos o mesmo remédio, vamos responder de formas diferentes – explica a farmacêutica Patricia Pranke, fundadora do Instituto de Pesquisa com Células-tronco (IPCT) da Faculdade de Farmácia da UFRGS.
novas fronteiras da privacidade
Mas nem tudo é solução. O volume crescente de informações sobre o paciente suscita questões até então inexistentes, como a privacidade de quem compartilha com o paciente traços genéticos hereditários.
– É a privacidade relacional. Em uma doença genética que pode ter repercussão para outros membros da família, teremos de ampliar o foco e discutir a privacidade no sentido de que há confidencialidade para as relações que o paciente tem – pondera José Roberto Goldim, chefe do serviço de bioética do HCPA e professor no hospital, na UFRGS e na PUCRS.
Autor do livro The Guide to the Future of Medicine (O Guia para o Futuro da Medicina), o médico futurista húngaro Bertalan Meskó resume o horizonte de possibilidades da saúde centrada no doente:
– O paciente de 2050 poderá acessar qualquer informação sobre a sua saúde de qualquer lugar. Gadgets, soluções biotecnológicas baratas e mídias sociais irão colocá-lo em contato com outros pacientes e com uma enorme quantidade de dados que ele poderá levar aos seus médicos.
tecidos e órgãos sob medida
É até irônico: ao desvendar mistérios como os antibióticos e o saneamento básico, a humanidade multiplicou-se, aumentou sua longevidade e conheceu mais de perto doenças crônico-
degenerativas, típicos de idades mais avançadas. Parkinson, cardiopatias, artroses e cânceres estão entre os males do presente e do futuro. Com mais vovôs e vovós, os casos de demência, cuja principal causa é a doença de Alzheimer, devem triplicar em 2050, apontou a OMS.
– Brinco que todo cientista que trabalha com células-tronco esta trabalhando para curar seu Alzheimer no futuro – afirma Patricia Pranke. – A terapia celular tem avançado em lesões de medula, doenças degenerativas, lesão de medula espinhal, AVC, diabetes e na regeneração de tecidos.
Quando dominarmos as técnicas para a recriar a matéria de que somos feitos, poderemos lidar com a escassez de órgãos e tecidos para transplantes – segundo a OMS, as doações de fígado dão conta de 10% da demanda. O russo Vladimir Mironov desenvolve, no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, em Campinas, pesquisas com bioimpressão de órgãos e tecidos. O objetivo é fabricar as células diversas que compõem cada órgão e desenvolver formas de organizá-las espacialmente, formando o órgão. Em entrevista a ZH em 2013 (veja o vídeo abaixo), Mironov disse que até 2030 quer fabricar órgãos funcionais complexos como rins, fígado e coração.
Em vídeo, o russo Vladimir Mironov fala sobre a bioimpressão de órgãos e tecidos
Foto: Pete Casellini, CC
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