
As médicas que foram afastadas das funções no Hospital Centenário, de São Leopoldo, no Vale do Sinos, após a morte de um bebê após o parto serão ouvidas nesta semana pela Polícia Civil.
Conforme o delegado André Serrão, responsável pelo caso, as profissionais envolvidas na ocorrência devem depor nos próximos dias na condição de testemunhas, já que o trabalho ainda está na fase inicial. Caso se comprove que houve procedimento irregular, elas podem ser indiciadas por homicídio culposo.
A recém-nascida morreu na última quarta-feira (9), após ser encaminhada para o Hospital Conceição, em Porto Alegre. De acordo com o relato do pai, a esposa, de 35 anos, deu entrada no hospital relatando dores na tarde de segunda (7). A gravidez era considerada de risco devido à diabetes gestacional.
A equipe de obstetrícia decidiu induzir o parto normal na manhã do dia seguinte, mas o procedimento não ocorreu da maneira esperada, conforme o pai, de 34 anos. Segundo ele, os médicos negaram a realização de cesárea. A mãe ficou internada até esta terça-feira (15), quando recebeu alta.
Em entrevista ao programa Gaúcha+, da Rádio Gaúcha, desta terça, o delegado afirmou que será solicitado um exame de perícia para verificar se a equipe médica agiu de acordo com o que indica o protocolo.
— A mulher chegou na UTI com a dilatação de dois centímetros no dia 7. Esperou a noite inteira e, no dia 8 no período da manhã, foi oferecido que ela solicitasse o trabalho de parto, se ela queria induzir o parto. Só que a bebê tinha um quadro grave anterior e a gestante também. Supostamente, o pai alega que deveria ter sido realizado um trabalho de cesárea ao invés dessa indução ao parto. Essas são as duas discussões. Se com uma bebê com 5,3 quilos, o parto ideal seria o parto normal ou seria a questão da própria cesárea?— explicou Serrão.
Caso fique comprovado que algum procedimento irregular foi adotado, as médicas podem ser responsabilizadas por homicídio culposo, com pena de três anos, podendo chegar a quatro. A defesa delas informou que ainda não teve acesso ao inquérito.
— Há indicação de que houve violência obstétrica, quando se fala que houve manobras em cima da barriga da gestante, quando se houve fratura da clavícula da bebê. Mas tudo isso tem que ser verificado dentro de um contexto. Então é muito preliminar a gente afirmar que houve algum tipo de violência, quando, na verdade, por exemplo, a clavícula da criança pode ter sido fraturada para salvar a vida — avalia o delegado.
Médicas foram afastadas
Duas das médicas seriam ouvidas ainda nesta terça, mas solicitaram a remarcação da oitiva. Outros profissionais envolvidos no caso também devem ser acionados.
De acordo com o Hospital Centenário, as obstetras são terceirizadas e foram contratadas por uma empresa para prestar serviço de saúde. A instituição abriu uma sindicância interna e afastou as médicas. Elas não tiveram os nomes divulgados.
Procurada pela reportagem, a Medlife, empresa responsável pela gestão das profissionais, informou que o afastamento delas "decorre de um pedido da administração". A empresa afirmou que está à disposição para contribuir com as investigações, além de lamentar o ocorrido.
Conforme o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), em nota, a complicação médica registrada no parto é classificada como imprevisível (leia a íntegra abaixo).
O Simers também avalia que a gestante não teve atendimento completo durante o pré-natal, além da falta de acompanhamento do controle glicêmico durante a gestação. A entidade manifestou solidariedade à família e se posicionou contra pré-julgamentos aos profissionais envolvidos no caso.
Relembre o caso
A criança morreu na última quarta-feira após complicações no parto normal induzido. O relato do pai da criança indica que a esposa "fez força por muito tempo, estava fraca", e que eles pediram pela cesárea, o que foi negado pelos médicos.
