O consentimento em retirar da plataforma digital o anúncio para venda de um automóvel, a pedido de um suposto comprador, foi a deixa para que estelionatários aplicassem o golpe que costuma lesar quem vende e quem deseja comprar carro pela internet. É o chamado golpe do intermediário e coloca em alerta consumidores que costumam negociar bens de sua propriedade pela web. Em caso recente, o prejuízo entre os envolvidos seria superior a R$ 30 mil.
Conforme o handler (profissão de quem treina e conduz cães em exposições), Luís Fernando dos Santos, 54 anos, o plano era vender seu Fiat Grand Siena 2017 e adquirir um veículo utilitário. A ideia era ganhar capacidade de carga, para poder carregar mais caixas de transporte com pets para feiras e exposições.
Porém, a tentativa de prosperar tornou-se uma dor de cabeça. A confusão teve início na metade de junho, quando o morador da Capital aceitou retirar o anúncio que havia feito da plataforma, pelo qual pedia o valor de R$ 45,5 mil.
— No dia seguinte à postagem que fiz na OLX, recebi a ligação de um interessado. Era um homem dizendo que havia gostado do carro e dava certeza de que fecharia negócio comigo. Eu precisava da venda para poder melhorar minha condição de trabalho. Fiquei animado. Ele pediu para eu retirar o anúncio da plataforma e eu concordei — conta Santos.
Sem saber, o treinador estava colaborando com a arquitetura do golpe que o atingiria dias depois. Na abordagem, o suposto comprador se apresentava como corretor de imóveis e dizia que o Grand Siena cabia perfeitamente como parte em uma negociação imobiliária sua que estava em andamento.
Ele argumentava que compraria o automóvel e iria transferir a propriedade a um suposto credor, envolvido na transação de um bem imobiliário. Pediu sigilo sobre quaisquer informações e sustentou que tratativas deveriam ser feitas exclusivamente com ele.
Remoção do anúncio original permite postagem de clone mais barato
Antes da retirada do anúncio na plataforma, contudo, os golpistas asseguram-se de baixar cópias de dados e imagens do veículo da vítima. Após a exclusão do anúncio real, os estelionatários postam conteúdo quase idêntico, porém contendo um valor de venda muito mais abaixo que a cotação de mercado, sob intuito de atrair a vítima interessada na compra.
No caso do Grand Siena, a proposta foi no valor de R$ 25 mil, pouco mais que a metade do preço convencional do carro. Com a oferta exageradamente atraente, não demora para que algum interessado em comprar apareça. A abordagem para este potencial comprador é parecida. O golpista afirma que precisa vender o veículo para saldar dívida relacionada com uma transação imobiliária.
— O que acontece é que duas pessoas que, em tese, buscam uma negociação de boa-fé, acabam envolvidas na artimanha de falsários. Neste caso, os contatos teriam ocorrido pela plataforma OLX. Para ambos, o estelionatário argumenta que se trata de um negócio cruzado com outra transação e pede sigilo sobre valores e circunstâncias da negociação. Convencidas de que tudo transcorre normalmente, as partes são induzidas ao fechamento do negócio, sem desconfiar que se trata de um golpe — descreve o delegado Marcos Meirelles, titular da 6ª Delegacia de Polícia (DP) de Porto Alegre, onde transcorre a investigação sobre o caso.
Segundo o delegado, após vendedor e comprador estarem confiantes sobre o êxito da negociação, um encontro entre eles é efetivamente marcado, mediante o compromisso assumido por ambos de não entrarem em detalhes sobre as tratativas. É a vistoria tradicional, para ver e testar o automóvel antes da compra, ato que consolida uma comercialização automotiva.
— Como nenhum dos dois age de forma transparente, confiando no pedido do intermediador, ambos são induzidos pelos falsários a acreditar que estão concretizando o negócio. Só que o crédito para o pagamento acaba sendo realizado em conta de um quarto participante, geralmente um "laranja" que aluga a conta para a passagem do dinheiro e, logo depois, o transfere ao idealizador do crime — explica o delegado.
Comprador perdeu R$ 25 mil, vendedor acumula despesas com fretes
Meirelles aponta que o caso em apuração resultou em desavença entre os negociantes, pois a transferência do documento de propriedade teria sido efetuada, através de procuração, mas ao perceber que o valor não tinha sido creditado, o vendedor recusou-se a entregar as chaves e os papeis, quase resultando numa briga. De um lado uma pessoa que teria desembolsado R$ 25 mil, acreditando ter feito uma excelente compra. De outro, um homem que via seu projeto de troca de carro sendo bem encaminhado.
— O dinheiro não entrava nunca na conta. Eu já havia assinado tudo, mas não podia entregar o carro. A coisa foi ficando complicada. Ficou tensa mesmo, a ponto que poderia acontecer uma consequência ruim — lembra Luís Fernando dos Santos.
Diante do desentendimento, a Brigada Militar foi acionada e interveio. O carro acabou apreendido, juntamente com documentos e comprovantes de movimentação bancária. O Grand Siena está em um depósito até que a polícia conclua as investigações. Depoimentos foram registrados e o inquérito busca identificar o destino do recurso que foi depositado pelo pretenso comprador.
Enquanto aguarda pela dissolução do impasse, o vendedor amarga a condição de ter sido envolvido na trapaça.
— Era meu meio de transporte e de trabalho. A situação é desesperadora quando a gente se dá conta em que acabou envolvido em um golpe. Já acumulei mais de R$ 5 mil em deslocamentos com transporte por aplicativo para não deixar de atender clientes — lamenta Santos.
O pretenso comprador também foi consultado, confirmou ter sofrido prejuízo e informou que não deseja dar entrevistas neste momento das investigações.
Polícia alerta para que anunciantes evitem expor dados particulares
De acordo com o delegado Marcos Meirelles, os participantes de uma negociação jamais podem deixar de tratar abertamente sobre valores, prazos e termos do acordo em construção, bem como devem afastar-se de propostas que pareçam facilitar ou trazer aparente vantagem econômica, pois estas são, segundo o delegado, estratégias utilizadas como iscas para fisgar as vítimas.
— É importante também que as pessoas nunca transfiram dados bancários ou cópias de seus documentos por via digital, sobretudo por aplicativos de comunicação. Além disso, pagamentos e transferências de propriedade automotiva, por segurança das partes, devem ser realizados pessoalmente e entre os titulares, sem o cruzamento com terceiros e preferencialmente dentro de um tabelionato, diante do reconhecimento público da negociação — explica Meirelles.
O delegado também alerta para o fato de que não é aconselhável retirar um anúncio antes da consolidação do negócio, para evitar a clonagem do bem anunciado. Sobre as fotos a serem postadas, diz Meirelles, é recomendável que a placa seja preservada ou borrada nas imagens.
Consultada sobre o tema, a OLX emitiu posicionamento por nota:
A OLX esclarece que não recebeu informações que possibilitem identificar que o caso tenha ocorrido na plataforma e reforça que está à disposição das autoridades para colaborar na apuração dos fatos. Segurança é uma prioridade para a OLX e a plataforma investe constantemente em tecnologia e serviços de orientação ao usuário, com recomendações para manter as conversas pelo chat da plataforma e não passar dados pessoais nas negociações. A plataforma esclarece ainda que disponibiliza um espaço democrático em que os usuários possam anunciar e comprar produtos e serviços de forma rápida e simples, sempre com respeito aos Termos e Condições de Uso, com negociação direta entre vendedor e comprador, sem a intermediação da plataforma.