
Considerado principal gargalo da segurança pública no Rio Grande do Sul atualmente, o feminicídio foi tema do Tá na Mesa, realizado pela Federasul nesta quarta-feira (28), em Porto Alegre. Somente neste ano, segundo a Polícia Civil, 30 mulheres foram vítimas desse tipo de crime no Estado. A maior parte delas não tinha medida protetiva e nem registro de ocorrência. Alcançar essas mulheres, antes deste desfecho trágico, foi apontado como um dos principais desafios no combate à violência doméstica.
Participaram do debate a promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Acolhimento às Vítimas do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Alessandra da Cunha, o Secretário de Segurança Pública do Estado, Sandro Caron, e a delegada de polícia Tatiana Bastos, diretora do Departamento Estadual de Proteção a Grupos Vulneráveis. Segundo a delegada, 90% das vítimas que morreram neste ano não tinham medida protetiva e 76% não tinham qualquer registro anterior.
— A grande maioria das mulheres ainda não procura a delegacia de polícia, ainda não efetua o registro de ocorrência, a subnotificação chega a 90%. A gente realmente precisa estimular essa denúncia. E nisso a rede primária dessas mulheres, a rede de apoio, família, amigos, vizinhos têm papel importante. Quanto mais estimularem essa denúncia, com certeza a gente vai ter mais chances de enfrentar essa violência e principalmente aquilo que mais nos preocupa, que é o feminicídio _ afirmou a delegada Tatiana.
— Quando se tem feminicídio, nós enquanto sociedade, enquanto Estado, falhamos, porque tínhamos que ter visto os sinais anteriores e não conseguimos ver esses sinais anteriores — complementou a promotora, que destacou o projeto CAO na Estrada, promovido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul por meio do Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher.
Este projeto tem como intuito a capacitação das redes de proteção nos municípios. A maior parte dos feminicídios deste ano, por exemplo, ocorreu no Interior. Em muitos casos, não há uma rede articulada para que a mulher se encoraje a buscar ajuda. O fortalecimento dessa rede, envolvendo diferentes áreas, além da segurança, como educação, saúde e assistência social, como forma de perceber esses casos antes de culminarem num feminicídio foi apontado como essencial.
— Essa pauta não é só da segurança pública, não é só da Federasul, não é só da sociedade civil organizada, não é só dos meios de comunicação, ela envolve todos nós, envolve os poderes, tudo mais, a Justiça, o Ministério Público. E eu fico muito inspirado de ver tantas lideranças e autoridades engajadas hoje aqui com este mesmo propósito de convergência, de tentar construir uma estratégia comum — disse o presidente da Federasul, Rodrigo Sousa Costa.
— Acho que todos nós temos uma parcela de responsabilidade. O silêncio é cúmplice também da violência. Então a gente está no prédio e escuta, presencia alguma coisa, tem que denunciar. “Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, precisamos meter a colher, é nossa obrigação também — ressaltou a ex-presidente da entidade, Simone Leite.
Mil pedidos online de medida protetiva
O secretário de segurança classificou como uma tragédia o feriadão de Páscoa, no qual 10 mulheres foram vítimas de feminicídio no Rio Grande do Sul.
— A primeira coisa que a gente pediu à Polícia Civil é que verificasse se havia uma causa comum para todos aqueles casos. Por exemplo, algum tipo de alerta na internet, algum tipo de material incentivando. Se verificou que não havia qualquer tipo de ligação entre esses casos. O que houve ali é completamente imponderável — enfatizou.
Em relação às medidas adotadas no sentido de alcançar essas vítimas, o secretário abordou o acordo firmado neste mês para que autoridades da segurança pública tenham acesso às informações de ocorrências de mulheres vítimas de violência que são notificadas, de forma compulsória, no sistema do Ministério da Saúde. Segundo Caron, o levantamento dos feminicídios ocorridos desde o início de 2023 indicam que 15% das vítimas que não tinham registro policial já tinham buscado atendimento na saúde.
Outra medida implementada recentemente é a possibilidade de a mulher fazer a solicitação de medida protetiva de forma online. Segundo dados divulgados pelo secretário, foram 1.054 pedidos realizados no primeiro mês. Num dos casos citados, a vítima, uma mulher de Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo, fez o pedido de dentro de casa, teve a medida deferida poucas horas depois, e na manhã seguinte o agressor foi preso e uma arma apreendida.
— O crime mais difícil de combater é aquele que acontece dentro dos lares, seja violência doméstica, violência contra crianças, contra idosos, porque tu não vai resolver com isso não. A única forma que a gente tem de impedir é ficar sabendo antes — disse Caron.
Segundo dados divulgados pela Polícia Civil, somente no ano passado 63 mil mulheres solicitaram medida protetiva no RS. Para a promotora Alessandra, a medida serve muitas vezes como forma de cessar uma violência ainda no início. Há ainda a possibilidade de obter a prisão do agressor.
— O homem que faz stalking, segue a mulher, é um potencial feminicida. A pessoa que larga toda a sua vida para perseguir e seguir a outra durante todo o dia na sua rotina é uma pessoa que tem um potencial de agressivo maior. Então, esse é só um exemplo, dentre tantos outros, que se pode olhar e pensar quais eram os sinais que estavam ali que nós não vimos para nos anteciparmos? Então, estimular a denúncia é sim uma forma de redução muito importante. Por quê? Apesar da protetiva não ser resolutiva 100%, ela nos traz esses instrumentos — promotora.