
Cometas interestelares surgem sem aviso, cruzam o Sistema Solar e desaparecem para sempre, deixando para trás um rastro de poeira e muitos mistérios. O mais recente deles, batizado de 3I/Atlas, reacendeu uma mistura de fascínio e desinformação nas redes sociais.
Desde junho, quando foi detectado por observatórios no Chile, o cometa se tornou tema de vídeos alarmistas, teorias sobre "sinais alienígenas" e publicações que afirmavam, falsamente, que a Nasa teria acionado um "sistema de defesa interplanetário" — mecanismo que, na prática, não existe.
Parte da confusão ganhou força após artigo assinado pelo físico Avi Loeb, da Universidade de Harvard, que sugeria a possibilidade do objeto ter origem artificial — hipótese contestada por outros pesquisadores, que apontaram as características típicas de um cometa natural.
Na realidade, o 3I/Atlas é somente o terceiro objeto interestelar significativo confirmado pela ciência moderna, depois do 1I/ʻOumuamua, em 2017, e do 2I/Borisov, em 2019. Todos são fragmentos antigos, "expulsos" de outros sistemas estelares há milhões de anos, que agora estão de passagem pelo nosso.
— A gente acha que todos os sistemas planetários se formam de modo semelhante. Esses cometas que não têm órbitas fechadas são expulsos e ficam viajando por milhões de anos, como aconteceu com este 3I/Atlas, até eventualmente cruzarem outro sistema, como o nosso — explica Alejandra Daniela Romero, professora do Departamento de Astronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O que são os cometas interestelares?
Cometas são corpos formados por rocha, gelo e poeira. Quando se aproximam do Sol, o calor faz o gelo presente na superfície sublimar, ou seja, passar diretamente do estado sólido para o gasoso, criando a característica cauda, que sempre aponta para o lado oposto da estrela.
A diferença, no caso dos visitantes interestelares, está na trajetória, segundo a astrônoma:
— A primeira coisa que diferencia um cometa é a órbita, ou seja, como ele viaja no Sistema Solar. Os planetas têm órbitas quase circulares; os asteroides, em geral, também orbitam o Sol. Já os cometas têm órbitas mais alongadas, elípticas. Alguns passam perto do Sol e depois voltam, como o Halley. Outros, como esses interestelares, entram, passam e não voltam.
A explicação está na física: um corpo com velocidade suficientemente alta consegue escapar da atração gravitacional da estrela que o formou. No caso do 3I/ATLAS, por exemplo, a velocidade estimada é de aproximadamente 61 km/s, o bastante para que sua órbita seja aberta, também chamada de hiperbólica.
— Se a órbita é elíptica ou circular, ela é fechada. Se é aberta, o objeto passa e vai embora. Temos alguns cometas que fazem isso. Para sair da Terra, por exemplo, um foguete precisa atingir a velocidade de escape (cerca de 11 km/s). Já para sair da órbita do Sol, tem outro valor. No caso do Atlas, é o bastante para escapar do poço gravitacional da nossa estrela — detalha Alejandra.
'Oumuamua, Borisov e Atlas
O primeiro visitante interestelar detectado pela ciência moderna foi o 'Oumuamua, descoberto em 2017 pelo telescópio Pan-STARRS, no Havaí. Ele intrigou astrônomos do mundo todo por sua forma incomum, alongada como um charuto, e pela ausência de cauda, o que o diferenciava de todos os cometas conhecidos até então.
— Usualmente, os cometas têm uma forma arredondada. Esse tinha formato de "tubinho" e não exibia cauda porque já não tinha água ou voláteis suficientes na superfície para sublimar — explica Alejandra.
Dois anos depois, em 2019, foi a vez do 2I/Borisov, descoberto pelo astrônomo amador ucraniano Gennadiy Borisov. Com aparência clássica de um cometa, núcleo gelado, brilho intenso e longa cauda de poeira, o Borisov confirmou que cometas também se formam em outros sistemas estelares de maneira semelhante ao nosso.
Já o 3I/Atlas (veja um modelo 3D gerado pela Nasa abaixo) é o mais recente. Descoberto em junho de 2025 pelo sistema da Nasa, ATLAS (Asteroid Terrestrial-impact Last Alert System), localizado no Chile, o cometa tem diâmetro estimado entre 5 e 11 quilômetros e viaja a aproximadamente 209 mil km/h.
Algumas estimativas sugerem que o objeto possa ter mais de sete bilhões de anos, sendo um dos cometas mais antigos já observados. Ele passará a cerca de 1,8 unidades astronômicas (aproximadamente 270 milhões quilômetros) da Terra.
