
Carolina Meneghetti (*)
Um pai chorando, inconsolável, deitado na cama do próprio filho onde ainda repousam alguns resquícios de ingenuidade. A cena final de Adolescência (2025), minissérie que arrebatou a audiência da Netflix em todo o mundo, é uma daquelas capazes de embrulhar o estômago e nos gerar questionarmos por dias a fio. Embora sem violência explícita nenhuma, a imagem se torna brutal por trazer um choque de realidade e propor uma reflexão profunda sobre como estamos olhando para os nossos jovens.
Ao contrário de boa parte das produções disponíveis em serviços de streaming, nas quais investimos nosso tempo tentando encontrar culpados à la Sherlock Holmes, Adolescência escancara no primeiro episódio a identidade e rosto de um assassino bárbaro. Se você não viu a série, recomendo parar aqui em razão dos spoilers.
Em uma operação digna da captura de um criminoso de altíssima periculosidade, a polícia derruba a porta de entrada e invade a residência dos Miller. Pega o então angelical Jamie completamente desprevenido. Até aquele momento, é difícil encontrar respostas para uma atitude aparentemente tão desproporcional. O que fizera aquele adolescente a ponto de acarretar uma reação daquelas? As cenas seguintes também causam perplexidade: o menino de 13 anos, com uma família estruturada, que tira notas boas na escola e tem um quê de candura é, repito, tratado como um criminoso de altíssima periculosidade dentro da delegacia.
Nessa terra sem dono e sem leis, a da internet e das redes sociais, as regras precisam ser impostas pelos pais ou responsáveis.
O desenrolar da trama é chocante, mas não surpreendente. Nós, espectadores, não tardamos a descobrir que o doce menino foi capaz de cometer um crime cruel contra uma colega da aula. O que segue a partir da descoberta é uma busca incessante para encontrar motivos que justifiquem tamanha brutalidade. É sobre esse aspecto que precisamos refletir como familiares, como educadores e como sociedade. Quando olhada isoladamente, por si só, essa fase da vida já é complicada. Há uma vulnerabilidade que impede os jovens de filtrarem tudo aquilo a que são expostos. Agora, somado a esse contexto de formação e construção de identidade, ainda há de se lembrar da onipresença dos conteúdos extremos na internet — no caso de Jamie, claramente relacionados à misoginia, sexismo e violência contra as mulheres.
Não é um fenômeno restrito à ficção. Aliás, a própria minissérie foi criada na esteira da repercussão de casos violentos cometidos por jovens no Reino Unido. Mas não precisamos ir tão longe: no Brasil, garotos radicalizados na internet cometeram crimes brutais nos últimos anos, como massacres em escolas ou o uso de comunidades no Discord para arquitetar atos como pedofilia, mutilação ou morte de animais.
Nessa terra sem dono e sem leis, as regras precisam ser impostas pelos pais ou responsáveis. Como os jovens ainda não têm maturidade suficiente para lidar com algumas questões, é fundamental que as famílias tenham um olhar cuidadoso às suas crianças. Talvez os fictícios Miller não tenham atentado a isso. Mudanças de comportamento, desvio de caráter e mentiras são alguns indícios que podem acender o sinal de alerta. No caso de Jamie, evidentemente, faltou essa observação. Porém, seria leviano colocar no colo da família a culpa de um trágico assassinato. É, sim, papel dos pais estabelecer um vínculo com os filhos desde a infância, investir em tempo de qualidade ao lado da prole. Assim como também é tarefa deles dar limites, educar e permitir-lhes que aprendam por meio de frustrações.
Por outro lado, a construção de um adolescente não acontece apenas pelas conexões familiares. A escola também é fundamental nesse processo, pois, muito além da formação educacional, permite que os jovens criem relações entre si e com os professores. Também precisamos avançar e compreender que todos nós, como sociedade —pais ou não —, exercemos alguma influência na constituição desse jovem. Portanto, cabe o questionamento: que exemplo estamos oferecendo para a juventude?
O menino angelical capaz de cometer um assassinato brutal é apenas um símbolo da geração atual. Aquela que pede a nossa ajuda, o nosso olhar, o nosso cuidado. Jamie, nós todos poderíamos ter feito mais por você.
(*) Médica psiquiatra do Hospital de Clínicas Ijuí