
Avenida Protásio Alves, número 2.914. O endereço foi sede da 8ª Delegacia de Polícia (DP) de Porto Alegre. Por um período — sobretudo na década de 1970, durante a ditadura militar —, a história testemunhou o temor envolto ao local. Pessoas presas eram levadas, à revelia da lei, para o chamado "porão da oitava", um reduto de tortura.
Esse, porém, é um capítulo que fica no passado. Isso porque a antiga 8ª DP foi desativada em 2022, e o mesmo imóvel será ressignificado. Lá funcionará a nova sede da Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI), que apura crimes relacionados a violações de direitos humanos desde 2020 na Capital.
À frente da delegacia desde maio deste ano, o delegado Vinicius Nahan menciona que a troca de endereço é simbólica e um alerta para impunidade de casos de quaisquer violações dos direitos fundamentais.
— Grupos vulneráveis que antes foram vitimizados naquele local passarão a ser acolhidos e protegidos. É uma ação importante para a preservação da memória e para que fatos assim não se repitam — afirma o delegado.
Conforme a Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), o edital de execução dos trabalhos de adaptação do imóvel foi publicado no dia 23 de setembro e teve quatro empresas participantes. A proposta que ofereceu o menor preço está em análise pela área técnica e, se aprovada, será habilitada. Ainda não há prazo para a divulgação do resultado. Segundo a Polícia Civil, a previsão da troca de sede deve ser em seis meses.
A reforma do prédio prevê melhoras em toda a estrutura: piso, telhado, pintura e instalações em geral.
Passado sombrio
Os motivos e os supostos crimes que tinham como consequência o temido porão eram diversos. Casos isolados, com base nos testemunhos de vítimas, ainda sugerem que presos políticos também foram levados até lá.
— Era um depósito de presos. Chegavam a colocar 50, 60 pessoas em um espaço pequeno e com higiene precária. Era o horror. A vizinhança reclamava e se ouviam gritos por conta da tortura que acontecia — conta o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke.
Roberta Camineiro Baggio, coordenadora da Comissão da Memória e da Verdade na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acrescenta a importância de se perceber o espaço além de sua função como delegacia.
— O maior desafio é que gerações atuais que irão até essa delegacia possam olhar para esse lugar e entender que ele foi ressignificado a partir do direito à memória, a partir da reconstrução dessa memória histórica.

No Rio Grande do Sul, 39 locais de detenção e tortura existiram durante a ditadura militar, incluindo a 8ª DP de Porto Alegre. Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), divulgado em 2014, o Estado, em número de unidades instaladas, aparece como a maior estrutura repressiva do país — superando outros Estados estratégicos para os militares na época, como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
Outros locais associados à repressão e às graves violações de direitos humanos vêm sendo reconhecidos e catalogados em nível regional e nacional. Desde 2024, a Coordenação-Geral de Políticas de Memória e Verdade (CGPMV), do Ministério dos Direitos Humanos, vem desenvolvendo o projeto "Lugares pela Memória".
Os resultados preliminares desse projeto apresentam 49 lugares de memória já identificados, que podem ser consultados na seção "Memória e Verdade" do Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH). No Rio Grande do Sul, até o momento, foram identificados três locais no mapeamento preliminar:
- o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), com delegacias em Porto Alegre e no Interior
- o Dopinho, um casarão que serviu como centro de repressão na ditadura
- a cidade de Santana do Livramento, na Fronteira, área de movimentação de exilados e objeto de atenção dos serviços de inteligência e repressão
A DPCI
Inaugurada em 10 de dezembro de 2020, a Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância possui estrutura especializada no combate aos crimes de intolerância motivados por:
- cor e raça
- etnia
- religião
- procedência
- deficiência
- orientação sexual
- identidade de gênero
A delegacia também atua no enfrentamento a grupos extremistas.
Em quase cinco anos de atividade, a delegacia já abriu mais de 2,8 mil investigações. A maioria delas apurou os crimes de preconceito por raça ou cor (997 casos) e injúria discriminatória (870 ocorrências).
O local atende ao público para registro de ocorrências dos crimes relacionados a sua área de atuação. Até a mudança para o novo endereço, a DPCI segue na Avenida 24 de Outubro, 844, bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. O horário de atendimento é de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h, sem intervalo.
Além do registro e investigação de crimes motivados por preconceito e discriminação, a DPCI atua de forma preventiva e educativa, promovendo ações de conscientização junto à comunidade e instituições públicas e privadas.
Como denunciar
A pessoa que sofrer qualquer crime de intolerância pode registrar um boletim de ocorrência presencialmente, seja na sede da DPCI ou em qualquer delegacia de polícia.
O site da Delegacia Online e o WhatsApp da Polícia Civil, 51 98444-0606, também podem ser acionados.


