Na madrugada de 26 de janeiro, o professor aposentado Davi Rodrigues da Silva, 71 anos, despertou com o movimento de policiais militares e vizinhos. Em frente à residência da família, em Montenegro, no Vale do Caí, depositado na calçada, sob um cobertor, estava o corpo da filha Débora Michels Rodrigues da Silva, 30 anos. O companheiro, Alexsandro Alves Gunsch, 48, de quem a personal trainer estava em processo de separação após relacionamento de 11 anos, havia abandonado Debby, como era chamada, sem vida ali.
Seis meses depois, os pais de Débora lidam com a falta da filha, enquanto buscam por Justiça. Em abril deste ano, foi realizada audiência na qual foram ouvidas 20 pessoas envolvidas no caso. Entre elas, testemunhas e informantes de acusação e defesa.
O pai de Débora foi um dos ouvidos na sessão. O réu, que segue preso, também foi interrogado durante a audiência, por videoconferência. Ele é acusado de ter asfixiado a companheira por não aceitar a decisão dela de se separar. A personal estava em processo de mudança, quando foi morta.
— A gente sente muito. A gente sonha praticamente todas as noites com ela. Está muito vivo tudo na lembrança ainda. Ela era uma menina, feliz, saudável. Muito querida por todos — desabafa o pai.
Dois dias antes de ser encontrada morta, Débora havia feito a vistoria no imóvel onde planejava recomeçar a vida. Na sexta-feira, a mãe pretendia ajudá-la a arrumar os últimos itens da mudança prevista para o dia seguinte. Mas nada disso aconteceu. Ao saber que os dois estavam em processo de separação, o pai resolveu interceder e conversar com Gunsch, que era mais reservado.
— Falei de pai para pai. Ele tinha uma filha da idade dela. Então, conversei com ele, e ele disse que ia entender, que estava tudo resolvido. Resolvido coisa nenhuma. Naquela mesma noite ele matou a minha filha. É um sentimento que dói muito. Não passa. Está me corroendo por dentro — diz o pai.
Crime premeditado
A polícia identificou o veículo do companheiro de Débora, usado para transportar o corpo dela naquela madrugada, por meio de imagens de câmera de segurança. Gunsch foi ouvido após o crime e alegou que, durante uma briga, ele e Débora teriam trocado agressões. O homem afirmou ter pego a companheira pelo pescoço, levantado e arremessado contra um guarda-roupas. Neste momento, ela teria começado a passar mal.
Gunsch relatou à Polícia Civil que, na sequência, colocou Débora no carro e, no deslocamento, percebeu que ela já estava morta. O homem disse então ter ficado desesperado com a situação e decidido deixar o corpo em frente à casa dos pais dela.
No entendimento do Ministério Público, no entanto, o crime teria acontecido de outra forma. Para a acusação, ele assassinou Débora de forma premeditada. Após fazer uso de cocaína, por estar irritado pelo término do relacionamento, Gunsch teria esganado a personal trainer. Logo depois, segundo o MP, o homem teria colocado o corpo de Débora já desfalecido dentro do carro dele e levado até a casa dos pais dela.
Gunsch foi denunciado pelo MP por homicídio qualificado, pelo feminicídio, por ser crime cometido contra mulher em contexto de violência doméstica e familiar, por motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. A expectativa da família é de que o réu seja levado a julgamento em breve.
— A família ainda por busca de Justiça. Que saia o julgamento de uma vez e seja resolvida essa situação — diz o irmão Alex Michels, 41.
A vítima
Debby atuava como personal trainer desde 2011. Nas redes sociais, compartilhava dicas de treinos e rotina na academia. Formada em Educação Física pela Unisinos, trabalhava numa academia em Montenegro. Dedicada aos cuidados com o corpo, ela também chegou a vencer competições de fisiculturismo. Alexsandro também é fisiculturista. Os dois trabalhavam na mesma academia, segundo a família.
A morte de Débora causou comoção no município, onde chegou a ser realizado um protesto.
— A gente está aguardando o agendamento do julgamento. Estamos com essa preocupação agora, de sair a data para poder ter uma definição. É um crime odioso. Feminicídio é uma coisa que não pode acontecer na sociedade, uma coisa hedionda. Acredito que o julgamento vai nos trazer um pouco mais de conforto — afirma o pai de Débora.
Contraponto
A advogada Daniela Schneider Couto, responsável pela defesa de Alexsandro Alves Gunsch, afirma que a defesa ainda aguarda por laudos complementares e que o laudo existente no processo não é conclusivo porque, apesar de apontar a causa da morte como asfixia, aponta que “os achados não são irrefutáveis”.
Confira a nota da defesa:
“A defesa ainda aguarda a juntada de laudos complementares da autópsia para verificação da existência de resultado diverso do pretendido, já que ao que tudo indica as lesões causadas pela “agressão” por parte do acusado não se assemelham as causadas em crimes similares, demonstrando assim a possibilidade de existência de fato superveniente que acabou por resultar na fatalidade morte. A defesa do réu não quer isentar o mesmo dos seus atos, mas sim dar ao réu o direito ao devido processo legal e a segurança jurídica de que o mesmo será responsabilizado pelos atos pretendidos e não por fatos imprevisíveis ao réu”.
Como pedir ajuda
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.