Conheci apenas meus avós maternos. Os pais de meu pai morreram muito antes de ele se casar e não sei muito sobre eles. Felizmente, convivi bastante com o pai e a mãe de minha mãe.
Minha avó nasceu numa família vêneta, que saiu da pequena Portogruaro para cumprir o roteiro de milhares de oriundi: chegaram ao Porto de Santos, passaram pelo posto de imigração, no bairro paulistano do Brás, foram para o interior trabalhar no café. A permanência na fazenda durou alguns anos, até que se tornou inadiável escapar das condições de mão de obra escrava. Voltaram ao Brás.
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Já meu avô veio do norte de Portugal, de Trás-os-Montes. Nasceu numa cidade (Campo de Víboras) que, com os anos, só fez diminuir, até que foi absorvida por outro município. A família veio para São Paulo e também se instalou no Brás – onde habitavam portugueses, italianos, espanhóis, libaneses. Uma história, enfim, comum por aqui.
Na casa da minha avó sempre se comeu um trivial ítalo-luso-brasileiro.
Tinha lasanha, bracciola, rabada, bacalhau, peixada, feijoada, frango assado. Havia acento italiano, mas não predominância italiana. Até porque a memória alimentar que vinha do Vêneto era de fome e miséria. Também não existiam muitos registros do lado português: uma reminiscência de batatas e toucinho, não muito mais. Pois foi em São Paulo que se safaram da penúria.
Fico satisfeito em ver que, hoje, o repertório cotidiano, para paulistanos mais jovens, inclui pratos árabes, asiáticos, africanos, andinos. Uma miscelânea que convive com o arroz e feijão, a pizza, a carne de sol. Sabores que, década a década, vão se agregando em camadas.
Não fossem os imigrantes e suas receitas, em resumo, eu não estaria escrevendo para vocês. Não fossem os imigrantes, tão importantes no nosso querido Sul, a maioria de vocês também não estaria lendo este texto. Não teríamos tortéis, nem cucas, nem polentas. Não existiríamos.
Nesse momento em que tanto se fala em muros, fronteiras e tratados rompidos, fica minha homenagem àqueles que fugiram da guerra, da escassez, e nos deram a vida. Que sigamos abertos a todos os que desejam viver melhor.
* Luiz Américo Camargo é crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso