Lucas Uebel/Grêmio/divulgação

Ninguém nos 117 anos de Grêmio construiu uma relação tão forte com o Tricolor quanto Renato Portaluppi. Dentro de campo, o lendário camisa 7 deu ao clube o mundo com os dois gols marcados sobre o Hamburgo. Sete também foram as conquistas como treinador em sua última passagem por Porto Alegre. Técnico com mais jogos pelo Grêmio, Renato despediu-se do time do coração em 2021, mas ficará eternizado para sempre como o ídolo que transformou-se em estátua.

As temporadas

Isadora Neumann/BD

2016: o fim do jejum de títulos

Autor dos gols mais importantes da história do Grêmio, Renato iniciou sua carreira de treinador longe de Porto Alegre. Em 1996, dividiu as funções de atleta e técnico para tentar salvar o Fluminense do rebaixamento. Porém, foi no Madureira, em 2000, que se lançou de vez na nova função.

O comandante Renato Portaluppi deu o ar da graça no Grêmio pela primeira vez em 2010. Vindo do Bahia, que disputava a Série B, chegou em meio ao Brasileirão para substituir Silas e tirar a equipe do Z-4. Foi além, terminando o campeonato em quarto lugar e alcançando uma vaga na Libertadores. Deixaria o cargo somente na metade do ano seguinte.

Sua segunda passagem se deu em 2013, após a demissão de Vanderlei Luxemburgo. Desta vez, conduziu a equipe ao vice-campeonato nacional, mas não renovou o contrato com o término da competição.

Apesar de não ter conquistado títulos, suas campanhas de recuperação deixaram marcas na memória de Adalberto Preis. Assim, quando o dirigente assumiu como vice-presidente de futebol, em setembro de 2016, não teve dúvidas sobre quem iria chamar. O momento não era dos melhores. A equipe havia sido eliminada nas oitavas de final da Libertadores, o técnico Roger Machado pediu para sair, e o clube não conquistava uma taça de expressão havia 15 anos.

— A coisa está ruim? É, digamos que esteja. Mas não está péssima como estão colocando. O que a gente tem que fazer é falar o menos possível, trabalhar bastante e, desde já, peço ao torcedor que tem que abraçar o grupo e o clube, vir ao estádio para incentivar e apoiar — convocou o ex-camisa 7 em sua apresentação, no dia 19 de setembro de 2016.

A estreia não poderia ter sido mais simbólica. Após derrota no tempo normal, bateu o Athletico-PR nos pênaltis e passou às quartas da Copa do Brasil. Dali por diante, o time engrenou de vez no torneio. Renato fez pequenos reparos na equipe, mas seguiu apostando no modelo implantando antes de sua chegada, que privilegiava a posse de bola e o jogo apoiado. Sem perder mais nenhuma partida, deixou para trás Palmeiras, Cruzeiro e Atlético-MG até erguer a primeira taça da história da Arena. Uma festa inesquecível que servia de prenúncio: a decolagem estava prestes a começar.

Desempenho nas competições

2017: o tri da América

O ano de 2017 começou com um susto. Grande favorito ao título do Gauchão, o Grêmio foi eliminado nos pênaltis, na semifinal, pelo surpreendente Novo Hamburgo — que viria a se sagrar campeão, batendo o Inter. O momento era de turbulência, mas Renato soube reinventar sua equipe para o principal desafio da temporada: a Libertadores.

Ao perder Douglas e Maicon lesionados, mais Bolaños negociado, o treinador promoveu as entradas de Lucas Barrios e do jovem Arthur. Ainda contou com a chegada de reforços indicados por ele, como Cortez, Léo Moura, Cícero e Jael, que se mostrariam importantíssimos no decorrer dos jogos.

Em uma fase de grupos sem sustos, o Tricolor superou Guaraní-PAR, Deportes Iquique-CHI e Zamora-VEN. No mata-mata, deixou para trás o Godoy Cruz, da Argentina, suou contra o Botafogo, e bateu o Barcelona de Guayaquil. Enfim, 10 anos depois, os gremistas voltaram a uma decisão do principal torneio do continente. Do outro lado do campo estaria o perigoso Lanús, que havia eliminando o River Plate.

No primeiro confronto, em Porto Alegre, o volante Cícero decretou uma vitória magra, mas muito comemorada pela tensão que cercou a partida. Na volta, em Buenos Aires, não houve quem parasse o Grêmio de Renato. Em uma atuação de luxo do meia-atacante Luan, o Tricolor conquistou o tricampeonato da América.

