A Polícia Civil conclui nesta quinta-feira (15) a investigação sobre as agressões a duas pessoas dentro do supermercado Unisuper em Canoas, na Região Metropolitana. Os sete investigados foram indiciados por tortura. No caso do subgerente, a polícia entendeu que ele cometeu o crime por omissão. Cinco seguranças e o gerente ainda vão responder por extorsão mediante sequestro.
Segundo o delegado Robertho Peternelli, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Canoas, as imagens de câmeras de vigilância, que foram recuperadas por meio de perícia, foram essenciais para que a polícia entendesse como se deu o crime. Ao longo de cerca de uma hora, dois homens, de 32 e 47 anos, foram agredidos dentro do depósito do mercado, com socos, chutes, golpes de pedaços de madeira e pallets. Como responderá pelo crime de tortura omissão, no caso de condenação, o subgerente receberá pena mais branda em relação aos demais.
— Com as imagens e depoimentos, verificamos que o gerente e as pessoas que atuavam na segurança vão responder pelo crime de tortura e pelo crime de extorsão mediante sequestro. Todas colaboraram para o resultado. Verificamos que o subgerente não tem uma conduta de agressão, uma conduta de proferir ameaças, pelo menos pelo que as imagens nos trazem. Ele terá essa tipificação um pouco diferenciada — afirma o delegado.
Ainda conforme o responsável pela investigação, num primeiro momento o crime de tortura foi cometido com intuito de obter informações, já que a primeira vítima foi flagrada furtando peças de picanha. Este homem admitiu em depoimento que estava furtando as carnes. Durante essas agressões, o homem relatou que havia outro aguardando no estacionamento. Este segundo foi levado até o depósito e também foi espancado — ele alega que só estava fazendo uma corrida para o outro.
— Neste momento, a tortura passou a ser praticada com intuito de castigo — explica o delegado.
Durante a tortura, a polícia entende que foi cometido pelo gerente e os cinco seguranças um segundo crime, que é a extorsão mediante sequestro. Isso porque as vítimas precisaram pagar um valor para serem liberadas. Inicialmente teriam sido cobrados R$ 800, mas um dos homens pagou R$ 644.
A polícia obteve o comprovante desse pagamento, que foi feito no cartão, após a vítima pedir que ao filho que enviasse parte do dinheiro. O familiar repassou R$ 500 para a conta dele, onde havia R$ 144 e ele efetuou o pagamento no cartão, às 19h12min do dia 12 de outubro.
— O que nós percebemos é que as agressões só cessaram após o pagamento do valor. Embora o crime não inicie como uma extorsão mediante sequestro, eles acabam seguindo para isso ao longo da tortura — diz o delegado.
Peternelli ressalta que a tortura não se configura somente pelas agressões, mas também pelas ameaças, já que as vítimas relataram que, por diversas vezes, os agressores as intimidaram, dizendo que elas seriam mortas caso procurassem as autoridades. A polícia chegou a pedir a prisão dos investigados durante a apuração do caso, mas o pedido não foi atendido. Ainda foi realizado indiciamento pelo crime de dano, já que o celular e um cartão de uma das vítimas foram quebrados.
Ofensas raciais
O segundo homem a ser levado para dentro do depósito e ser agredido, que é negro, relatou aos policiais que foi xingado com ofensas racistas. No entanto, conforme o delegado, não foi possível identificar qual investigado proferiu as ofensas, por isso não houve indiciamento por injúria racial. Ainda assim, a polícia citou no inquérito o racismo estrutural.
— No momento em que a primeira pessoa foi abordada, que era quem efetivamente estava participando do furto, essa pessoa disse quem estava com ela. Quando eles chegaram no veículo e viram que era um negro, teriam comentado: “Tinha que ser coisa de negrão”. Apesar de serem distribuídas entre os dois, as agressões mais violentas foram em cima dessa segunda pessoa. As agressões que culminaram até com o estado de coma. Fizemos um apanhado, um estudo, com relação ao racismo estrutural — diz o delegado.
O homem chegou a ter cinco dentes quebrados e precisou ser colocado em coma induzido. No relato dele à polícia, informou que a todo tempo os dois eram ameaçados de morte.
O furto
Segundo o delegado Peternelli, deve ser repassado para outra delegacia o caso de suspeita de furto por parte das vítimas das agressões. O policial diz que algumas questões precisam ser aprofundadas neste ponto. É preciso esclarecer, por exemplo, quem estaria subtraindo os produtos, já que um dos agredidos estava em um carro, na rua, até ser levado pelos seguranças ao depósito — ele nega ter auxiliado nos furtos. Como havia outras peças de carne no veículo, é preciso saber a origem desses produtos e se eles podem ter sido furtados de outros estabelecimentos.
A investigação vai precisar apontar também se o furto chegou a ser consumado ou não, já que o homem foi abordado ainda dentro do mercado, embora estivesse com as peças de carne sob as roupas. O tempo transcorrido desde outubro e o fato de que informações, como quais seriam e o valor dos produtos que estariam sendo furtados, não terem sido repassadas à polícia deve dificultar essa apuração.
— Não temos um lado, a polícia como um todo quer apurar todos os crimes que aconteceram — diz o delegado.
Os envolvidos
Os sete investigados pelo crime foram identificados pela Polícia Civil e estiveram na delegacia de Canoas. No entanto, preferiram permanecer em silêncio e só se manifestar em juízo. Jairo Estevan da Veiga era subgerente do supermercado e Adriano Luginski Dias trabalhava como gerente.
Entre os suspeitos, cinco são seguranças, sendo três deles policiais militares. São investigados os soldados Gustavo Henrique Inácio Sousa Dias e Romeu Ribeiro Borges Neto, que ingressaram na Brigada Militar em 15 de março de 2021 e estão em estágio probatório, e um policial aposentado, o primeiro-tenente da reserva Gilmar Cardoso Rodrigues.
A Brigada Militar informou que abriu um inquérito policial militar para apurar a conduta dos envolvidos e que os dois soldados foram enviados para serviço administrativo durante a investigação do caso.
Contrapontos
O que diz a defesa dos cinco seguranças
Willian Alves, advogado que representa os cinco seguranças, informou que ainda não teve acesse ao indiciamento para poder se manifestar sobre o caso. Em nota anterior, informou que "os investigados estão contribuindo com as autoridades, inclusive por duas ocasiões se apresentaram espontaneamente em sede policial".
O que diz a defesa do gerente e do subgerente
Os advogados Ezequiel Vetoretti, Rodrigo Grecellé Vares e Eduardo Vetoretti também informaram que ainda não tiveram acesso ao indiciamento.
"Na condição de advogados de Jairo Estevan da Veiga e Adriano Luginski Dias, manifestamos o nosso respeito a todas as pessoas e instituições que atuam no presente caso. Por questões éticas e até mesmo em respeito à autoridade policial, nossa manifestação se dará exclusivamente nos autos", comentaram em nota enviada anteriormente.
O que diz o Unisuper
"Referente à conclusão do inquérito policial que apura as agressões ocorridas em uma de nossas lojas, manifestamos, mais uma vez, a nossa plena confiança na investigação conduzida pela polícia. Seguimos trabalhando na revisão de todos os nossos protocolos de segurança e conduta para que episódios como esse jamais voltem a acontecer. Reafirmamos o nosso compromisso com o respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, bem como a nossa disposição para seguir colaborando integralmente com as autoridades."