Com expectativa de concluir o inquérito até o fim desta semana, a Polícia Civil tem pela frente alguns pontos a elucidar na investigação do caso de suspeita de tortura dentro do supermercado Unisuper em Canoas, na Região Metropolitana. Nesta terça-feira (13), os dois homens agredidos em outubro, no depósito do mercado, foram chamados para prestar novos depoimentos. Cinco seguranças e dois funcionários do estabelecimento, agora já demitidos, são investigados.
O caso aconteceu em outubro deste ano, mas só chegou ao conhecimento da polícia após um dos homens espancados procurar atendimento hospitalar — ele chegou a ficar em coma induzido em razão da gravidade das lesões. Quando a polícia passou a apurar a origem das agressões, um familiar relatou o que teria acontecido. Foi necessário que a equipe do Instituto-Geral de Perícias (IGP) recuperasse as imagens de câmeras do estabelecimento, que tinham sido apagadas. As imagens revelaram que os dois foram agredidos ao longo de 45 minutos com socos, chutes e golpes com pedaços de madeira dentro do depósito.
Segundo o delegado Robertho Peternelli, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Canoas, já foram ouvidos todos os envolvidos no fato, incluindo representantes do supermercado e da empresa Glock, que realizava a segurança. Neste momento, a polícia se debruça sobre os relatos das vítimas.
Para detalhar alguns pontos, os dois homens agredidos, que têm 32 e 47 anos, foram chamados a prestar novos depoimentos nesta terça-feira. Esta é a terceira vez que os dois devem ser ouvidos no caso. Um dos objetivos é entender como se deu a ação de cada um dos agressores, quais participaram do espancamento e também o que foi dito. Isso poderá impactar no crime pelo qual responderão ao final da investigação.
— Estamos ouvindo as vítimas novamente para verificar se existe algum dado que ficou faltante. Na primeira vez, eles relataram que foram agredidos, de forma mais genérica. Na segunda, nos trouxeram como foi, e algumas provas mais detalhadas. Como os suspeitos ficaram em silêncio, o que é um direito da defesa, não conseguimos informações importantes da parte deles. Estamos lendo depoimentos, vendo imagens, verificando o que temos de provas. Estamos tentando finalizar até o fim desta semana — explica o delegado.
Num primeiro momento, a polícia conseguiu indícios de que seis dos suspeitos teriam cometido o crime de tortura, sendo os cinco da empresa de segurança e o gerente. Em relação ao subgerente, a investigação ainda apura se o funcionário praticou tortura ou se ele se omitiu de impedir que os outros agissem. A posição hierárquica dele em relação ao gerente é levada em conta neste caso.
— A tortura não é só a agressão, mas também a grave ameaça que é feita. Como as vítimas trazem muito essa ideia de terem sido ameaçadas constantemente, diversas vezes, por um e por outro, pelo menos seis deles participaram nesse sentido. Nossa ideia de ouvir as vítimas é poder verificar também o que elas recordam dos diálogos para poder individualizar essas condutas — explica o delegado.
Os crimes apurados são tortura e omissão de socorro (uma das vítimas teve ferimentos graves), além de danos (por quebrarem celulares das vítimas) e possível extorsão, já que os suspeitos teriam exigido dinheiro para liberar os dois homens agredidos.
Outros crimes
Uma das lacunas que o inquérito ainda tenta preencher é quem foi o responsável por apagar as imagens das câmeras. Essa pessoa pode responder pelo crime de supressão de documento, já que os vídeos, que precisaram ser recuperados por meio de perícia, foram fundamentais para que a polícia verificasse as agressões e identificasse os envolvidos. Uma das possibilidades é que o inquérito seja concluído mesmo sem a resposta, e que esta informação seja acrescentada posteriormente ao processo, caso não seja possível obtê-la com agilidade.
Durante o segundo depoimento na semana passada, uma das vítimas relatou que foi xingada com ofensas racistas no momento em que era levada do estacionamento até o depósito. Segundo o delegado, todos os crimes relatados serão investigados. Caso a polícia conclua que houve crime nesse sentido, o autor poderá responder por injúria racial. Mas, até o momento, não foram coletados indícios suficientes para afirmar que de fato ocorreu algum crime racial.