— Falei na preleção que eles (jogadores) poderiam se tornar imortais no coração do torcedor. A felicidade é muito grande. Conquistamos mais um título por este grande clube. Estou muito feliz pela nossa torcida e pelo meu grupo — disse o treinador após a vitória por 2 a 1 na casa do inimigo.

A façanha só não foi maior por culpa de um tal Real Madrid. De volta ao Mundial de Clubes, o elenco gremista teve de viajar aos Emirados Árabes Unidos. Na semifinal, matou o Pachuca-MEX com gol na prorrogação. Na decisão, caiu por 1 a 0, em falta cobrada por Cristiano Ronaldo. Mas, àquela altura, não havia gremista que não estivesse transbordando de orgulho pelos feitos de seu time.

Desempenho nas competições

André Ávila/BD

2018: a retomada da hegemonia estadual

Renato iniciou sua terceira temporada com o desafio de se manter no topo do continente. Logo de largada, conquistou a Recopa Sul-Americana, batendo o Independiente, da Argentina, nos pênaltis.

Apesar de colocar mais uma taça no armário, o Tricolor almejava retomar a hegemonia estadual, já que não ganhava o Gauchão desde 2010. A tarefa se mostrou menos complicada ao eliminar o arquirrival Inter nas quartas de final. Na decisão, a vítima foi o Brasil-Pel, vencido nos dois confrontos. Porém, no segundo jogo, no Estádio Bento Freitas, os holofotes estavam sobre o treinador, que havia recebido uma oferta milionária do Flamengo. Foram 90 minutos de suspense até que Renato anunciasse sua permanência no Grêmio em meio à festa do título.

— Todo mundo sabe do meu sonho de treinar o Flamengo, mas, hoje, eu fico no Grêmio. Quem sabe em outra oportunidade — declarou o treinador.

A escolha do técnico foi a injeção de ânimo para que o time gremista seguisse rendendo muito dentro de campo — a ponto de o comandante rasgar elogios à sua própria equipe.

— Existem várias opiniões. A minha é de que precisamos melhorar bastante, mas hoje o Grêmio joga o melhor futebol do Brasil — opinou Renato.

Mas veio a semifinal da Libertadores contra o traiçoeiro River Plate. Depois de ganhar o duelo de ida por 1 a 0, na Argentina, e sair vencendo a segunda partida, em Porto Alegre, tudo indicava que o Tricolor estaria em mais uma decisão continental. Porém, o cenário mudou nos minutos finais. Com gols de Borré e Pity Martínez, os comandados de Marcelo Gallardo promoveram uma dolorida virada na Arena.

No final das contas, a arrancada rumo ao quarto lugar do Brasileirão ficou como alento de que, em 2019, o time voltaria a brigar por grandes títulos.

Desempenho nas competições

2019: um duro golpe na Libertadores

A quarta temporada de Renato no Grêmio iniciou, como de costume, com volta olímpica. Ao golear o Avenida por 6 a 0, na Arena, a equipe garantiu o inédito título da Recopa Gaúcha. Meses depois, a conquista seria ainda mais festejada, já que foi diante do maior rival. Após empate por 0 a 0 nos dois jogos, o Tricolor alcançou o bicampeonato estadual ao bater o Inter nos pênaltis.

No entanto, o desempenho da equipe na Libertadores já não encantava mais. Marcelo Grohe, Edilson e Ramiro haviam deixado o clube, e outros jogadores, como Luan, André e Diego Tardelli, não desempenhavam o futebol esperado. O treinador precisou fazer alterações na equipe, lançou garotos como Matheus Henrique e Jean Pyerre, mas seguia contando com os gols salvadores de Everton Cebolinha.

Foi assim que o time chegou às semifinais dos principais torneios de mata-mata daquele ano. Na Copa do Brasil, foi eliminado pelo Athletico-PR, nos pênaltis. Na Libertadores, um duro golpe: eliminação com goleada de 5 a 0 para o Flamengo.

— O Flamengo foi muito superior, mereceu ganhar de 5 a 0. Mas todas as chances nós que demos a eles. Foram cinco erros nossos. E eles souberam aproveitar — explicou o treinador ainda no Maracanã.

— Existem várias opiniões. A minha é de que precisamos melhorar bastante, mas hoje o Grêmio joga o melhor futebol do Brasil — opinou Renato.

