
Procons de diversas cidades do Rio Grande do Sul abriram investigações para apurar a suspeita de envolvimento de financeiras, sindicatos e empresas de seguros em descontos indevidos a aposentados e pensionistas do INSS, além das associações.
Em uma espécie de venda casada, as empresas incluiriam mais de uma cobrança no contracheque no aposentado, aproveitando-se de ligações por telefone que, segundo o Procon, são feitas para levar os usuários a erro.
Na Serra, a aposentada Clarice Maria buscou ajuda do Procon de Garibaldi após notar dois descontos mensais no contracheque: um de uma associação de aposentados e outro de um seguro que ela garante jamais ter contratado. Ao lado da coordenadora-executiva do órgão, Luciana Lima Saleh, Clarice ouviu pela primeira vez o áudio que supostamente comprovaria a contratação do serviço.
— Eu não sei o que eu entendi. Acho que não entendi nada disso aí — disse, visivelmente confusa, ao ser confrontada com a gravação enviada ao órgão de defesa do consumidor pela empresa.
Quando questionada se sabia o que era telemedicina, um dos serviços supostamente contratados, respondeu que nunca tinha ouvido falar.
Prática abusiva
O caso de Clarice não é isolado. O Procon de Garibaldi apura uma série de reclamações semelhantes. Segundo a coordenadora, as vítimas costumam relatar o recebimento de ligações genéricas, em que os atendentes apenas "confirmam dados", mas que depois resultam em descontos mensais.
Em outro caso, a aposentada Veneranda da Silva também foi surpreendida por descontos mensais de uma associação. Um áudio foi enviado pela entidade ao Procon, no qual ela repetia: "Concordo em me associar, com desconto mensal de 2,5% do valor do meu benefício." Ao ouvir a gravação, Veneranda se espantou:
— 2,5%? Eu não ia aceitar isso aí.
A presidente da Associação Nacional de Procons, Márcia Regina Moro da Rocha, afirma que os áudios recebidos são "cansativos, não esclarecedores" e desrespeitam a vulnerabilidade dos idosos.
— Muitos têm problemas de cognição, audição e entendimento técnico. É uma prática abusiva — afirma.
Participação de financeiras
Em Santo Ângelo, o coordenador do Procon, Valter Portalete, revela que o problema vai além:
— Descobrimos que algumas filiações ocorrem dentro de financeiras, quando o aposentado vai contratar um empréstimo consignado.
Morador de Santa Maria, Délcio Vieira Borges contratou um empréstimo em março. No mesmo mês, começaram os descontos.
— É uma triste coincidência. Pode ter sido uma venda casada — suspeita.
Márcia Rocha, que além de dirigir a entidade nacional também coordena o Procon de Santa Maria, confirma que a prática é recorrente:
— Muitos têm medo de denunciar com receio de perder o crédito. Raros são os que conseguem reverter.
Mesmo em meio ao medo e à confusão, alguns aposentados procuraram o Procon para denunciar. Em Garibaldi, Valdemar Villani, 76 anos, descobriu um desconto feito por um sindicato de pescadores. O detalhe? Ele nunca pescou.
— Garibaldi não tem rio. Vai pescar onde? — ironizou.
Ele conseguiu ter os descontos suspensos.
O INSS informou que bloqueou todos os descontos associativos e também os benefícios para novos empréstimos, que agora só podem ser liberados mediante validação biométrica.
Enquanto isso, os Procons reúnem provas para encaminhar às autoridades policiais. As vítimas, como Clarice, ainda esperam por justiça.
— Que devolvam o que é da gente. O que tiraram da gente — protesta.