
Os relatos de vítimas apontam para abuso sistemático, com consequências devastadoras para a saúde física e emocional de integrantes da comunidade Osho Rachana. O que acontecia no local, em um sítio no município de Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre, passou a ser investigado pela polícia por meio da Operação Namastê, em dezembro de 2024. O trabalho levou ao indiciamento de Adir Aliatti, 70 anos, na quinta-feira (9).
— Agora é esperar por justiça para que possamos curar os pesadelos emocionais e solucionar dívidas. Importante é que o Ministério Público tenha agilidade para virarmos a página disso tudo. É difícil para nós, ter que ficar lidando com isso tanto tempo. Queremos reconstruir nossas vidas — relata um homem de 57 anos que morou na comunidade por 16 e pediu para não ter o nome revelado.
Rebatizado Prem Milan, Adir Aliatti era o líder da comunidade e se dizia guru espiritual. Ele é suspeito de 13 crimes (veja lista abaixo), incluindo tortura, condição análoga à escravidão, charlatanismo e violência sexual mediante fraude. O filho André Blos Aliatti, e a filha Amanda Blos Aliatti também foram indiciados pelos mesmos delitos.
Inicialmente, ao indiciá-los, a polícia afirmou que Aliatti e os filhos eram monitorados por tornozeleira eletrônica, mas o Tribunal de Justiça do RS informou nesta terça-feira (14) que esta medida foi revogada em 11 de junho.
Em contato constante com outras vítimas, o ex-morador da comunidade relata que a cada descoberta dos supostos crimes cometidos pelo guru, algumas pessoas voltaram a ter crises nervosas, pânico e medo.
Ele conta que entrou no sítio em 2008, permaneceu até 2024 e foi um dos moradores que passaram a questionar as ações do guru. Manipulações e gastos desmedidos chamaram a atenção.
— Entrei lá junto da minha companheira. A gente foi seduzido com a possibilidade de morar em meio à natureza, junto com os amigos e ter um lugar legal para criar nossas filhas. Mas quando eu me dei conta do que acontecia, decidi que a gente tinha que acabar com aquilo e quem era responsável tinha que pagar pelo que acontecia ali. É um processo doloroso. Várias pessoas ainda têm sequelas emocionais e financeiras — conta.
A comunidade existia desde 2005. No local, o líder pregava libertação, evolução espiritual por meio de terapias bioenergéticas e até cura gay.
— Lá no sítio, fomos juntando as pontas. Havia uma desorganização proposital, e só o Adir tinha noção do geral. Fomos fazendo uma espécie de auditoria mesmo. E cada vez iam aparecendo mais coisas. Muitas nós nem conseguimos acessar, mas sabemos por presumir que havia R$ 4 milhões em dívidas no nome de moradores — relata o ex-morador.
Adir e os filhos tiveram os bens bloqueados e, segundo a polícia, podem ter desviado mais de R$ 20 milhões. Na comunidade eram oferecidos pacotes de imersão que custavam entre R$ 8 mil e R$ 12 mil, além de mensalidades para viver no local. Conforme a polícia, Aliatti fazia empréstimos em nome de fiéis e teria se apossado de negócios, como uma padaria em Porto Alegre. O estabelecimento foi fechado após começarem as investigações.
Os 13 crimes apontados pela investigação
- Associação Criminosa
- Tortura psicológica
- Crime contra a economia popular (pirâmide financeira)
- Redução à condição análoga à de escravo
- Estelionato
- Violência sexual mediante fraude
- Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente
- Exposição de criança ou adolescente a vexame ou constrangimento
- Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais; realização de procedimentos terapêuticos sem registro ou autorização sanitária
- Charlatanismo
- Curandeirismo
- Crime de impedimento à convivência familiar e social
- Injúria racial
Contrapontos
A defesa de Adir Aliatti divulgou nota:
"A defesa técnica de Adir Aliatti, realizada pelo advogado Rodrigo Oliveira de Camargo, refere que tomou conhecimento do encerramento das investigações, mas não teve acesso ao conteúdo do relatório da autoridade policial. Aliatti confia na justiça e não se furtará de prestar todos os esclarecimentos devidos nos foros e momentos adequados. Neste momento, aguardará o acesso ao indiciamento policial e às conclusões a serem adotadas pelo Ministério Público, a quem compete decidir pelo exercício, ou não, da ação penal, e reservar-se-á ao direito de manifestação nos autos do processo penal, onde finalmente serão asseguradas garantias como a imparcialidade, a ampla defesa, o contraditório e a presunção de inocência."
A defesa de Amanda Aliatti também se manifestou por meio de nota:
"As advogadas criminalistas Thais Constantin e Deise Dutra que representam Amanda Blos Aliatti, foram informadas pela imprensa sobre o indiciamento parcial da investigada. Até o presente momento, não foi possibilitado o acesso ao conteúdo do relatório investigativo, o que impede a defesa de formular qualquer manifestação. Com o devido conhecimento do documento formulado, disponibilizará então os seus apontamentos."
A defesa de André Aliatti também se manifestou em um comunicado:
"O advogado Guilherme Boes informa que teve acesso, no final da tarde desta quinta-feira, ao relatório parcial do inquérito policial conduzido pela autoridade responsável. A conclusão apresentada até o momento pela delegada responsável é parcial e, por essa razão, não permite à defesa o acesso integral à totalidade das conclusões do inquérito, tampouco às provas que foram reunidas durante a investigação. A defesa reitera seu compromisso com a transparência e o devido processo legal, e aguarda a disponibilização completa dos elementos probatórios para que possa exercer plenamente o direito à ampla defesa e ao contraditório. Novas informações serão prestadas assim que houver avanço na tramitação do procedimento investigativo."
Guilherme Boes
Advogado criminalista