— Agora ele está ultrapassando o Sol (sua passagem mais próxima ocorreu nesta quinta-feira, 30 de outubro, quando atingiu o seu periélio — ponto da órbita onde o objeto está mais próximo do Sol). Deve dar a volta e voltar a ser observável no início de dezembro. Pela trajetória, vai passar bem longe da Terra, praticamente pela órbita de Marte — afirma Alejandra.
Qual a origem do 3I/Atlas?
Utilizando dados de alta precisão do telescópio Gaia, a Nasa reconstruiu o trajeto do cometa nos últimos 10 milhões de anos, comparando-o com as órbitas de 13 milhões de estrelas para descobrir se alguma poderia ser sua "estrela de origem".
Foram identificados 93 encontros próximos, mas nenhum capaz de explicar de onde ele veio. Mesmo o mais próximo, com a estrela Gaia DR3 6863591389529611264, teve influência gravitacional mínima.
Isso indica que o 3I/ATLAS é um viajante solitário, que cruzou a galáxia praticamente intocado por bilhões de anos. Essa resistência reforça a hipótese de que o cometa pode ser mais antigo que o próprio Sol. Estima-se que sua idade chegue a 10 bilhões de anos.
Há risco de colisão com a Terra?
A ideia de que um cometa interestelar possa "mudar de rota" e colidir com a Terra, como circula em vídeos nas redes sociais, não tem respaldo científico. Isso porque esses objetos viajam a altíssimas velocidades, sendo influenciados por forças que tornam praticamente impossível uma mudança brusca de direção.
— É muito difícil mudar a trajetória porque ele está indo muito rápido. "Virar a esquina" a 100 km/h não é como a 2 km/h, assim, quanto mais rápido, mais difícil é mudar a sua trajetória — explica a professora.
A influência gravitacional dos planetas já é considerada nos cálculos feitos pelos astrônomos. Quando a trajetória é traçada, são incluídas as possíveis passagens por Marte, Vênus e outros corpos do Sistema Solar.
Na prática, somente o Sol, pela sua enorme massa, poderia alterar significativamente o percurso de um desses visitantes. Além disso, há um escudo natural que protege os planetas internos: Júpiter.
— Júpiter atrai muito mais, porque tem cerca de 318 vezes a massa da Terra. Ele acaba puxando e desviando muitos desses corpos antes que cheguem aqui. É um guardião eficiente dos planetas internos — destaca Alejandra.
Por isso, mesmo em um cenário extremo, o risco de um impacto direto é ínfimo. As interações gravitacionais podem até alterar levemente a rota de um cometa, mas nunca o suficiente para transformar um viajante distante em uma ameaça real.
Existe um "mecanismo de defesa espacial"?
Parte da viralização em torno do 3I/Atlas pode ter vindo de uma confusão comum: a interpretação equivocada da sigla do projeto responsável por sua descoberta.
— O ATLAS é um sistema de alerta que monitora asteroides e cometas que possam passar perto da Terra. Quando falamos em perto, isso significa milhões de quilômetros. Programas como esse servem mais para observar, não para agir — explica Alejandra.
A pesquisadora reforça não haver um sistema de defesa interplanetária ativo. O que existe hoje é monitoramento e alerta, realizado por redes de observatórios e agências espaciais como a Nasa e a ESA.
— Defesa, no sentido de destruir ou desviar, é mais complicado. É mais plausível desviar do que destruir, e seria mais fácil com asteroides, que são mais lentos, do que com cometas — observa.
Ainda assim, a observação constante é fundamental para antecipar e compreender melhor esses fenômenos. Segundo a astrônoma, esses corpos não representam ameaça real.
Ao contrário: são oportunidades científicas, que permitem estudar como outros sistemas planetários se formam, de que materiais são feitos e como a gravidade molda o Universo.
Outros visitantes de fora do Sistema Solar?
O avanço dos telescópios automatizados e dos programas de varredura digital do céu transformou a maneira como o espaço é observado. Essa nova geração de instrumentos explica o porquê dos três objetos interestelares conhecidos, ʻOumuamua, Borisov e Atlas, serem identificados em um intervalo tão curto e indica que outros deverão aparecer nos próximos anos.
— Hoje temos muitos levantamentos: telescópios tiram fotos do céu o tempo todo. O ATLAS foi divulgado em julho, mas já aparecia em imagens de junho, só não tinham percebido — conta Alejandra
Segundo a astrônoma, a tecnologia atual permite detectar corpos cada vez menores e mais distantes, ampliando a chance de flagrar visitantes que antes passavam despercebidos.
Assim, a estimativa é que um novo objeto interestelar atravesse o nosso sistema, em média, uma vez por ano, embora nem sempre seja grande ou brilhante o suficiente para ser notado, como o Atlas.
— O problema é ver: são pequenos e só ficam brilhantes quando já estão perto do Sol. Por isso, podem se confundir com objetos do nosso próprio Sistema Solar — finaliza a pesquisadora.


