visões de 2050

 

 

Um pequeno imprevisto pode redefinir rumos do planeta, mas imaginar o futuro é uma forma de acertar o passo e a direção no presente. A seguir, buscamos revelar cenários que se insinuam pelos olhares de Bruno Lima Rocha, doutor em Ciência Política, professor da Unisinos e da ESPM; Paulo Visentini, pós-doutorado em Relações Internacionais, professor da UFRGS; Silvia Ferabolli, doutora em Política Internacional, professora da Unisinos e do UniRitter; Marcos Troyjo, diplomata, doutor em Sociologia das Relações Internacionais, diretor do BRICLab da Universidade de Columbia (EUA); Thomaz Napoleão, diplomata brasileiro que serve na Missão do Brasil junto à ONU; André Olivier, doutor em Filosofia, coordenador do curso de Direito da Unisinos, e Gabriela Mezzanotti, doutora em Ciências Sociais, coordenadora do curso de Relações Internacionais da Unisinos.

 

imigrantes e muros

 

“O grande problema será o movimento forçado de pessoas por questões climáticas. Haverá zonas desertificadas por escassez de água e países que vão desaparecer (devido ao aumento do nível dos oceanos). Além dos conflitos que já temos hoje, veremos movimento muito grande de migração ambiental. Provavelmente o status de refugiado passará a incluir, também, os refugiados do clima.”

Gabriela Mezzanotti

 

 

“Há uma abertura das fronteiras no mundo e um estreitamento nas distâncias. Não só fronteiras geográficas, políticas, jurídicas, sociais, mas também virtuais. Países constroem muros e não conseguem conter o fluxo migratório. Os que insistirem em manter fronteiras fechadas terão de lidar com a imigração ilegal. A grande tendência é de países mais parecidos, com imigrantes diversos.”

André Olivier

 

 

“Enquanto redes sociais demonstravam aparente sensibilização pelos refugiados sírios, a Hungria botou arame farpado na frente dos jornalistas. Há uma liberalização das fronteiras para determinado comércio, mas, quando o comércio se torna deficitário, o país impõe restrições. Não caminhamos para um mundo sem fronteiras.”

Paulo Visentini

 

 

a ordem da globalização

 

 

"A palavra forte é reglobalização. Na nova globalização, mais superficial, vamos ver mais países pobres enriquecendo e vice-versa. Grécia e Portugal podem cair de forma vertiginosa. Polônia, Chile, Colômbia e México virão a ter renda per capita semelhante à (dos países fundadores da) Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).”

Marcos Troyjo

 

 

"Três dimensões terão de ser incluídas na globalização. A ambiental: as últimas árvores que podem ser cortadas de graça estão sendo cortadas, por exemplo. O aumento de custos vai obrigar que a agenda ambiental impacte sobre os cursos econômicos. A social: o mundo tende à inclusão, em qualquer lugar se preconiza acesso à internet. Isso terá de ser adequado ao problema do emprego. E o terceiro ponto é a agenda democrática: quem vai dar as grandes ordens do mundo. É necessário um mundo reformado. Falta uma ONU compatível com o século 21.”

Paulo Visentini

 

 

as organizações multilaterais

 

"Acredito que a ONU continuará a desempenhar o importante papel de facilitação e mediação para impedir e resolver conflitos. Mas isso dependerá de reformas para torná-la mais eficaz e representativa, o que passa pela atualização dos procedimentos e da composição do Conselho de Segurança (atualmente, os cinco membros permanentes, EUA, China, Rússia, Itália e Japão,  detêm poder de veto nas deliberações do conselho).”

Thomaz Napoleão

 

 

"Vamos acabar percebendo que a ONU cumpre funções de perfumaria global, porque não dá conta dos problemas efetivos – subdesenvolvimento, pobreza, miséria. Nossas causas não são comuns. Acho muito provável um futuro em que organizações como ONU, FMI e OMC não existam mais.”

Silvia Ferabolli

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

velhas e novas guerras

 

"Muitos dos problemas que o Oriente Médio enfrenta poderiam ser melhor resolvidos se houvesse outras instituições políticas que não o Estado-nação. Síria, Líbano, Jordânia, Palestina e Iraque poderiam estar integrados em um um único grande Estado federado árabe.”

