
Não será agora o desfecho para um rumoroso caso de homicídio ocorrido há quase duas décadas. A Justiça decidiu arquivar o processo que poderia mandar a júri a juíza aposentada Margarida Elisabeth Weiler, acusada de mandar matar um ex-companheiro.
Margarida foi apontada, em duas investigações (da Polícia Civil e da Polícia Federal), como a suposta mandante do assassinato do português Carlos Manuel Nunes Carvalho, 54 anos, com quem ela vivera durante um breve período de tempo. O homem foi morto com 11 tiros.
Só que faltam provas para incriminá-la, concluiu a responsável pela 1ª Vara do Júri de Porto Alegre, juíza Anna Alice da Rosa Schuh, que deveria presidir o julgamento da colega. O Ministério Público decidiu recorrer da decisão.
Separação conturbada e brigas na internet
Carvalho, investigador aposentado do Tribunal de Contas de Portugal, foi assassinado na fria noite de 6 de junho de 2007, no bairro São João, zona norte da capital gaúcha. Ele voltava para o seu apartamento, distraído, sem perceber que era seguido por criminosos em duas motocicletas pela contramão. Ao chegar em frente ao prédio onde morava, o português foi executado com disparos de pistola calibre .380.
Ao checar quem eram as inimizades do estrangeiro, a Polícia Civil descobriu que ele travava há anos uma batalha pelas redes sociais com sua ex-companheira, a juíza gaúcha Margarida Weiler, na época concursada e atuante em Anaurilândia, em Mato Grosso do Sul.
Na época do assassinato de Carvalho, a magistrada respondia a denúncias de supostas irregularidades cometidas no exercício do cargo, que lhe custariam a aposentadoria compulsória em junho de 2010. Só que, em 2007, ainda não existia decisão, e um dos principais impulsionadores de revelações sobre ilegalidades que teriam sido praticadas por Margarida era justamente o ex-companheiro dela.
Motivação para o assassinato não faltava, apontaram as investigações da Polícia Civil. Carvalho movera uma campanha de difamação da juíza por meio de blogs e redes sociais, após a conturbada separação do casal, que incluía a criação de sites e também a invasão do e-mail de Margarida. Ele teria enviado mensagens, que ofenderam a honra da juíza, para 1,5 mil endereços eletrônicos de amigos da magistrada, de integrantes do Judiciário e até de políticos. Por causa disso, Carvalho foi denunciado pelo Ministério Público do Mato Grosso do Sul como autor de 116 crimes virtuais e ficou preso por quase um ano.
O caso passou para a Polícia Federal por envolver um estrangeiro. Tanto a Polícia Civil como a PF apontam outro indício de que a morte fora encomendada em Mato Grosso do Sul: registros de antenas de telefonia móvel mostram que, na noite do crime, dois celulares, um com prefixo 67 (de Campo Grande, no MS) e outro 51 (de Porto Alegre), mantiveram contato por 17 vezes nas imediações do local onde ocorreu o assassinato.
Por fim, policiais receberam cópias de uma carta digitada em computador, supostamente escrita por Carvalho, na qual ele afirmava que, se fosse morto, a culpa seria da juíza Margarida. Com tudo isso, ela acabou indiciada por homicídio, denunciada pelo Ministério Público e ré na 1ª Vara da Justiça de Porto Alegre.
Defesa apontou supostas inconsistências
Defensor de Margarida no caso de homicídio, o advogado Marcelo Feller questionou todos os indícios. Em primeiro lugar, apontou que os atiradores jamais foram identificados. Tampouco as duas polícias descobriram quem eram os interlocutores que usaram celulares rastreados na cena do crime e o vínculo deles com os assassinos.
Em terceiro lugar, a carta em que Carvalho responsabiliza a juíza caso fosse morto: o advogado anexou parecer técnico com análise da linguagem utilizada no documento. O perito concluiu que a carta não foi escrita de próprio punho por Carlos Manoel Carvalho, porque está redigida em português usado no Brasil, enquanto Carvalho só se comunicava em português usado em Portugal.
Justiça vê "inexistência" de indícios de autoria
Ao examinar o caso, a juíza Anna Alice Schuh decidiu impronunciar Margarida — ou seja, arquivar o processo por falta de provas. A magistrada acredita que não há indicativos mínimos da participação da acusada no homicídio.
Num trecho de seu despacho, Anna diz que "não há dúvida, há certeza da inexistência dos indícios suficientes de autoria do crime". E considera necessário evitar que a ré seja julgada em plenário sem o mínimo de concretude na acusação.
A promotora Lucia Helena Callegari, que faria a acusação no júri, recorreu esta semana contra o arquivamento. O recurso vai tramitar no Tribunal de Justiça (TJ). Caso se confirme o arquivamento da acusação contra a juíza, tudo indica que o crime ficará insolúvel. Isso porque a prescrição contra os autores de homicídio acontece em 20 anos.