O furto
Segundo o delegado Peternelli, deve ser repassado para outra delegacia o caso de suspeita de furto por parte das vítimas das agressões. Conforme o policial, algumas questões precisam ser aprofundadas neste ponto. É preciso esclarecer, por exemplo, quem estaria subtraindo os produtos, já que um dos agredidos estava em um carro, na rua, até ser levado pelos seguranças ao depósito — ele nega ter auxiliado nos furtos. Como havia outras peças de carne no veículo, é preciso saber a origem desses produtos e se eles podem ter sido furtados de outros estabelecimentos.
A investigação vai precisar apontar também se o furto chegou a ser consumado ou não, já que o homem foi abordado ainda dentro do mercado, embora estivesse com as peças de carne sob as roupas. O tempo transcorrido desde outubro e o fato de que informações, como quais seriam e o valor dos produtos que estariam sendo furtados, não terem sido repassadas à polícia deve dificultar essa apuração.
— Não temos um lado, a polícia como um todo quer apurar todos os crimes que aconteceram — diz o delegado.
Os envolvidos
Os sete investigados pelo crime foram identificados pela Polícia Civil e estiveram na delegacia de Canoas. No entanto, preferiram permanecer em silêncio e só se manifestar em juízo. Jairo Estevan da Veiga era subgerente do supermercado e Adriano Luginski Dias trabalhava como gerente.
Entre os suspeitos, cinco são seguranças, sendo três deles policiais militares. São investigados os soldados Gustavo Henrique Inácio Sousa Dias e Romeu Ribeiro Borges Neto, que ingressaram na Brigada Militar em 15 de março de 2021 e estão em estágio probatório, e um policial aposentado, o primeiro-tenente da reserva Gilmar Cardoso Rodrigues.
A Brigada Militar informou que abriu um inquérito policial militar para apurar a conduta dos envolvidos e que os dois soldados foram enviados para serviço administrativo durante a investigação do caso.
Contrapontos
O que diz a defesa dos cinco seguranças
Willian Alves, advogado dos dois seguranças e dos três PMs, enviou manifestação a GZH na qual afirma que "os investigados estão contribuindo com as autoridades, inclusive por duas ocasiões se apresentaram espontaneamente em sede policial". Segundo o advogado, neste momento, a defesa está "aguardando a conclusão do inquérito para posterior manifestação em juízo".
O que diz a defesa do gerente e do subgerente
Os advogados Ezequiel Vetoretti, Rodrigo Grecellé Vares e Eduardo Vetoretti se manifestaram por meio de nota:
"Na condição de advogados de Jairo Estevan da Veiga e Adriano Luginski Dias, manifestamos o nosso respeito a todas as pessoas e instituições que atuam no presente caso. Por questões éticas e até mesmo em respeito à autoridade policial, nossa manifestação se dará exclusivamente nos autos."
O que diz o Unisuper
O supermercado emitiu nota sobre o caso no dia 5 de dezembro e só deve se manifestar novamente após a conclusão das investigações. Confira a nota:
"Viemos a público nos desculpar pelos fatos ocorridos na loja da Avenida Inconfidência, em Canoas. Estamos profundamente abalados. As agressões são inaceitáveis e não condizem com a sólida história de 22 anos da Rede UniSuper, que sempre foi marcada pelo respeito ao ser humano, aos seus direitos fundamentais e a valores como transparência, trabalho em equipe e solidariedade.
Diante de uma conduta lamentável e cruel com a qual jamais concordaremos, informamos que encerramos o contrato com a empresa Glock Segurança, desligamos os funcionários envolvidos e iniciamos o trabalho de revisão de todos os nossos protocolos de segurança e de conduta. Não mediremos esforços para construir sólidos procedimentos que garantam que situações como essa jamais voltem a acontecer.
Reafirmamos o nosso compromisso com o respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, e nos colocamos, mais uma vez, integralmente à disposição das autoridades".