
O número de feminicídios no último feriadão, de Páscoa e Tiradentes, quando ao menos 10 mulheres foram assassinadas no Estado em contexto de gênero, levou à realização de uma reunião na tarde desta segunda-feira (28) na Assembleia Legislativa. O encontro, que envolveu representantes de diversas instituições e da sociedade civil, buscou debater soluções e possíveis alternativas para o enfrentamento deste tipo de crime no Rio Grande do Sul.
— Essa grande reunião é para que a gente possa pensar daqui para a frente. O que é possível fazer mais? O que eu, dentro do meu universo, posso fazer ainda mais por outras mulheres e famílias? Essa violência não atinge mulheres, atinge a família como um todo. Quero poder falar muito aqui também sobre os homens. Nós temos inúmeras políticas públicas para as mulheres e acho que nós estamos pecando em olhar para os homens — disse na abertura da reunião a deputada Nadine Anflor (PSDB), que propôs o debate.
Entre os temas abordados no encontro, realizado na Sala Alberto Pasqualini, estão a forma de divulgação dos feminicídios e a construção de alternativas que fortaleçam a proteção das mulheres e a prevenção da violência de gênero (veja abaixo algumas das propostas apresentadas).
Diretora da Divisão de Proteção à Mulher (Dipam) da Polícia Civil, a delegada Cristiane Ramos falou sobre a necessidade de fortalecimento da rede, especialmente no Interior, e de chegar até as mulheres que ainda não conseguem pedir ajuda e registrar ocorrência. Segundo a delegada, após a implementação da solicitação de medida protetiva online, ao menos 140 mulheres já fizeram a solicitação.
— A mulher tem que saber que ela vai até a delegacia, ela vai sair dali, vai ter um abrigo, vai ter uma rede articulada. Nós temos um exemplo, na Delegacia da Mulher de Bento Gonçalves, de grupos reflexivos de gênero pela Polícia Civil. É um exemplo que deu muito certo e a gente já está com esse projeto para expandir de maneira institucional. Que esse homem possa ser convidado a discutir o exercício da sua masculinidade, a discutir outras formas de resolver seus conflitos sem violência. A ideia é expandir para Polícia Civil de todo o Rio Grande do Sul — afirmou.
Pela Brigada Militar, o tenente-coronel Márcio Luiz da Costa Limeira destacou os dados obtidos por meio da Patrulha Maria da Penha, que completou 13 anos de atuação. O programa faz o acompanhamento de mulheres que possuem medida protetiva. Desde o início, cerca de 400 mil visitas foram realizadas a 200 mil mulheres atendidas. Atualmente, 12 mil mulheres são monitoradas pelo projeto. Desde o começo do ano, cerca de 3 mil homens foram levados pela BM até delegacias, em situações envolvendo violência doméstica.
— A gente precisa gerar a confiança da mulher vítima procurar o Estado, a Brigada Militar, a Polícia Civil. Saudamos essa possibilidade da solicitação da medida protetiva de forma eletrônica. Às vezes, esse constrangimento de ter a viatura policial na sua casa assusta alguém que já está assustada. É importante alcançá-la. Que ela saiba que o Estado, que a nossa rede, está ali para ajudar, e que ela possa ser acolhida. Ela tem que ter a certeza desse acolhimento em todas as esferas, não só a policial. A certeza de que vai haver o julgamento (do agressor) e a condenação, e que ela vai ter condições de seguir a vida dela — analisou.

Na Frente Parlamentar
A Frente Parlamentar de Homens pelo Fim da Violência contra a Mulher também realizou nesta segunda-feira reunião na Assembleia Legislativa. O encontro contou com a presença de representantes de entidades, como a Defensoria Pública do Estado, o Tribunal Regional do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, divisões de combate à violência de gênero, vereadores e representantes da dupla Gre-Nal.
Foram apresentadas ações de conscientização já desenvolvidas, como a campanha Verão Sem Machismo, promovida no Litoral, além da distribuição de material informativo em eventos como o Carnaval de rua de Porto Alegre, provas da Fórmula Truck e jogos de futebol. As iniciativas buscam envolver diversos setores da sociedade no enfrentamento à violência contra a mulher.
Durante a reunião, foi detalhada a proposta elaborada pela bancada do Partido dos Trabalhadores que deve ser levada ao governo do Estado, que inclui a recriação da Secretaria de Política para as Mulheres e melhor estruturação das delegacias especializadas. O deputado estadual Adão Pretto Filho (PT) também protocolou a realização de uma audiência pública para tratar do tema.
Confira algumas propostas debatidas na reunião
Políticas para homens
A necessidade de criar ações voltadas aos homens, e não somente às mulheres, foi amplamente debatida. Entre as ideias citadas, está ampliar a rede de escuta e orientação masculina. A deputada Nadine abordou um projeto de lei, apresentado por ela na Assembleia, que pretende criar o Programa Estadual de Linha de Conversa com Homens – Linha Calma.
