
Luis E. Rohde (*)
A crise na saúde pública é crônica e grave — e se agudiza nas emergências e pronto-atendimentos (UPAs) espalhados pelos municípios do nosso Estado. Quem trabalha ou convive nesses ambientes aprende a aceitar o que muitas vezes é impensável. As causas desta situação são complexas, e não existe solução rápida e simples. Aparentemente, entretanto, mais importante do que uma avaliação desarmada e racional das raízes deste cenário, estamos sempre na busca dos “culpados de plantão”.
A culpabilização rápida facilita em grande parte como lidamos com qualquer crise ou situação desconfortável, porque acalma os ânimos, gera manchetes eloquentes e nos afasta do enfrentamento, geralmente bastante trabalhoso, dos descaminhos que originaram o problema.
E quando se fala em saúde, o poder público é o evidente responsável mais lembrado. A Constituição de 1988 não deixa dúvidas em relação a esta atribuição no seu artigo 196, que se inicia com a frase emblemática: “A saúde é direito de todos e dever do Estado”. Não podemos tirar o peso natural desta enorme responsabilidade dos agentes públicos, mas será que isso nos isenta como potenciais atores deste processo?
Infelizmente, poucos agentes públicos pensam em horizontes de tempo prolongados. Felizmente, temos alguns caminhos alternativos mais rápidos e sabidamente eficazes.
Uma análise pragmática das emergências e UPAs revela os caminhos mais óbvios. Todas têm portas de entrada (às vezes completamente abertas à população, outras vezes recebendo pacientes referenciados de serviços e hospitais externos) e vias de saída (altas para casa, transferências ou internações no próprio hospital). O raciocínio mais linear sugere que abrir mais portas de entrada e ter mais leitos hospitalares de retaguarda devem fazer parte das soluções da crise. Aqui temos deficiências evidentes, e o poder público tem papel central.
Nessa equação, entretanto, devemos lembrar que, se trabalharmos de forma mais dinâmica, podemos incrementar substancialmente a eficiência do sistema. Se aumentarmos o giro do leito (de 3 para 3,5 pacientes em um mês) de um hospital de grande porte (mil leitos), podemos acrescentar até 500 novas internações, facilitando a saída do paciente do setor de emergência, sem alterarmos a estrutura estabelecida. Aqui a gestão interna de diretores e administradores tem papel crucial, embora o desafio seja hercúleo, necessitando um escrutínio detalhado dos diferentes obstáculos na jornada do paciente dentro do hospital. Com trabalho árduo, estamos avançando neste ponto.
Prevenção é a chave mestra
E se num passe de mágica pudéssemos diminuir o fluxo de pessoas que chegam nas nossas portas de entrada? Não precisamos da ajuda dos algoritmos avançados de IA para saber que prevenção é a chave mestra dessa estratégia. A dificuldade é que programas de prevenção de doenças crônicas são complexos e necessitam de planejamento de longo prazo e de grandes investimentos. Infelizmente, poucos agentes públicos, por razões óbvias (embora inaceitáveis), pensam em horizontes de tempo prolongados. Felizmente, temos alguns caminhos alternativos mais rápidos e sabidamente eficazes.
Um estudo de vida real na Argentina demonstrou recentemente que a vacinação em gestantes no ano de 2024 contra o vírus sincicial respiratório, patógeno bastante prevalente no Brasil, reduziu em aproximadamente 70% as hospitalizações em recém-nascidos, esvaziando emergências pediátricas e unidades de tratamento intensivo. Simples, factível, com efeito imediato e de custo aceitável.
O Brasil é sabidamente protagonista de programas consolidados de vacinação em massa da população; temos estrutura, pessoal e os investimentos necessários. Apesar disso, as taxas de vacinação para Influenza em grupos prioritários no RS está muito aquém do desejado. Tudo indica que teremos cobertura vacinal pelo SUS para o vírus sincicial respiratório em gestantes até o final deste ano. Um alento que pode ter pouco efeito, pois a aversão atual à vacinação é absolutamente irracional e beira a estupidez, e coloca a todos nós na desconfortável posição de “culpados ocultos” desta crise.
“Apontar o dedo” ajuda muito pouco em momentos de crise e colapso. Parece claro que todos (agentes públicos, profissionais da saúde, população e mídia) têm papel relevante na melhoria do sistema. Embora planejamento de longo prazo seja o ideal — e devemos continuar lutando por isso —, diversas medidas mais pragmáticas definitivamente podem ajudar a despressurizar nossas emergências e UPAs. Falando nisso, você já revisou a carteirinha de vacinação da sua família este ano?
(*) Médico, professor titular da Faculdade de Medicina da UFRGS e diretor do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

