
Na semana passada, a empresa norte-americana de engenharia genética Colossal Biosciences anunciou a "desextinção" do lobo-terrível (dire wolf, em inglês), que foi considerado extinto há mais de 10 mil anos. Conforme a empresa, foi realizado um processo de extração de DNA de dois fósseis da espécie e 20 edições no código genético do lobo-cinzento, espécie viva mais próxima do lobo-terrível.
O feito virou manchete em muitos lugares do mundo, mas vem suscitando questionamentos da comunidade científica – afinal, é mesmo possível recriar uma espécie extinta? Faz sentido trazer um animal pré-histórico de volta à natureza? E quais são os possíveis impactos disso?
Segundo especialistas, o tema levanta reflexões éticas. Uma das preocupações é a própria tentativa de “ressuscitar” uma espécie que já estava extinta com o uso da biologia sintética, que envolve o redesenho de sistemas encontrados na natureza.
E existem outros projetos semelhantes em desenvolvimento. Além do lobo, a Colossal Biosciences pretender “reviver” outros animais, como o mamute-lanoso. Segundo os pesquisadores ouvidos por Zero Hora, isso pode gerar uma falsa percepção de que a tecnologia é capaz de reverter todos os problemas do mundo.
— É um discurso de que podemos extinguir o quanto quisermos, que a tecnologia salva depois. Mas conservação não é isso. Nós estamos brigando pelo que existe para não deixar que essas espécies acabem. Temos que manter a natureza sustentável — afirma o professor de Biologia da Conservação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabrício Santos, membro da Academia Brasileira de Ciências.
Outra questão é o alto custo para realizar o procedimento. No caso do lobo-terrível, foram necessárias 20 edições genéticas. Elas foram introduzidas no genoma de um lobo-cinzento (Canis lupus) para imitar as principais características do extinto lobo-terrível (Aenocyon dirus).
A empresa responsável alega que foram investidos bilhões de dólares no projeto. Para Santos, esses recursos poderiam estar sendo destinados a projetos de conservação.
— Com esse dinheiro, daria para investir na criação de parques de preservação no mundo todo, por exemplo. Estamos perdendo diversos parques naturais que deixaram de ser reserva por pressão política. Todo esse investimento traria muito mais benefícios de outras maneiras — argumenta o cientista.
Desequilíbrio
Outro ponto levantado por Santos é a possibilidade de gerar um desequilíbrio na natureza, caso sejam introduzidas espécies consideradas extintas. Ele ressalta que trazer uma espécie de volta não significa, necessariamente, que ela irá se adaptar à natureza nos dias de hoje, e isso pode ter riscos – ainda desconhecidos pela comunidade científica e sociedade.
— Nós ainda não entendemos a natureza com todo o detalhamento que gostaríamos. Ainda estamos na “infância” das Ciências Biológicas, estamos aprendendo. Nós não podemos gerar os animais que queremos desenfreadamente, sem nem sequer compreender seus impactos na natureza — diz o professor.
A extinção faz parte da vida. O lobo-terrível foi extinto há 10 mil anos, mas não necessariamente por causas humanas. Boa parte dos animais que se extinguiram foi por falta de adaptação.
JOSÉ ROBERTO GOLDIM
Segundo o professor do curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e biólogo no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, José Roberto Goldim, trata-se de um "saudosismo biológico" que não faz sentido:
— É a perda da noção de evolução, da evolução biológica das espécies. A extinção faz parte da vida. O lobo-terrível foi extinto há 10 mil anos, mas não necessariamente por causas humanas. Boa parte dos animais que se extinguiram foi por falta de adaptação. Temos que mitigar aquilo que é causado pela ação humana.
Ele ressalta que a "espetacularização" do caso também é questionável, ludibriando a população com a ideia de que é possível "reviver" animais extintos. Conforme os cientistas, não foi isso que aconteceu.
— Do ponto de vista ético, também é importante a veiculação correta da notícia, de forma transparente. Da forma como a empresa anunciou, parece que o animal deixou de ser extinto e voltou à vida. Isso é uma farsa, não houve uma "recriação" do animal — afirma Goldim.
Os pesquisadores destacam que os animais criados podem ter a mesma aparência que os lobos-terríveis, mas, geneticamente, são muito mais próximos dos lobos modernos do que de seus parentes pré-históricos.