— Depois de muito tempo, saiu parte da cabeça da bebê e trancou, não conseguiram mais tirar. Foi nesse momento que começou o terror. Uma obstetra pulou em cima da minha esposa para tentar tirar a nenê, enquanto outra médica puxava. Depois, tentaram empurrar a minha filha de volta e não conseguiram. Aí que decidiram fazer a cesárea — contou o homem.
Ainda conforme o pai, foi no Conceição que ele teve noção da gravidade do quadro da sua filha. A menina morreu por volta das 16h de quarta-feira (9). A criança foi sepultada em Novo Hamburgo.
— Ela ficou 10 minutos sem oxigênio, teve a clavícula quebrada, e os nervos dos braços estavam arrebentados. Machucaram muito a cabeça dela. Tinha arranhões nos braços e no pescoço — relatou.
Após a cirurgia, a recém-nascida foi encaminhada ao Hospital Conceição, em Porto Alegre. Já a mulher teve de passar por uma cirurgia para retirada do útero e foi encaminhada à Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Centenário.
Assista à entrevista na íntegra
Contraponto
O que diz a Medlife
"As médicas são aptas ao exercício profissional; o afastamento delas decorre de um pedido da administração, o qual a empresa atendeu inclusive com o escopo de contribuir com a averiguação, investigação e apuração do caso. A empresa está a disposição para contribuir com o que for necessário para o bom andamento do trabalho das autoridades. Obviamente que lamenta-se profundamente o ocorrido e a dor da família, bem como das profissionais que estão enfrentando esse momento tão difícil."
O que diz o Simers
"O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul manifesta solidariedade à família diante da dor irreparável pela perda de um recém-nascido, ocorrida no Hospital Centenário, em São Leopoldo, caso que vem sendo amplamente divulgado na imprensa. Neste momento, acreditamos que alguns esclarecimentos são necessários:
1. Do ponto de vista técnico, é fundamental esclarecer que a distocia de ombro — complicação obstétrica que ocorreu neste caso — é classificada, segundo as diretrizes da FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), como um evento imprevisível e não prevenível, mesmo quando há fatores de risco, como a diabetes gestacional e macrossomia fetal.
2. Não existem exames de imagem ou métodos clínicos capazes de prever a ocorrência do problema registrado com precisão, tampouco não há como impedir completamente sua manifestação.
3. O fato traz a tona uma discussão por vezes deixada de lado: a importância essencial do pré-natal bem-feito e de uma rede de atendimento estruturada. A gestante apresentava histórico de risco e, mesmo assim, o atendimento prestado a ela não foi completo. Em alguns casos, ela sequer foi atendida por médicos ao comparecer às consultas agendadas.
4. Outro fato que chama a atenção é a ausência de controle glicêmico adequado e a não realização completa de exames de imagem essenciais durante a gestação — condições mínimas para o acompanhamento criterioso de uma gravidez que demandava cuidados especializados desde o início.
5. A assistência materno-infantil é um processo que se inicia no pré-natal e depende de estrutura adequada, equipe multiprofissional qualificada e protocolos bem definidos, que garantam segurança à mãe e ao bebê. A ausência dessas condições expõe uma falha grave e sistêmica na rede de atenção à saúde do município de São Leopoldo, que precisa ter seu processo e estrutura de atendimento revistos.
Por fim, manifestamos repúdio à antecipação de julgamentos e condenações públicas direcionadas às médicas obstetras envolvidas, antes da conclusão das devidas apurações pelos órgãos técnicos competentes.
É importante ressaltar que cabe exclusivamente ao Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), às comissões de ética médica e, quando necessário, ao Poder Judiciário, analisar os fatos e atribuir responsabilidades. Neste caso específico, também há investigação da Polícia Civil. Qualquer declaração ou prejulgamento fora dessas esferas é imprudente, fere o princípio da presunção de inocência, e cria um ambiente de desinformação.
É dever da sociedade, das instituições e das autoridades garantir um debate honesto e responsável sobre o que de fato falhou. A medicina não aceita julgamento baseado em narrativas emocionais ou apelos políticos.
Sindicato Médico do Rio Grande do Sul - Simers."