O time ainda demonstraria capacidade de reação no Brasileirão e alcançaria vaga à Libertadores do ano seguinte. Porém, algumas rupturas já se mostravam inevitáveis.

Desempenho nas competições

Anderson Fetter/BD

2020/2021: a pandemia e o fim do ciclo

O ano de 2020 começou estranho. Sem conseguir repetir as atuações de luxo que o levaram a ser eleito o melhor da América anos antes, Luan trocou o Grêmio pelo Corinthians. Como Jean Pyerre estava lesionado, Renato optou por armar um time com três volantes. Desta forma, o Tricolor perdia o encanto, deixando escapar até mesmo o primeiro turno do Gauchão para o Caxias.

Veio a pandemia de covid-19, as competições foram paralisadas e, quatro meses depois, quando a bola voltou a rolar, nada mais era como antes. Mesmo sem torcida na arquibancada e com um futebol mais pragmático, a equipe apresentava, ao menos, resultados. Assim, inclusive, construiu uma série invicta de 11 Gre-Nais — incluindo os dois primeiros confrontos da história da Libertadores. No Estadual, garantiu o terceiro troféu consecutivo, apesar de uma derrota para o Caxias no duelo decisivo, na Arena.

Em novembro, Renato ultrapassou Oswaldo Rolla, se tornando o técnico que mais vezes comandou o Grêmio ao longo da história. Porém, os resultados positivos foram ficando cada vez mais escassos. No torneio continental, a equipe foi eliminada pelo Santos, sendo goleada por 4 a 1 na Vila Belmiro. No Brasileirão, tropeços em casa fizeram com que o limite da tabela fosse o sexto lugar. Nem mesmo a Copa do Brasil, onde todas as fichas foram depositadas, salvou a temporada. Com derrotas para o Palmeiras nos dois jogos da final, o Tricolor se viu obrigado a disputar a fase preliminar da Libertadores.

Sem tempo para remontar o time, Renato tentou repetir a fórmula que havia consagrado o seu trabalho. Não foi o bastante. O modelo foi completamente superado pelo Independiente del Valle, do Equador, que venceu os dois confrontos e carimbou sua passagem à fase de grupos da competição. Era o sinal que faltava para que o ciclo fosse encerrado. No dia 15 de abril de 2021, chegou ao fim a Era Renato na Arena.

Desempenho nas competições

Os números

Período de 18/9/2016 a 15/4/2021

1.670 dias no cargo

*(61,6% de aproveitamento)

Maior goleada aplicada

6ª rodada do Gauchão e decisão da Recopa Gaúcha de 2019

6

Grêmio

X

0

Avenida

Jogo de ida das quartas de final do Gauchão de 2019

0

Juventude

X

6

Grêmio

Maior derrota sofrida

Jogo de volta da semifinal da Libertadores de 2019

5

Flamengo

X

0

Grêmio

Maiores goleadores da Era Renato

O ídolo e a estátua

Luiz Ávila/BD

Desde 1980, a história de Renato e do Grêmio se confundem. Foram duas passagens como jogador e outras três como técnico, que resultaram em uma idolatria que não pode ser explicada. O jovem buscado no Esportivo, de Bento Gonçalves, ainda nas categorias de base, se tornou o herói do título mundial conquistado pelo Tricolor, em 1983, com apenas 21 anos. Foi ali que se criou uma relação que não tinha mais como ser esquecida.

Nem mesmo as duas primeiras experiências como treinador do Grêmio, que não foram exitosas na busca por títulos, abalaram a condição de Renato perante a torcida gremista. No entanto, quando assumiu o clube do coração pela terceira vez, em setembro de 2016, ele conseguiu tornar ainda mais especial a sua trajetória pelo clube, ao ponto de virar estátua.

Tudo começou com uma brincadeira após o título da Copa do Brasil de 2016, que encerrou o jejum de 15 anos sem conquistas relevantes do Grêmio. Depois da conquista do tricampeonato da Libertadores, em 2017, virou obrigação. Renato queria virar estátua e sabia que tinha feito por merecer, opinião corroborada pelo presidente Romildo Bolzan.

— Agora tem que sair. Nós vamos dar um jeitinho e construir essa estátua para o Renato ficar contente — prometeu Bolzan, no dia 30 de novembro de 2017.