A ideia é promover atendimento sigiloso e humanizado, por meio do telefone, aplicativo e plataforma digital, com funcionamento 24 horas por dia. Os atendimentos seriam realizados por profissionais capacitados nas áreas de psicologia, assistência social e direitos humanos.
Outras ações voltadas aos homens foram discutidas, como os grupos reflexivos de gênero, que podem ser fomentados pelos próprios municípios, onde não existem, além da criação de leis que ampliem as punições aos condenados por violência doméstica, como, por exemplo, impedir o acesso a eventos, como shows e estádios de futebol.
Delegacias especializadas
Foi discutida a necessidade de reforçar os atendimentos das delegacias especializadas, assim como a de ampliar a atuação para 24 horas. O promotor de Justiça Eugênio Amorim levantou ainda a possibilidade de criação de delegacias especializadas em investigar feminicídios consumados e tentados.
— Por que não criar agora, ao menos em Porto Alegre, e talvez em algumas cidades do Interior, a delegacia especializada em feminicídios? Isso vai propiciar o quê? Mais prisões. Prisão resolve porque quem está preso não comete crime. E quem está preso toma um susto. Tendo uma delegacia especializada de feminicídios, não para melhorar a investigação, que já está ótima, isso aqui não é uma crítica, é um auxílio, vamos poder agilizar as investigações, e também dar a possibilidade de prender mais — afirmou.

Sistemas integrados
Também foi debatida a necessidade de integrar os sistemas de áreas como saúde, segurança pública e educação, e, com uso da inteligência artificial, cruzar as informações. Seria possível, dessa forma, por exemplo, realizar buscas ativas às mulheres que nunca registraram uma ocorrência policial, mas já passaram por algum atendimento na saúde ou mesmo se houve algum relato na escola dos filhos.
A delegada Viviane Viegas, diretora do Departamento de Justiça na Secretaria de Direitos Humanos, falou sobre seu estudo realizado acerca do sistema VioGén, implantado na Espanha, como forma de reduzir casos de violência contra a mulher.
— Esse sistema trabalha com monitoramento de casos de violência de gênero. O sistema cria alertas, então ele traz uma notificação. E, a partir disso, eles criam um sistema de graus de risco para emitir alertas para um comitê que é responsável por essa análise. E esse comitê não é só de segurança. A provocação é essa, que a gente consiga pensar a melhor forma de enxergar um pouco mais, usar a inteligência artificial, porque a gente não está dando conta só com redes de pessoas. A gente precisa ter efetivamente fluxos construídos e precisa ter um sistema de monitoramento que nos garanta um pouco mais de alcance — afirmou.
Educação sobre igualdade de gênero
Incluir nas escolas o debate sobre a igualdade de gênero foi um dos pontos levantados inúmeras vezes. A medida é vista como forma de mudar a cultura machista e patriarcal a médio e longo prazo. Uma das iniciativas citadas foi a Semana Maria da Penha nas Escolas, um projeto estadual, para levar esse tema para a sala de aula. A iniciativa busca conscientizar alunos e professores da rede pública de ensino do Estado para que possam difundir a cultura de proteção à mulher na sociedade.
— Precisamos olhar para a educação, respeitando a igualdade. Ter políticas públicas voltadas à igualdade e questões de gênero — disse a juíza-corregedora Taís Culau de Barros, responsável pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar.
Enfrentar dependência financeira da mulher
A necessidade de estimular a independência financeira da mulher, desde a juventude, foi citada diversas vezes. A defensora pública Larissa Rocha Ferreira Caon foi uma das que abordou a necessidade de oferecimento de ofertas de qualificação para o mercado de trabalho e de vagas em creches, para que as mulheres possam se manter ativas economicamente, por exemplo.
— Essas políticas públicas de fortalecimento dessa autonomia das mulheres são muito importantes porque dizem respeito a seus filhos, com aquilo que ela vai poder buscar então como qualificação e autonomia no mercado de trabalho — afirmou.
Unidade Móvel da Defensoria na Delegacia da Mulher
Uma das propostas trazidas pela Defensoria Pública durante o encontro foi a possibilidade de manter a unidade móvel da instituição junto à Delegacia da Mulher da Capital.
Com isso, seria possível realizar atendimentos multidisciplinares, com foco psicossocial e na área de serviço social, além do jurídico. A Polícia Civil afirmou que pretende levar adiante a proposta.
Como pedir ajuda
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.
Ministério Público do Rio Grande do Sul
- O Ministério Público do Rio Grande do Sul atende o cidadão em qualquer uma de suas Promotorias de Justiça pelo Interior, com telefones que podem ser encontrados no site da instituição.
- Neste espaço é possível acessar o atendimento virtual, fazer denúncias e outros tantos procedimentos de atendimento à vítima. Para mais informações acesse: https://www.mprs.mp.br/atendimento/