
Até março, mês do aniversário de Porto Alegre, vamos contar, uma vez por semana (aqui, no Perimetral Podcast, na Rádio Gaúcha, em ZH e nas redes sociais), histórias e curiosidades por trás de canções que se tornaram símbolos da capital gaúcha.
A série Hinos de POA começou com Flávio Bicca Rocha, autor de Horizontes, seguida de Frank Jorge, com Amigo Punk, e de José e Isabela Fogaça e a bela Porto Alegre é demais.
Agora é a vez de Vitor Ramil com Ramilonga.
Veja Vitor cantando a música no Perimetral
Da janela de casa, no bairro Rio Branco, em Porto Alegre, Vitor Ramil imaginou a si mesmo sobrevoando a cidade em forma de milonga.
Assim, de um devaneio dedilhado no violão, nasceu uma das mais emblemáticas canções sobre a Capital: Ramilonga, que desde 1997 convida o ouvinte a observar a chuva na tarde fria, as ruas da flor lilás, os telhados da Bela Vista, as tardes no Bom Fim, o tango dos guarda-chuvas na Praça XV.
Foi um tributo à cidade, mas também um jeito singelo de dizer adeus.
— Íamos morar no Rio de Janeiro. A gente estava só esperando o Ian, nosso filho, fazer seis meses. Para nós, a música ganhou esse sabor de despedida. É mais uma despedida do que uma homenagem. Eu achava que nunca mais ia voltar a viver em Porto Alegre — explica o pelotense, que de fato não morou outra vez na Capital, mas tem casa, família e história na cidade.
Veja a entrevista completa com Vitor Ramil no Perimetral Podcast
Ramilonga começou primeiro como uma ideia. A música e a letra vieram anos mais tarde, num rompante cheio de significados.
— Eu falo que sobrevoou Porto Alegre e depois "nunca mais". Sou eu me despedindo da cidade. Ares de milonga vão me carregam. Sou eu, Ramil, com uma milonga, não que tenha pensando em juntar meu nome à palavra milonga, mas saiu. Não foi com a intenção, mas quando fui falar "ah, milonga", veio ramilonga, uma ideia antiga. É a minha visão desse gênero, visto como campeiro, mas nascido dentro das muralhas de Montevidéu — reflete.
Quando saiu o disco homônimo (Ramilonga - A Estética do Frio), o autor conta que sentiu "uma sensação de perplexidade" em relação ao trabalho, tanto no meio regionalista quanto urbano.
— Entre o pessoal mais tradicionalista, parecia haver certa resistência. Ouvi críticas, como se eu não tivesse o direito de fazer aquele tipo de música porque era um roqueiro cabeludo e não sabia andar a cavalo. Por outro lado, quem me acompanhava desde Joquim e Loucos de Cara esperava outra coisa. O RS sempre teve esse embate entre o que é urbano e o que é do campo. Para alguns, era como se eu quisesse mudar de grupo e não estava sendo aceito. Para ouros, era tipo assim: "Pô, esse cara está passando pano para a gauchada" — brinca Ramil.
Com o passar do tempo, Ramilonga virou um clássico. Antes disso, mereceu o elogio definitivo de ninguém menos do que Mercedes Sosa, deixando qualquer dúvida para trás. Quando ouviu o verso "Guaíba deserto, barcos que não estão", a lendária cantora argentina suspirou e disse:
— Qué lindo verso, Vitor.
A letra
Ramilonga*
Chove na tarde fria de Porto Alegre
Trago sozinho o verde do chimarrão
Olho o cotidiano, sei que vou embora
Nunca mais, nunca mais
Chega em ondas a música da cidade
Também eu me transformo numa canção
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí
Ramilonga
Ramilonga
Sobrevôo os telhados da bela vista
Na chácara das pedras vou me perder
Noites no Rio Branco, tardes no Bom Fim
Nunca mais, nunca mais
O trânsito em transe intenso antecipa a noite
Riscando estrelas no bronze do temporal
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí
Ramilonga
Ramilonga
O tango dos guarda-chuvas na Praça XV
Confere elegância ao passo da multidão
Triste lambe-lambe, aquém e além do tempo
Nunca mais, nunca mais
Do alto da torre a água do rio é limpa
Guaíba deserto, barcos que não estão
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí
Ramilonga
Ramilonga
Ruas molhadas, ruas da flor lilás
Ruas de um anarquista noturno
Ruas do Armando, ruas do Quintana
Nunca mais, nunca mais
Do alto da bronze eu vou pra Cidade Baixa
Depois as estradas, praias e morros
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí
Ramilonga
Ramilonga
Vaga visão viajo e antevejo a inveja
De quem descobrir a forma com que me fui
Ares de milonga sobre Porto Alegre
Nada mais, nada mais
* Vitor Ramil