Passado o período mais intenso de mobilizações que marcaram junho de 2013, em Porto Alegre, um integrante do Bloco de Luta pelo Transporte Público estava no Campus do Vale da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) quando recebeu uma ligação desesperada da mãe. Ela acabara de ouvir no rádio que havia um mandado de busca e apreensão contra ele, o militante estudantil Gilian Cidade, então com 23 anos.
— Calma, não está acontecendo nada — disse Gilian, para tranquilizá-la.
Mas estava. A polícia já havia vasculhado as casas de outros participantes da organização que convocava os atos, como o atual deputado estadual Matheus Gomes (Psol). À noite, seu nome foi veiculado no Jornal Nacional, da TV Globo. A partir daquele momento, traumatizado, Gilian deixou de lado a atuação política e parou até de se manifestar publicamente sobre qualquer tema. Somente agora, já absolvido pela Justiça de acusações como associação criminosa, explosão, dano e lesão corporal, consegue falar sobre as jornadas de 2013 e os oito anos em que foi réu.
— Deixei de ir a manifestações, silenciei. Os amigos que fiz depois nem sabiam do meu passado — conta o atual professor da rede pública estadual e bailarino que usa a dança em favor da causa LGBT+.
Entre articuladores dos protestos, há exemplos de quem fez questão de deixar os holofotes, como Gilian, e de quem se manteve na luta política, como Matheus Gomes. Outro antigo líder do Bloco de Luta, Lucas Maróstica abandonou a atuação político-partidária e se concentrou em sua carreira profissional como consultor de comunicação. Ele preferiu não conceder entrevista. Em seu perfil na rede LinkedIn, aparece com o cargo de assistente de comunicação bilíngue nas Lojas Renner e como consultor do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (ligado à Organização Mundial da Saúde) – mas este vínculo se encerrou no começo do ano.
Outro nome de destaque à época, Lucas Fogaça também deixou a linha de frente da militância em 2018, quando a eleição do adversário ideológico Jair Bolsonaro o fez repensar a estratégia de atuação colocada em prática até ali.
— Decidi dar mais atenção à minha vida profissional, fui fazer mestrado, ler, estudar mais — conta Fogaça, que hoje é sócio de um escritório de advocacia com unidades em Porto Alegre e São Paulo e se especializou em Direito Imobiliário, tema sobre o qual também leciona.
O advogado diz ter entendido algumas lições pessoais a partir dos desdobramento de junho de 2013: conquistas econômicas como a queda no preço da passagem são facilmente revertidas pouco tempo depois, e mobilização popular sem uma base ideológica mais sólida pode resultar em conquistas menores e mais voláteis, mas dificilmente levará a mudanças estruturais da sociedade brasileira. Por isso, hoje combina as aulas de Direito Imobiliário para estudantes de pós-graduações com lições sobre formação política para integrantes de movimentos sociais.
— Junho mostrou que ainda há luta de classes. Mas, para esse tipo de mobilização funcionar, é preciso ter um projeto maior — acredita hoje Lucas Fogaça.
Pelo lado de quem manteve atuação política mais institucional, Gabi Tolotti trabalha na chefia de gabinete da deputada Luciana Genro. Chegou a figurar como candidata a vice-governadora de Roberto Robaina em 2014, mas garante que só atendeu à solicitação do Psol.
Ali também ficou marcado o início de um processo de judicialização da política
MATHEUS GOMES
Deputado e articulador de 2013
— Sempre preferi trabalhar nos bastidores — conta, da mesma forma como fazia em 2013.
O egresso de junho que alcançou maior destaque na política foi mesmo Matheus Gomes, que aos 21 anos atuava como coordenador do Diretório Central de Estudantes da UFRGS.
— As manifestações refletiram um processo de muitos anos em que lutávamos contra o aumento do ônibus e pelo passe livre estudantil. Depois isso se misturou com outras pautas, como a luta por moradia e direito à cidade. Houve uma conjunção de fatores que levaram o movimento para além dos estudantes — conta Gomes.
No processo em que também foi listado como réu, ele se submeteu a um mandado de busca e apreensão em sua casa e teve os sigilos fiscal e telefônico quebrados.
— Fui taxado como membro de organização criminosa. Acho que ali também ficou marcado o início de um processo de judicialização da luta política — afirma o deputado.
Também gaúcha, mas com destaque nacional pela participação em protestos do centro do país, a militante Elisa Quadros, mais conhecida na época como Sininho, chegou a ser presa em 2013 e 2014 no Rio de Janeiro. Foi capa da revista Veja e respondeu a processo por associação criminosa. Como resultado, precisou se submeter a tratamentos psicológico e psiquiátrico. Em março deste ano, perdeu o marido, o também ativista Luiz Carlos Rendeiro Júnior. Localizada por GZH no interior do Rio, onde trabalha executando projetos de marcenaria, chegou a concordar em conceder uma entrevista, mas mudou de ideia na hora previamente combinada.
— Minha vida está bem diferente. Fico receosa porque tudo isso mexeu muito comigo — alegou.