
Milhares de vítimas aguardam a liberação de valores retidos nos Estados Unidos para receber ressarcimentos de aplicações feitas na Indeal, empresa de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, condenada por aplicar golpes com criptomoedas. Em maio, a Operação Egypto, que deu origem ao processo, completou seis anos.
No entanto, os envolvidos desconhecem a situação dos ativos principais: 3,5 mil bitcoins apreendidos da empresa durante a investigação. Os bens estavam em uma corretora dos Estados Unidos e estão sob custódia das autoridades norte-americanas até o fim do processo no Brasil.
Há, porém, uma lacuna: não se sabe se as moedas digitais foram vendidas e hoje são dólares (ou outra moeda), ou se permanecem como bitcoins.
A diferença é importante. Liquidadas no dia de publicação desta reportagem, as 3,5 mil moedas renderiam mais de R$ 2 bilhões. Se a venda ocorreu antes, os ativos poderiam ter valor inferior à metade da cotação atual, por exemplo.
Em abril de 2024, a 7ª Vara Federal de Porto Alegre condenou 15 pessoas acusadas de integrarem uma organização criminosa que atuava ilegalmente com investimentos em criptomoeda. O valor estipulado na sentença para reparação dos danos foi de aproximadamente R$ 448 milhões, destinado a 23 mil investidores lesados no esquema.
Os condenados recorreram da decisão e o processo está na segunda instância. Não há ninguém preso.
Mais de 8 mil investidores podem receber valores
O escritório Medeiros Administração Judicial, nomeado pela Justiça para administrar a massa falida — conjunto de bens, direitos e obrigações de uma empresa em falência —, informou que há 8.028 credores habilitados ou que aguardam análise para o recebimento de valores. Até o momento, ninguém foi restituído.
"A dívida ultrapassa R$ 500 milhões, com predominância de créditos quirografários, havendo também um número considerável de créditos pendentes de comprovação. Os valores habilitados dizem respeito apenas ao capital investido, sem incluir os rendimentos prometidos ou valores já resgatados", disse o escritório por meio de nota.
Segundo o material, devido à "burocracia dos trâmites e falta de acesso às informações", foi solicitado o reconhecimento da falência no sistema jurídico norte-americano, o qual foi concedido em 28 de maio de 2025. Para os envolvidos no processo, esse é um passo importante para obter informações oficiais sobre a possível liquidação dos bens digitais, além de acelerar a liberação dos valores.
“Os criptoativos foram apreendidos no âmbito do processo criminal, antes da decretação da falência. Na época, por estarem em uma exchange (corretora) americana, aquele juízo (a Justiça brasileira) entendeu por ajuizar um processo de cooperação internacional visando à liquidação deste ativo e repatriação dos valores". Eles também não sabem se os bitcoins foram vendidos.
Segundo o escritório, o quadro de credores ainda está em consolidação, e a habilitação administrativa de créditos permanece aberta, com orientações disponíveis em www.falenciaindeal.com.br.
Andamento do processo nos EUA gera otimismo entre as vítimas
Segundo a advogada Caroline Boff, que representa 120 vítimas, os clientes ainda não foram ressarcidos. No entanto, há otimismo entre as vítimas por conta do andamento do processo nos Estados Unidos para apurar a situação dos criptoativos.
— Hoje, o valor estaria próximo de R$ 2 bilhões. A ideia é que esse montante estimado da venda seja transferido para uma conta judicial. Depois de muito tempo sem saber do paradeiro do valor apreendido, agora temos, finalmente, um novo passo rumo ao ressarcimento dos clientes prejudicados pela Indeal — acrescenta.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) também tem atuado no caso. Em nota ao g1 em março, a pasta disse que está acompanhando o processo e que “aguarda o trânsito em julgado da condenação criminal para viabilizar a repatriação dos recursos e o ressarcimento das vítimas”.
Por e-mail, Zero Hora questionou o andamento do caso e solicitou detalhes ao ministério, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
O que diz a Justiça
Zero Hora questionou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) sobre a repatriação dos bitcoins, mas não recebeu resposta até o momento. Em março, o tribunal enviou a seguinte manifestação ao g1:
"3.537,21068616 BTC’s custodiados no exterior não estão nem nunca estiveram à disposição do juízo criminal, que solicitou assistência jurídica em matéria penal ao Governo dos Estados Unidos da América para apreensão e alienação antecipada dos ativos constritos naquele país.
O pedido do Juízo Falimentar de que fosse requisitada às autoridades dos Estados Unidos a transferência para a conta da Massa Falida foi indeferido, porque, além de não estar à disposição da 7ª Vara Federal de Porto Alegre, até que seja repatriado, a solicitação de assistência jurídica internacional se deu em matéria penal.
As providências necessárias à repatriação dos criptoativos estão em andamento desde 03/07/2023, inclusive, já tendo sido encaminhada a sentença condenatória proferida em 29/01/2024, bem como em 27/01/2025 solicitadas informações acerca da alienação pelas autoridades norte-americanas.
A repatriação de criptomoedas é procedimento complexo, que demanda a observância de diversos trâmites formais e envolve a atuação coordenada dos Estados brasileiro e estrangeiro e depende do julgamento definitivo, o qual não ocorreu, já que pende de julgamento as apelações no TRF4 desde 08/11/2024.
Na sentença condenatória proferida pela 7ª Vara Federal de Porto Alegre, foi decretado o perdimento em favor dos terceiros lesados, dos bens, valores, ativos e criptoativos apreendidos e sequestrados, inclusive dos criptoativos ou do produto da alienação dos criptoativos que se encontram nos Estados Unidos, após o trânsito em julgado e a repatriação."