
Já imaginou identificar um peixe estragado sem a necessidade de prová-lo ou sentir seu cheiro? Essa é a proposta de uma embalagem inteligente, feita por pesquisadores brasileiros com nanofibras e pigmentos vegetais, que muda de cor conforme o alimento se deteriora.
Desenvolvida por equipe da Embrapa Instrumentação em parceria com a Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, a solução foi testada com filés de merluza e conseguiu indicar a perda de qualidade dos alimentos com precisão, ao longo de até 72 horas.
A técnica usada para produzir as mantas, utilizadas na embalagem, é considerada barata, sustentável e escalável, e pode ser aplicada também a frutos-do-mar ou outros tipos de alimentos.
Como funciona a embalagem que muda de cor
O "segredo" da embalagem está nos pigmentos chamados antocianinas, extraídos de vegetais como o repolho roxo. Essas substâncias reagem a alterações de acidez e se tornam indicadoras naturais de frescor.
Ao entrarem em contato com compostos liberados pela decomposição do peixe, como aminas voláteis, as antocianinas mudam de cor.
— O repolho roxo contém antocianinas sensíveis a variações de pH, o que motivou sua incorporação em nanofibras de policaprolactona (PCL), um polímero biodegradável, visando a produção de sensores visuais com potencial para aumentar a segurança e a confiança no consumo de alimentos frescos — explica Josemar Oliveira, responsável pelo desenvolvimento da pesquisa supervisionado pelo pesquisador da Embrapa Luiz Henrique Capparelli Mattoso.
Os pigmentos foram incorporados a mantas de nanofibras feitas com policaprolactona, um polímero biodegradável. O resultado é um material com aparência similar ao algodão, que pode ser aplicado diretamente sobre os alimentos embalados.
— À medida que o alimento se deteriora, o pH do ambiente muda, e isso provoca uma mudança de cor nas nanofibras, servindo como um alerta visual de que o produto não está mais próprio para consumo — ressalta.
Em testes de laboratório, a cor roxa da embalagem indicava peixe fresco. Após 24 horas, a coloração enfraquecia. Aos dois dias, surgiam tons azul-acinzentados. Com 72 horas, a cor era azul intensa, sinal de deterioração.
Entenda a técnica usada na produção
A manta foi criada com uma técnica chamada fiação por sopro em solução, ou Solution Blow Spinning (SBS). Nela, um gás comprimido sopra a solução com os ingredientes para a formação de fibras ultrafinas, que se depositam num coletor giratório.
O método é rápido — leva apenas duas horas —, consome menos energia do que processos tradicionais como a eletrofiação e pode ser aplicado em escala industrial.
— A fiação por sopro permite a produção de sensores visuais com potencial para aumentar a segurança e a confiança no consumo de alimentos frescos — destaca Josemar.
Essa foi a primeira vez que a técnica SBS foi usada no Brasil para incorporar antocianinas em nanofibras. A inovação foi descrita por cientistas da Embrapa Instrumentação (SP), Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) e Universidade de Illinois (EUA) em artigo científico.
Combate ao desperdício?
Além de eficiente, a tecnologia também é sustentável. As antocianinas foram extraídas de restos de repolho roxo descartados por supermercados.
Com isso, os pesquisadores buscam agregar valor a resíduos agroalimentares e oferecer uma solução que une segurança alimentar à redução de perdas e ao reaproveitamento de subprodutos.
A policaprolactona usada na manta, por sua vez, é biodegradável, compatível com alimentos e tem boa resistência mecânica, o que a torna adequada para uso em embalagens.
Pode funcionar com outros alimentos?
Embora o experimento tenha sido feito com frutos-do-mar, a equipe já iniciou estudos para adaptar a embalagem a outros produtos perecíveis.
— A técnica pode sim ser adaptada para outros alimentos que liberam compostos voláteis durante a deterioração, como frango, carne bovina, suína, ovos e até certos laticínios — afirma Josemar Oliveira.
Segundo ele, um dos testes em andamento usa queijo Minas frescal como modelo, já que sua deterioração está associada à acidificação do meio. Cada tipo de alimento, no entanto, exige ajustes específicos na formulação e calibração dos sensores.
— A adaptação para outros alimentos exigiria ajustes nas concentrações, no pH de viragem dos indicadores e na avaliação da interação com diferentes atmosferas de deterioração — completa o pesquisador.
Disponibilidade
Apesar dos bons resultados com filés de merluza, a embalagem ainda não está disponível no mercado.
Os pesquisadores ressaltam que serão necessários mais testes com diferentes tipos de peixe e frutos-do-mar para validar o uso comercial.
Segundo eles, os próximos passos incluem testes de shelf-life em condições reais e o estabelecimento de parcerias com empresas da cadeia de alimentos para viabilizar a produção e a distribuição.
*Produção: Murilo Rodrigues