
O advogado Maurício Dal Agnol, condenado em primeiro grau a 96 anos de prisão por lesar 18 pessoas ao se apropriar de valores obtidos em processos judiciais no Rio Grande do Sul, está ingressando com ações de cobrança contra antigos clientes que o destituíram após a operação Carmelina, em 2014. Na quarta-feira (21), o advogado foi alvo de mais uma operação do Ministério Público (MP).
São casos em que Dal Agnol havia ingressado com a ação, mas foi substituído assim que sua OAB foi suspensa. Com a procedência dessas ações, o atualmente advogado suspenso pede o pagamento de honorários pela atuação.
Os processos correm em diversas comarcas do Rio Grande do Sul, com ações que iniciaram a partir de 2022, conforme levantamento de Zero Hora. Entre as ações já julgadas, existe divergência de entendimento entre os casos. Em geral, as ações são consideradas prescritas pelo prazo, mas há casos em que o advogado conseguiu reverter a decisão no Tribunal de Justiça.
— Algumas ações, ele tem vencido; outras, ele não vence. Mas o mais importante é que as pessoas tomem cuidado no momento em que elas trocam de advogado e, que se forem demandadas ou cobradas, realizem os pagamentos em juízo para evitar que sejam consideradas operações fraudulentas, que essas pessoas eventualmente respondam por alguma fraude à execução — explicou o juiz titular da 4ª Vara Cível de Passo Fundo, Luis Clovis Machado da Rocha Jr, responsável na esfera cível pelo caso envolvendo Maurício Dal Agnol.
Em diversos casos, o mérito sequer foi julgado, por conta do entendimento de prescrição. No entanto, existem processos encontrados por Zero Hora em que foram definidos pagamentos de 15% até 25% do valor recebido na ação judicial. Nas iniciais, Dal Agnol afirma que possui direito a parte dos honorários, pois foi responsável por atuação na ação.
"Afirmou que, embora tenha garantido a procedência integral da demanda e tenha atuado em toda a fase de conhecimento e em parte da fase de cumprimento de sentença, a requerida revogou os poderes outorgados, constituindo novo procurador para receber o crédito obtido com a referida ação. Requereu a procedência do pedido para que seja condenada a parte demandada ao pagamento dos honorários judicialmente arbitrados", cita trecho da uma das sentenças.
Volume "absurdo" de processos
Segundo a presidente da Associação de Vítimas de Maurício Dal Agnol, a advogada Ana Carolina Reschke, são milhares de processos movidos contra ex-clientes, que o destituíram após a operação.
— A gente não tem número preciso de processos que o Maurício está ajuizando para cobrar honorários devidos, porque o volume diário é absurdo. Em levantamento que fizemos meses atrás, ele chegava a ajuizar 20 processos por dia, em diversos lugares — disse.
Uma professora da rede estadual que foi representada por Dal Agnol antes da operação é uma das ex-clientes condenadas a pagar honorários ao advogado. Na ação, inicialmente movida por Dal Agnol e assumida por outro advogado após a operação, a mulher recebeu uma indenização de R$ 13 mil, referente a reajustes salariais, em 2018.
No ano passado, ela foi condenada, em segundo grau, a pagar 20% dos honorários para Dal Agnol. No primeiro grau, a condenação foi maior, de 25%.
— Eu não tinha dinheiro para pagar, estava fazendo uma cirurgia, precisava desse dinheiro. A advogada disse que ia tentar negociar com advogados dele, se conseguia parcelar. Depois, minha advogada entrou com recurso. Eu paguei à vista R$ 2,8 mil, só que, na verdade, eu paguei dois advogados. E o dinheiro que era para ser uma coisa boa, não virou nada. Daqueles R$ 13 mil, eu fiquei com R$ 6 mil e alguma coisa — lamentou a mulher, que disse ter prejuízo ao considerar a variação do valor pela inflação.

Valores podem ser bloqueados
Acusado de prejudicar cerca de 30 mil clientes, Dal Agnol possui uma lista de 681 credores, com mais de R$ 245 milhões a serem pagos, conforme levantamento do Tribunal de Justiça a pedido da reportagem. No âmbito cível, o advogado foi condenado em primeiro grau a pagar R$ 66 milhões por dano moral coletivo. A sentença aguarda recurso. Também existem cerca de 2 mil processos com condenações cíveis de Dal Agnol ao redor do Estado.
Os valores eventualmente levantados nessas ações em que Dal Agnol é credor — ou seja, tem créditos a receber — podem ser bloqueados e destinados para as ações em que ele figura como devedor. Isso, no entanto, deve constar na sentença desses processos.
"Como é notório no Estado do Rio Grande do Sul, o advogado exequente foi alvo de persecução administrativa, civil e penal, ainda em tramitação, em face da suposta prática de desvio de verbas pertencentes aos clientes, havendo a própria Corregedoria-Geral da Justiça do TJRS, nos autos do expediente SEI 8.2023.0010/000377-9, assentado que "d) A critério do magistrado eventual crédito de Maurício DalAgnol pode ser destinado à Ação Civil Pública para satisfação coletiva", escreveu um magistrado em uma das decisões localizadas.
No entanto, a presidente da associação afirma que não são todos os casos em que há esse bloqueio de valores para destinação aos credores. Por isso, Ana Carolina Reschke reforça que as pessoas processadas jamais devem pagar qualquer quantia por fora do processo.
— A gente orienta que as vítimas não façam nenhum acordo por fora, não façam pagamentos em dinheiro à pessoas que ele indicar. A gente sabe que isso está acontecendo, já vimos diversas situações em que isso está acontecendo.
Procurado, o escritório que representa Dal Agnol nesta ações cíveis afirmou que não tinha "nada a declarar".
Relembre o caso
Os crimes pelos quais Dal Agnol foi condenado ocorreram entre 2007 e 2012, envolvendo a captação de clientes da antiga operadora telefônica Brasil Telecom para propor ações contra a empresa. Diversas dessas pessoas ganharam seus processos, mas o advogado se apropriou de parte dos valores.
As ações eram julgadas procedentes, mas o valor recebido não era repassado aos clientes ou era pago em quantia muito menor do que a estipulada na ação.
A operação foi batizada de Carmelina porque este era o nome de uma mulher que teve cerca de R$ 100 mil desviados no golpe. Segundo a PF, ela morreu de câncer e poderia ter custeado um tratamento se tivesse recebido o valor da maneira adequada.
Desde 2015, Dal Agnol está impedido de exercer a profissão de advogado, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul. Ele responde aos processos em liberdade.