Com mais de quatro metros de altura, tendo um pedestal na base, a reprodução do ídolo foi confeccionada pelo escultor bielorruso Iouri Petrov. O momento escolhido para ser eternizado não podia ser mais importante. Trata-se da comemoração do segundo gol marcado diante do Hamburgo, na final do Mundial Interclubes. O monumento, localizado na Esplanada da Arena, foi inaugurado no dia 25 de março de 2019, deixando Renato emocionado.

— Tudo o que eu tenho na vida, agradeço ao Grêmio. Sempre que coloquei a camisa do Grêmio, eu procurei honrá-la da melhor maneira possível e acredito que fui abençoado por Deus por estar na história do clube e por ter conquistado vários títulos. Queria muito que meus pais estivessem aqui hoje, para sentirem orgulho do filho que colocaram no mundo. É uma homenagem inesquecível. Estou sendo eternizado em um dos maiores clubes do mundo. Obrigado a todos — disse o ídolo tricolor.

Os 7 títulos

Copa do Brasil de 2016

Final

1

Atlético-MG

X

3

Grêmio

1

Grêmio

X

1

Atlético-MG

* Roger Machado era o treinador

Libertadores 2017

Final

1

Grêmio

X

0

Lanús

1

Lanús

X

2

Grêmio

Recopa Sul-Americana 2018

1

Independiente

X

1

Grêmio

0

5

Grêmio

X

0

4

Independiente

Gauchão 2018

Final

4

Grêmio

X

0

Brasil-Pel

0

Brasil-Pel

X

3

Grêmio

Recopa Gaúcha 2019

6

Grêmio

X

0

Avenida

Gauchão 2019

Final

0

Inter

X

0

Grêmio

0

3

Grêmio

X

0

2

Inter

Gauchão 2020

Grande final

0

Caxias

X

2

Grêmio

1

Grêmio

X

2

Caxias

Frases marcantes

Desde a época de jogador, Renato foi um grande frasista. Porém, as declarações polêmicas se tornaram ainda mais recorrentes quando ele se tornou treinador e precisava conceder entrevistas antes e depois das partidas. No Grêmio, algumas destas frases foram captadas pelo departamento de marketing tricolor. "Eu confio no meu grupo" e "É aquilo que eu sempre falo pra vocês" saíram dos microfones para estampar camisas nas lojas do clube. Outras tantas não tiveram o mesmo destino. GZH separou 15 frases que marcaram a Era Renato.

Lucas Uebel/ Grêmio/ Divulgação

Renato como jogador

Natural de Guaporé, Renato Portaluppi deu os primeiros passos no futebol no Esportivo, de Bento Gonçalves. Com 17 anos, sob o comando de Valdir Espinosa, estreou pelos profissionais em 1979 e chegou ao vice-campeonato do Gauchão. A taça daquele ano ficou com o Grêmio, clube que o contrataria na temporada seguinte.

Logo que chegou ao Tricolor, Renato foi incorporado ao elenco juvenil. Por lá, se destacou até ser promovido ao time principal, o que ocorreu no início de 1982. O primeiro ano, no entanto, não foi fácil. Acabou passando a maior parte do ano no banco de reservas por opção do técnico Ênio Andrade.

Conhecido pela habilidade dentro de campo, o ponta-direita despontou no Grêmio em 1983. Revivendo a parceria com Valdir Espinosa, foi peça fundamental nas conquistas da Libertadores e do Mundial. Na decisão contra o Hamburgo, da Alemanha, foi o autor dos dois gols do título inédito, além de ter sido eleito o craque da partida.

O ídolo permaneceu no Tricolor até 1986. No período, foi vice da Libertadores de 1984, diante do Independiente, da Argentina, e venceu os Estaduais de 1985 e 1986. As atuações pela equipe gremista renderam convocação para a Seleção Brasileira que se preparava para a Copa do Mundo, no México. No entanto, por indisciplina, acabou ficando fora do grupo liderado por Telê Santana.

Na sequência, deixou o Grêmio para jogar no Flamengo. Em 1990, acabou sendo chamado para a Copa do Mundo, na Itália. Os brasileiros foram eliminados nas oitavas de final para a rival Argentina. Voltou ao Olímpico no segundo semestre de 1991, mas para uma passagem nada marcante. Renato vestiu foi a campo com a camisa do Tricolor em 261 partidas, marcou 74 gols e, acima de tudo, se eternizou na história gremista.

Álbum de fotos

north