O governo do Rio Grande do Sul encaminha a contratação de um equipamento de rastreamento de celulares da empresa Cognyte, mesma companhia que produz o FirstMile, software que, segundo a Polícia Federal, foi utilizado para espionagem ilegal durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
No caso do governo gaúcho, o sistema de monitoramento da Cognyte que está em processo de aquisição é outro: o Gi2-S. A compra está sendo conduzida pela Polícia Civil gaúcha, ao custo de R$ 5,3 milhões.
Em 21 de setembro, a autorização para compra do sistema Gi2-S pela Polícia Civil foi publicada no Diário Oficial do Estado. O equipamento será adquirido sem licitação, conforme a Polícia Civil gaúcha, pelo fato de que a fabricante Cognyte é a única a oferecer o produto no mercado.
O sistema que será comprado pela polícia permite o rastreio de dispositivos por geolocalização. Contudo, de acordo com o chefe de Polícia do Rio Grande do Sul, delegado Fernando Sodré, diferentemente do FirstMile, esse sistema não permite o monitoramento indiscriminado de celulares, viabilizando a busca apenas em territórios pré-definidos.
— O Gi2-S e o FirstMile não são o mesmo sistema. Essa ferramenta que estamos adquirindo, o Gi2-S, é para localização no uso operacional, para localização (de dispositivos) in loco, no terreno, numa área determinada. A partir de uma ordem judicial, por exemplo, que a gente percebe que tem alvo em determinado lugar, aí nós vamos operar (o Gi2-S) para localizar a posição mais exata — apontou Sodré.
Ainda de acordo com o chefe de polícia, o sistema da Cognyte que será incorporado na rotina policial terá protocolos rígidos de uso, com auditoria permanente. Sodré garante que o uso do equipamento será feito, na maioria das vezes, com autorização judicial e, nos demais casos, respeitando a legislação.
— Na grande maioria dos casos, sim (com autorização judicial). Eventualmente pode ser que não, por exemplo, em uma extorsão mediante sequestro. A gente tem informação que alguém pode estar em tal lugar, em um cativeiro. Aí a gente pode fazer (uso do equipamento) concomitante aos pedidos judiciais. Todos os casos em que vamos usar a ferramenta serão acompanhados de autorização judicial ou de autorização por lei — afirmou Sodré.
FirstMile foi usado para monitoramento ilegal, aponta a PF
No último dia 20, a Polícia Federal deflagrou uma operação para apurar um suposto esquema de monitoramento ilegal, com uso do sistema FirstMile da empresa Cognyte, praticado por integrantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
A investigação da PF aponta que o grupo de agentes, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, utilizava o software para monitorar irregularmente a localização de servidores públicos, políticos, policiais, advogados, juízes e jornalistas.
De acordo com a investigação da Polícia Federal, o software FirstMile permitiu ao grupo monitorar indivíduos com base na geolocalização de celulares. Para monitorar cidadãos com uso do FirstMile, conforme a investigação, bastava incluir o número do telefone no software e acompanhar o deslocamento permanente dos alvos.
A organização Data Privacy Brasil, que atua em defesa da proteção de dados e dos direitos digitais, emitiu nota sobre a operação da PF envolvendo o sistema FirstMile, destacando as possíveis violações registradas no episódio.
“O uso ilícito do software First Mile apresenta violações a direitos humanos básicos. Os serviços de obtenção de informações de geolocalização, de forma individualizada, são habilitadores de violações sistemáticas a direitos que são incompatíveis com o sistema jurídico brasileiro”, diz a nota da organização.
Em nota após a operação, a Abin diz que a Corregedoria-Geral da agência concluiu, em 23 de fevereiro de 2023, uma Correição Extraordinária (apuração interna) para verificar a regularidade do uso de sistema de geolocalização adquirido pelo órgão em dezembro de 2018. A partir das conclusões dessa correição, foi instaurada sindicância investigativa no dia 21 de março. De acordo com a Abin, a ferramenta deixou de ser utilizada em maio de 2021.