
A Polícia Federal (PF) abriu quatro novos inquéritos como desdobramento da Operação Celeno, que investiga crimes ambientais no Rio Grande do Sul. Um deles apura a transferência irregular de três felinos silvestres da espécie gato-palheiro do Pantanal para o Estado — que teria sido feita por um servidor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O investigado é Paulo Guilherme Carniel Wagner, ex-superintendente do Ibama no RS e ex-chefe do do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas). Os gatos-palheiro seriam parte de um projeto para reintrodução da espécie no Cerrado.
Os felinos chegaram ao RS em setembro de 2024, oriundos do Instituto Onça-Pintada, uma entidade particular localizada em Goiás. A apuração da RBS TV revelou que Wagner e um ecólogo — que não faz parte do Ibama — apresentaram-se como representantes de um instituto inexistente no Estado. Os animais foram trazidos e deixados no zoológico de Cachoeira do Sul.
Procurado pela reportagem, o Ibama confirmou que os animais permanecem no zoológico e não foram soltos. O órgão afirmou ainda que o projeto está suspenso e que os animais "serão destinados conforme orientação do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)". Leia a manifestação abaixo na íntegra.
O fundador do Instituto Onça-Pintada, Leandro Silveira, afirmou à reportagem que não era do seu "conhecimento o destino deles (animais)" e que apenas fizeram "todos os trâmites legais de transferência".
Segundo a delegada Jeanie Tufureti, não havia nenhum projeto documentado no Ibama sobre a vinda dos felinos:
— Não havia nenhum projeto de introdução dos animais no Estado. A administração do Ibama não sabia da vinda desses animais. Então, trouxeram para monitorar sem nenhuma autorização dos órgãos ambientais, tanto estadual quanto do próprio órgão, da própria autarquia federal do Ibama. E a documentação só foi feita no final do ano passado — diz.
Os felinos trazidos pertencem à subespécie do Pantanal (Leopardus bracatus), que não tem habitat natural no Rio Grande do Sul. Aqui no Estado, vive o gato-palheiro pampeano (Leopardus munoai), espécie em alto risco de extinção e raramente avistada na natureza. As duas são consideradas espécies irmãs, ou seja, próximas na árvore evolutiva, mas com diferenças genéticas e adaptações específicas ao ambiente onde cada uma vive.
O Ibama afirmou também que notificou os envolvidos para prestar informações sobre a autorização de transporte.
Outros três inquéritos
Os outros três inquéritos são desdobramentos envolvendo a introdução de harpias no criador Hayabusa, em São Francisco de Paula, alvo também da primeira investigação. Um é sobre maus-tratos a animais, outro por falsificação de anilhas e o último por irregularidades em outro criador amador.
Para a delegada, a conduta dos investigados se aproxima das práticas do tráfico de fauna silvestre — um mercado ilegal que movimenta bilhões por ano no Brasil, especialmente com espécies ameaçadas de extinção.
— A gente sabe que o tráfico de animais silvestres é muito intenso. No Rio Grande do Sul nós temos muito tráfico, as espécies ameaçadas de extinção, claro, elas são mais valorizadas. Um mercado que movimenta muito dinheiro — declarou Jeanie.
O que diz a defesa de Paulo Guilherme Carniel Wagner
Wagner está afastado do cargo desde o início da investigação, que ocorreu em conjunto entre Ibama e Polícia Federal. O advogado Eduardo Maluhy, que defende o investigado, disse que não teve conhecimento do novo inquérito e, por isso, não vai se manifestar.
O dono do criador Hayabusa negou maus-tratos no estabelecimento.
O que diz o Ibama
O Ibama possui registro ou documentação referente a um projeto formal de reintrodução ou introdução desses animais no RS?
Nenhum dos gatos-palheiros que foram retirados do Instituto Onça-Pintada (IOP) foi solto no Rio Grande do Sul. Eles estão em um zoológico, e seriam parte de um projeto para reintrodução em áreas do Cerrado. Porém, tal projeto, por ora, encontra-se suspenso e os animais serão destinados conforme orientação do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Há um projeto em acompanhamento de gatos palheiros-pampeanos, espécie ameaçada no estado sul-rio-grandense. Os animais estão sendo monitorados por rádio-colar e há um projeto escrito sobre essa ação.
O órgão está apurando essa situação especificamente?
Houve uma notificação aos pesquisadores para prestar informações quanto à autorização de transporte e à autorização do órgão estadual para recebimento dos animais no zoológico em que se encontram.
Caso esteja, qual o encaminhamento previsto para os animais?
A destinação dos animais está sendo avaliada em conjunto com o ICMBio.
Há algum posicionamento oficial do Ibama sobre os desdobramentos da investigação até aqui?
Em decorrência de ofício recebido da Polícia Federal referente às investigações conduzidas no âmbito da Operação Celeno, deflagrada em dezembro de 2024, foi instaurado Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apuração dos fatos relatados, o qual está em curso sob responsabilidade da Corregedoria do Ibama.