Como ocupar os espaços públicos

Costume relativamente recente na capital gaúcha, a prática é vista por arquitetos e urbanistas como forma de tornar a cidade mais segura, além de estimular a economia local

Role a página para ver possibilidades e exigências para atividades em praças, parques e vias

REPORTAGEM

Bruna Vargas

EDIÇÃO

Eduardo Rosa

DESIGN | ILUSTRAÇÃO

Leonardo Azevedo

PROGRAMAÇÃO

Hermes Wiederkehr

Diante de um pôr do sol alaranjado que se tornou raridade no chuvoso início de primavera em Porto Alegre, moradores da Zona Sul lotaram um espaço à beira do Guaíba em clima de confraternização no último dia de setembro. Batizada de Portal Dona Irena, uma pequena área revitalizada foi palco de atrações musicais, de artistas visuais pintando quadros ao vivo e de uma feira de marcas locais, colorindo o Instagram de dezenas e animando a tarde no bairro Tristeza.

Iniciativa de Hassann Akmed Samy, administrador de uma clínica médica na Rua Armando Barbedo — que desemboca no portal —, o evento ilustra um movimento cada vez mais presente na rotina da Capital: a ocupação dos espaços públicos com atividades culturais e gastronômicas organizadas pela própria comunidade.

— De que adianta ter uma praça mas não utilizá-la, não engajar as pessoas para que a frequentem? Quero que a conheçam, vejam que há um lugar bacana, revitalizado, seguro, com iluminação noturna. Quanto mais pessoas frequentarem, melhor para todo mundo — diz Hassann.

Morador da Zona Sul, o administrador de 26 anos foi o responsável por revitalizar a área, um dos oito portais — como são chamadas as vias que terminam no Guaíba — da região, que até o começo deste ano não passava de um espaço com grama por cortar e cujo clima de insegurança afastava moradores das imediações. Depois de três anos tentando adotar o local, ele promoveu uma reforma, instalando bancos, lixeiras e postes de iluminação. Nomeou-o como Dona Irena em homenagem a sua avó, antiga moradora da Rua Armando Barbedo falecida em 2014.

O primeiro evento foi o de inauguração, em maio. Hassann buscou as licenças junto à prefeitura e procurou artistas, food trucks e outros empreendedores locais interessados em participar. O resultado foram vizinhos de diferentes gerações convivendo em um lugar até então subaproveitado na região. A boa adesão da comunidade plantou a sementinha da segunda edição, em setembro — a organização estima que cerca de 4 mil pessoas tenham passado pelo local. Uma terceira está sendo planejada para ocorrer em dezembro.

— A ideia inicial era fazer uma homenagem para a minha vó, mas também incentivar a galera a não esperar o poder público. Se as pessoas se juntarem, dá um evento. Acho que funcionou. Vejo outras pessoas entusiasmadas em adotar lugares — conta.

Segurança e fomento à economia

Costume relativamente recente em Porto Alegre, presente com mais intensidade nos últimos cinco anos, ocupar espaços públicos por meio de eventos é experiência consolidada há mais tempo em países da Europa, onde a movimentação começou décadas atrás, e em cidades dos Estados Unidos. Mais do que uma opção acessível — em muitos casos, gratuita — de lazer em comunidade, é vista por arquitetos e urbanistas como forma de tornar a cidade mais segura, além de estimular a economia local.

— É um movimento que chamamos de demanda induzida: a segurança vai ser maior quanto mais as pessoas usarem a rua. Mas não é só isso. Tem a questão da economia colaborativa, que esses movimentos de rua enfatizam. Eles são importantes para se criar uma cultura urbana — avalia a coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unisinos Porto Alegre, Izabele Colusso.

Reivindicar segurança já foi mote de eventos que mobilizaram centenas na Capital. É o caso da Serenata Iluminada, cuja primeira edição, em 2013, propunha a ocupação do Parque da Redenção à noite, quando poucos costumam se aventurar no local devido à insegurança. Voltados à divulgação de produtos locais, à ocupação de espaços subaproveitados ou de estímulo à cultura, outros que começaram de forma despretensiosa profissionalizaram-se e passaram a ter edições de tempos em tempos, como o Comida de Rua, evento gastronômico itinerante, e a feira multicultural Me Gusta.

— As pessoas querem estar juntas e têm pouco espaço nos apartamentos. Esses eventos permitem isso. A rua acaba sendo um espaço de manifestação daquilo que as pessoas querem viver na cidade — comenta a professora da Unisinos.

Desvinculadas do poder público, atividades em praças, parques e vias vivem um verdadeiro boom na Capital. Desde a criação do Escritório de Eventos, área da prefeitura responsável por centralizar e dar encaminhamento às autorizações, no ano passado, o número de solicitações saltou de 15 para mais de 200 por mês — ao todo, mais de 2 mil eventos já foram licenciados pelo setor.

— É um despertar para o uso do espaço público. Hoje, em um fim de semana, ocorrem, tranquilamente, 50 eventos simultâneos na cidade. Agora, estamos preparando um calendário oficial para que as pessoas possam se informar com antecedência sobre os eventos — diz o diretor do Escritório de Eventos, Antônio Gornatti.

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Atividades em praças e parques

Que as múltiplas áreas verdes de Porto Alegre são um convite a uma tarde sossegada, ninguém discorda. Mas já há quem veja o potencial desses espaços para receber shows musicais, eventos gastronômicos ou, em alguns casos, simplesmente reunir a vizinhança para uma atividade coletiva em uma praça.

