Nas últimas duas décadas, um levantamento sobre 24 atentados cometidos contra escolas em todo o país envolvendo armas, facas, machadinhas, fogo e até explosivos aponta um saldo de 59 mortos entre alunos, professores, funcionários e os próprios agressores.
Entre os episódios mais letais, se destacam o incêndio criminoso da creche Gente Inocente, em Minas Gerais, em 2017 (14 mortes), o ataque a tiros que vitimou 13 pessoas em 2011 em Realengo, no Rio, e o atentado com armas e machadinha que provocou outras nove mortes em Suzano (SP), quatro anos atrás.
Outras duas ações contra escolas infantis de Santa Catarina se somam à galeria das grandes tragédias em ambientes educacionais: uma envolvendo a creche Aquarela (cinco mortes), em 2021, e a Cantinho Bom Pastor, em que um jovem matou quatro crianças a faca neste ano. Para prevenir a ocorrência de massacres desse tipo, especialistas afirmam ser necessário um amplo conjunto de medidas.
Materiais publicados nos EUA e no Brasil sugerem que jovens com histórico de bullying e violência doméstica poderiam ser mais propensos a atos de violência. Mas o psiquiatra e coordenador do Programa de Depressão na Infância e na Adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Christian Kieling, sustenta que não há como antever com segurança quem vai cometer um ataque.
— Jovens com problemas de saúde mental costumam ser mais vítimas do que autores de violência. Temos muita dificuldade de prever algo como o risco de alguém agredir outras pessoas, assim como é difícil prever quem vai tentar se suicidar. Acredito que vamos ter de estudar mais isso, já que, infelizmente, é um novo fenômeno no Brasil — diz Kieling.
As recomendações de especialistas focam na criação de um ambiente escolar sadio, monitoramento de possíveis ameaças na internet e redução da circulação de armas (conforme lista abaixo).
Medidas para combater a violência contra as escolas
Veja algumas das sugestões para prevenir novas tragédias, com base na avaliação de especialistas e de um recente relatório encaminhado ao governo federal sobre o problema, para diferentes setores da sociedade.
Autoridades
- Criação de rede de inteligência para monitoramento de grupos extremistas, incluindo cooperação entre polícias estaduais e Polícia Federal.
- Reduzir circulação de armas na sociedade e monitorar clubes de tiro, restringindo acesso de crianças e adolescentes a eles.
- Responsabilização criminal de líderes de grupos extremistas por trás do recrutamento de crianças e jovens via online.
- Aprimoramento da Lei dos Crimes de Discriminação e Ódio Racial para facilitar a classificação de materiais como símbolos supremacistas
- (que não necessariamente façam uso das tradicionais cruzes suástica ou gamada).
- Garantir ambiente livre para discussão de temas críticos nas escolas (como formas de prevenção à violência).
Escolas
- Criação de grupos terapêuticos e espaços de acolhimento.
- Presença permanente de psicólogos e orientadores educacionais nas escolas.
- Orientação a profissionais da educação e à comunidade escolar sobre como identificar e reagir a situações que indiquem iminência de ataque.
- Garantir ambiente sadio, evitando formas de violência, como o bullying.
- Impulsionar entidades como grêmios estudantis, associações de familiares/responsáveis pelos estudantes e conselhos escolares como espaços agregadores.
- Retomar o fortalecimento de disciplinas de humanidades.
- Abrir espaço para que os alunos possam se manifestar e serem ouvidos na comunidade escolar.
- Criar parcerias com outras instituições que atuem na proteção de crianças, adolescentes e jovens.
Famílias
- Garantir um ambiente sadio e livre de violência psicológica ou física.
- Atenção às atividades online dos filhos, como com que pessoas se comunicam e que tipo de postagens fazem.
- Procurar auxílio psicológico ou psiquiátrico quando observarem indícios. Na avaliação do especialista em educação Daniel Cara, um sinal amarelo se acende quando o jovem passa a adotar discursos de ódio contra segmentos populacionais. Um sinal vermelho, que exige algum tipo de intervenção especializada mais imediata, ocorre quando se soma a esses discursos alguma forma de apologia à violência. Mas nem sempre há evidências claras de que algo vai mal.
- Aplicativos como Facebook ou Instagram costumam ter mecanismos de controle parental, que permitem aos familiares ter maior monitoramento sobre as atividades online das crianças e dos adolescentes.
Fontes: especialistas David Nemer, Odilon Caldeira Neto, Daniel Cara, Jefferson Barbosa e relatório O Extremismo de Direita entre Adolescentes e Jovens no Brasil: Ataques às Escolas e Alternativas para a Ação Governamental.