Uma obra para a criação do Centro de Interpretação do Pampa (CIP), em Jaguarão, no sul do Estado, já consumiu R$ 8,9 milhões de verbas federais e está com os trabalhos paralisados há uma década. A quantia representa quase o dobro do orçamento original.
O projeto é uma parceria entre a Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e previa a reforma das ruínas de uma enfermaria militar do século 19.
O montante de R$ 8,9 milhões é o resultado da soma dos recursos investidos na execução da obra. Esse valor, no entanto, é histórico e não considera a inflação acumulada até 2025 — se feito o cálculo, o investimento necessário hoje para fazer a mesma obra estaria acima dos R$ 15 milhões.
Lançada em 2011, a iniciativa tinha como objetivo transformar o local em um espaço para exposições, pesquisas científicas e atividades culturais dedicadas ao pampa gaúcho.
Conforme a universidade, responsável pelo local, a obra foi incluída no Novo PAC, programa de aceleração de crescimento do governo federal, com previsão de receber recursos em 2026.
O que é o local
O terreno onde está a obra é uma edificação militar construída entre 1880 e 1883, em estilo neoclássico. A estrutura foi feita para atender integrantes do Exército destacados para atuar na fronteira com o Uruguai.
Depois, foi usada como prisão, alojamento e escola. A estrutura fica no chamado Cerro da Pólvora, em um terreno de 6,9 mil metros quadrados.
O prédio ficou abandonado da década de 1970 até o início das obras de reforma, em 2011. O edifício foi tombado como patrimônio histórico estadual e nacional. Atualmente, está fechado ao público e é vigiado por uma empresa de segurança.
— Abandonado é apelido. Eu era criança e a enfermaria já estava abandonada e disseram que iam reformar, fazer um museu, mas está nesse estado. Só deram uma "tapeada" por cima — disse a estudante Mariane Machado, 17 anos.
Já o motorista de aplicativo Almir Maurício Teixeira, morador da região há mais de cinco décadas, chamou a situação de "deplorável".
— A gente fica triste, porque é um patrimônio nosso, é do Estado e da comunidade do Cerro da Pólvora. A população paga por isso — afirmou.
A obra
Segundo a Unipampa, o contrato inicial, de 2011, previa investimento de R$ 5,8 milhões, divididos entre a universidade e o Iphan. A iniciativa previa restaurar a estrutura e erguer novos espaços.
Anfiteatro, auditório subterrâneo, biblioteca, sala de exposições, museu e pátio com esculturas estavam entre os atrativos planejados. As obras começaram em dezembro de 2011 e foram paradas em 2015.
Por meio de nota, a Unipampa disse que a paralisação ocorreu devido a problemas no projeto, feito pela empresa Brasil Arquitetura, "que deram causa a constantes e sucessivos aditamentos contratuais".
Esse fato gerou o aumento da necessidade de recursos, o que impediu a continuidade do projeto, afirma a instituição de ensino.
"O alto percentual de aditivos deste contrato foi devido majoritariamente a quantitativos faltantes na planilha orçamentária e de serviços não previstos no projeto inicial feito pela empresa contratada".
Por isso, o valor utilizado chegou a R$ 8,9 milhões. Um cálculo conservador da universidade indica que serão necessários mais R$ 20 milhões para finalizar a obra.
"Porém é uma estimativa difícil de fazer, pois, por se tratar de uma obra de restauro, o valor pode ser ainda maior", informa a Unipampa.
Segundo a instituição, ainda faltam serviços de instalações elétricas, de rede lógica, hidrossanitárias, climatização, pisos e revestimentos, esquadrias, alvenarias, restauro e acabamentos em geral. Além disso, está em andamento uma análise de questões técnicas da obra pelo Iphan para a retomada em 2026 por meio do Novo PAC.
"Para a continuidade da obra são necessários recursos financeiros os quais a Unipampa não dispõe desde a paralisação da obra, tendo em vista a insuficiência orçamentária que as universidades federais têm enfrentado nos últimos anos. O orçamento insuficiente, adicionado a cortes e bloqueios orçamentários, acarretam dificuldades na sua conclusão por parte da universidade”, acrescenta a nota.
Em 2013, Zero Hora visitou o empreendimento, que estava com 40% das obras prontas, com expectativa de finalização em 2015.
O que diz a Brasil Arquitetura
Citada pela Unipampa como autora de um projeto com problemas, a empresa Brasil Arquitetura enviou, na terça-feira (7), a seguinte resposta à reportagem:
Em resposta, a Brasil Arquitetura esclarece que não houve qualquer “problema de execução das obras decorrentes do projeto”. A obra foi impactada por fatores imprevisíveis, tais como a ocorrência de “rocha sã” (rocha duríssima) em parte do subsolo do terreno, abalo de parte das ruínas do conjunto por vendaval e por decisões subsequentes da própria Unipampa, gerenciadora e responsável pela administração e execução dos trabalhos.
Toda a contratação e prestação dos serviços de projeto realizados pela Brasil Arquitetura foram analisados em detalhes pelo Tribunal de Contas da União, como é o correto em contratos públicos, que comprovou não ter havido qualquer falha ou irregularidade por parte da empresa. Lamentamos que a Unipampa insista em uma versão que contraria a realidade já reconhecida pela autoridade competente.
Como arquitetos e defensores da relevância do Centro de Interpretação do Pampa (CIP) para a preservação da cultura e da memória da região, lamentamos a paralisação de suas obras, realizada com recursos públicos.
O que diz o Iphan
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informa que as obras de restauro e ampliação das estruturas da antiga Enfermaria Militar, em Jaguarão (RS), estão incluídas no Novo PAC, programa do Governo Federal, a fim de viabilizar a instalação do Centro de Interpretação do Pampa.
Atualmente, há um esforço conjunto do Iphan e da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) para sua retomada, o que exige atualização dos projetos e planilha orçamentária, quando será possível determinar o valor de recursos necessários. No primeiro momento, em 2011, o Iphan repassou R$ 2.946.532,70 à Universidade, para a contratação da execução das obras de restauro da antiga Enfermaria Militar, e para intervenções conforme projeto para instalação do Centro de Interpretação do Pampa.
Ressalta-se que, conforme o Decreto Lei nº 25 de 1937, a conservação dos bens tombados em nível federal é de responsabilidade de seus proprietários ou gestores. Deste modo, mesmo que a edificação conste do Novo PAC, cabe ao proprietário apresentar os projetos de intervenção para análise e aprovação do Instituto, para que se possa celebrar novo Termo de Execução Descentralizada com a Universidade para a retomada das obras.
O que diz o Ministério da Educação
Informamos que as obras do Centro de Interpretação do Pampa (CIP), vinculado à Universidade Federal do Pampa (Unipampa), foram iniciadas a partir de um termo de cooperação celebrado entre o IPHAN e a própria universidade. Atualmente, os investimentos do Ministério da Educação (MEC) na consolidação da Unipampa estão inseridos no âmbito do Novo PAC, conforme demanda apresentada pela instituição.
Ressaltamos que, nos termos do artigo 207 da Constituição Federal de 1988, as universidades federais possuem autonomia para definir suas próprias políticas acadêmicas e administrativas. Assim, recomendamos que eventuais informações adicionais sejam solicitadas diretamente à universidade.