Silvia Ferabolli

 

 

"O planeta não está perto de um conflito em escala global, mas muito perto de cada vez mais conflitos em escala regional.”

Bruno Lima Rocha

 

 

"Como demonstraram três sucessos recentes da diplomacia – a reconciliação Cuba-EUA, o acordo sobre o programa nuclear iraniano e a quase-conclusão do processo de paz na Colômbia –, não existe conflito que não possa ser superado. Com mais vontade política e flexibilidade, acredito que seria possível solucionar questões como a guerra civil síria, o conflito afegão e a disputa israelo-palestina.”

Thomaz Napoleão

 

 

o Brasil na economia

 

"Um cenário possível é o da deterioração, em que o Brasil perde vantagens comparativas sem criar novas, com perpetuação de crises e de falta de estratégia, perda de renda per capita importante e fuga de elites econômica e pensante. No segundo cenário, inercial, as coisas não pioram muito, nem melhoram. Talvez seja o mais provável. E no cenário otimista, a partir de um pacto para um governo meritocrático, com continuidade de 12 a 15 anos, com modernização econômica, o país cresceria a uma taxa média perto de 4%. Se isso ocorrer, o Brasil chega a 2050 com renda per capita semelhante à dos países europeus da franja mediterrânea.”

Marcos Troyjo

 

 

"Uma economia será forte quanto mais diversificada e menos monodependente. Se insistirmos na relação subordinada com a China, para onde for a China, vai o Brasil. Ou o país poderá tentar jogar mais pesado, disputando projetos em nível latino-americano, retomando a projeção externa dos governos Lula. Outro cenário, já presente, é dar privilégio absoluto para o capital financeiro, não fazer composição com nova arquitetura financeira mundial promovida pelos bancos chineses e participar pouco ou nada desse grande empenho do fundo de contingência do banco dos Brics.”

Bruno Lima Rocha

 

 

o 2050 que queremos

 

"Queria que tivéssemos grupos de pressão que conseguissem impor agendas que circundam a agenda das agências e grupos de pressão da ONU, diminuindo a sanha das corporações transnacionais sobre a sociedade. Para isso acontecer, é importante que o planeta tenha multipolaridades e que as sociedades alcancem um grau de organização que una suas causas com os níveis de domínio de grupos de poder. Estar no Brasil e na América Latina é um belo ponto de partida. Nosso continente ainda é rico em recursos minerais e naturais, e nossas sociedades são injustas, mas não são sectárias.”

Bruno Lima Rocha

 

"Nenhum dos grandes problemas de nosso século, da crise dos refugiados ao terrorismo internacional, passando pela mudança do clima, poderia ser superado por um único país atuando de forma isolada. Todos esses temas requerem mais cooperação, mais diálogo e mais diplomacia. Fico preocupado com a ascensão do nacionalismo e da xenofobia em certas partes do mundo. Espero que, em 2050, ou até antes disso, todas as sociedades acordem para o problema que deveria nos unir: a busca do desenvolvimento sustentável e socialmente inclusivo em escala global."

Thomaz Napoleão

 

"O Brasil tem de buscar um pensamento autônomo, do lugar onde estamos no mundo. O Estado tem de desenvolver mecanismos que promovam e recompensem a criação de estruturas de pensamento local. Nacionais, regionais, de América do Sul, terceiro mundo, sul global. O mundo está cada vez mais Sul, mas as teorias que sustentam a ascensão são teorias formuladas no Norte.”

Silvia Ferabolli

 

"Eu gostaria de ver a África com a renda per capita que a América Latina tem hoje; a América Latina com a renda que a Europa Mediterrânea tem; uma Europa com mais responsabilidades no financiamento ao desenvolvimento; ascensão da China como uma potência benigna; ascensão indiana sem acessar rivalidade com seus vizinhos. Acho que vamos ver os EUA como grande potência reemergente, uma consolidação do protagonismo americano. É um mundo que poderíamos chamar de mundo da globalização inclusiva, que inclui mais do que exclui.”

Marcos Troyjo

MAIS NESTA EDIÇÃO:

Fluxos de refugiados tendem a se acentuar, e forma como lidamos com fronteiras deverá ser revista

Foto: Robert Atanasovski, AFP

Vídeo: a guerra, a migração e a ONU do futuro