Organizar eventos em praças e parques da Capital é possível e visto com bons olhos, inclusive, pelo poder público. É preciso, no entanto, observar critérios.

Segundo o diretor do Escritório de Eventos da prefeitura, Antônio Gornatti, qualquer evento que altere a circulação normal de uma praça ou parque precisa ser autorizado pelo Executivo. A solicitação pode ser feita pela internet, pelo escritoriodeeventos@portoalegre.rs.gov.br ou pessoalmente na Rua Uruguai, 155 (de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h), até 20 dias antes da data prevista para o evento.

É preciso informar se haverá venda de produtos e alimentos, quais os tipos de atrações e a estimativa de público. A partir disso, técnicos de diferentes secretarias irão analisar os possíveis impactos e calcular o valor estimado para a limpeza e manutenção da área depois do evento (que pode variar entre R$ 200 e R$ 5 mil). Além disso, eventos em praças e parques exigem o pagamento de uma taxa de uso do espaço que muda de um lugar para outro. O cálculo para a maior parte dos espaços é de duas unidades financeiras municipais (em torno de R$ 8) por metro quadrado ocupado por estrutura (como palco e bancas). Os parques mais famosos têm valores diferenciados (veja a lista abaixo), e todo o valor é revertido para o Fundo Pró-Defesa do Meio Ambiente da cidade. Caso haja venda de produtos, é cobrada ainda uma taxa de comercialização, valor que varia entre R$ 5 e R$ 100.

Após a solicitação, é possível acompanhar o andamento no site da prefeitura — o processo leva, em média, 10 dias para ser concluído. Entre as áreas verdes mais procuradas, estão a Redenção, o Parcão, a Praça da Encol, o Parque Germânia e a Praça Júlio Mesquita. Revitalizada, a nova orla do Guaíba também tem despertado o interesse de diversos grupos. O Executivo está avaliando os tipos de eventos que o local pode comportar.

Valores para o uso dos principais parques (1 UFM = R$ 4,01):

Parque Farroupilha, Parque da Orla do Guaíba (Moacyr Scliar) e Praça Júlio Mesquita:

70 UFMs

para estruturas de até 18 metros quadrados

100 UFMs

para estruturas de 18 a 90 metros quadrados

1.250 UFMs

para estruturas de 90 a 180 metros quadrados

5.000 UFMs

para estruturas de 180 a 400 metros quadrados

12.500 UFMs

para estruturas de 400 metros quadrados a 500 metros quadrados

A compensação será majorada em 1.250 UFMs a cada 90 metros quadrados acima do máximo permitido.

Parques Maurício Sirotsky Sobrinho, Moinhos de Vento, Germânia e Marinha do Brasil e Praça Carlos Simão Arnt (Encol):

70 UFMs

para estruturas de até 18 metros quadrados

80 UFMs

por módulo de 18 metros quadrados ou fração de área autorizada até 90 metros quadrados

1.000 UFMs

para estruturas de 90 a 180 metros quadrados

4.000 UFMs

para estruturas de 180 a 400 metros quadrados

10.000 UFMs

para estruturas superiores a 400 metros quadrados

A compensação será majorada em 1.000 UFMs para cada 90 metros acima da metragem máxima

Anfiteatro Pôr do Sol

500 UFMs

por dia, do início da montagem ao final da desmontagem da estrutura para o evento.

Eventos em vias públicas

Uma das vias mais badaladas de Porto Alegre, a Rua Padre Chagas, no bairro Moinhos de Vento, viveu um impasse que terminou mal para todos em março. Sem acordo que permitisse aos bares organizar um evento em comemoração ao Saint Patrick's Day, milhares dirigiram-se por conta própria aos estabelecimentos. A falta de organização acirrou o conflito: com caixas de isopor, sacolas térmicas e coolers de bebidas, as pessoas tomaram conta da região, fechando a rua e dificultando o acesso de moradores e motoristas que tentavam transitar pelas redondezas.

— Há datas, como o Saint Patrick's, em que sabemos que vai haver um fluxo, organizem-se ou não eventos. Acho que aprendemos uma lição com o que aconteceu no Moinhos de Vento. Nessas situações, termos um proponente que se responsabilize é melhor do que um evento espontâneo — avalia Antônio Gornatti.

O que Gornatti classificou como uma "terrível experiência de gestão" serviu como divisor de águas para o Executivo. Após o incidente, no ano passado, foi criado o Escritório de Eventos, que centraliza o assunto e tem como objetivo facilitar a realização de eventos de diferentes proporções na Capital.

Todas as vias públicas da cidade podem receber atrações, desde que com a devida autorização do poder público. Para obtê-la, o procedimento é parecido com aquele para realizar atividades em praças e parques: é preciso fazer uma solicitação pela internet internet, pelo e-mail escritoriodeeventos@portoalegre.rs.gov.br ou pessoalmente até 20 dias antes da data prevista para o evento.

O organizador deve informar se haverá venda de produtos e alimentos, quais os tipos de atrações e a previsão de público, para que sejam feitas as devidas alterações no fluxo (como o fechamento da via, caso necessário). Nesses casos, não há taxas para a utilização do espaço, apenas para comercialização de produtos. Os eventos em vias públicas também precisam respeitar o horário de silêncio — a partir das 22h —, e a organização está sujeita a sanções em caso de descumprimento.

— Evento, em Porto Alegre, ainda é muito visto como um problema, e não pelas coisas boas que ele traz, como a segurança e uma maior movimentação no comércio. A partir do Escritório de Eventos, há um esforço para que as pessoas entendam que é uma coisa boa para a cidade — diz Gornatti.