
A Sociedade Brasileira de Cardiologia apresentou novas indicações a respeito de um exame ainda pouco conhecido: a lipoproteína(a) – ou Lp(a). A dosagem passou a ser recomendada ao menos uma vez na vida a partir da atualização da Diretriz de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose.
A lipoproteína(a) é uma espécie de "prima" do colesterol LDL e pode ter potencial de dano até maior para algumas pessoas, explica André Zimerman, cardiologista, head da Unidade de Ensaios Clínicos do Hospital Moinhos de Vento e professor do programa de pós-graduação em Cardiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A grande maioria das pessoas tem níveis de lipoproteína(a) muito baixos, mas uma a cada cinco apresenta níveis altos e, uma a cada 10, muito altos. Quanto mais alta a Lp(a), maior é o risco de doenças cardiovasculares, como infarto e estenose da válvula aórtica. Os níveis são determinados principalmente por questões genéticas.
A Lp(a) é medida por meio do sangue. O exame é importante para ampliar a compreensão de quadros e riscos, aponta Paulo Behr, cardiologista, coordenador do Centro de Dislipidemia da Santa Casa de Porto Alegre e diretor do Departamento de Aterosclerose da Sociedade de Cardiologia do RS (Socergs). Tanto Zimerman quanto Behr participaram da atualização das diretrizes brasileiras.
A mudança vai ao encontro de outras diretrizes mundiais. A iniciativa permitirá a identificação de pessoas e famílias que tenham esse fator de risco – que, antigamente, era desconhecido.
Tratamentos em estudo
Ainda não há, entretanto, tratamento específico para pessoas com alto nível de lipoproteína(a). Estudos de medicamentos estão em desenvolvimento, mas nenhum foi aprovado até o momento, embora os resultados preliminares indiquem redução da Lp(a), conforme Behr.
Quando o resultado do exame é alto, é possível mitigar riscos: ser mais agressivo em relação a outros fatores, para diminuir o impacto da lipoproteína(a) – ou seja, controlar o colesterol LDL, a pressão arterial, diabetes, sedentarismo, entre outros.
Quando realizar o exame
Os níveis de Lp(a) tendem a permanecer os mesmos ao longo da vida – crianças a partir de cinco anos já têm os níveis estabelecidos e, portanto, poderiam realizar o teste. O ideal é que o médico aproveite outras requisições de exames para solicitar a avaliação.
— Já que é recomendado uma vez na vida, então, quanto mais cedo, melhor — afirma Behr.
A indicação é principalmente importante para pessoas ou familiares de primeiro grau com lipoproteína(a) aumentada, assim como em caso de infarto ou estenose aórtica precoce na família ou na pessoa, sobretudo quando não há outros fatores de risco.
As mudanças costumam acontecer em via de mão dupla: tanto o médico passa a propor o exame quanto o paciente indaga o profissional.
Disponibilidade do exame no SUS e planos de saúde
O exame ainda não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) nem é coberto por planos de saúde. O Ministério da Saúde informou que a disponibilização depende de avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), que analisa evidências científicas sobre eficácia, segurança e custo-benefício.
"Não há, no momento, análise em andamento ou solicitação para avaliação do exame de lipoproteína(a)", informou a pasta para Zero Hora.

Já a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou que a dosagem da Lp(a) não faz parte do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, não sendo, portanto, de cobertura obrigatória pelas operadoras. "O exame também não está previsto nas próximas análises feitas pela agência", afirmou a ANS em nota.
Apesar disso, o custo do exame no atendimento particular não chega a ser impeditivo: a reportagem consultou três laboratórios, que informaram preços que variam entre R$ 44 e R$ 163.
A partir da recomendação da diretriz, os especialistas esperam que o teste se torne cada vez mais acessível à população – e se os estudos comprovarem que a redução da Lp(a) com medicamentos se traduz, de fato, em redução do risco cardiovascular.
Novas metas para o colesterol
A diretriz também endurece metas relacionadas ao colesterol. As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo. Um dos fatores de risco mais relevantes é o colesterol.
Conhecido popularmente como colesterol ruim, o LDL aumenta o risco cardiovascular. Um controle mais rigoroso diminui a chance de infarto, derrame e morte, segundo os especialistas. Por esse motivo, a atualização da diretriz também traz nova recomendação.
Agora, para todas as pessoas, mesmo aquelas com baixo risco, a meta é manter o colesterol LDL abaixo de 115 mg/dL (antes a referência era 130 mg/dL). Isso não significa que valores acima desse limite demandem uso de medicamentos. A primeira medida é realizar mudanças no estilo de vida, com alimentação saudável, exercício físico e controle de peso. Os remédios são destinados àqueles que não conseguem controlar o colesterol com outras ações, e devem se somar a elas.
Além disso, foi criada uma nova categoria, intitulada risco extremo. Ela engloba pacientes que já tiveram infarto ou AVC e que apresentam outros problemas cardiovasculares, com altíssimo risco de novos eventos. Para esses pacientes, a recomendação é manter os limites abaixo de 40 mg/dL. Quanto mais baixo, menor é o risco de eventos recorrentes nesses pacientes.
— Dezenas de estudos em centenas de milhares de pessoas mostram que baixar o LDL é seguro e diminui a chance de eventos cardiovasculares. Muita gente ainda questiona sobre a segurança de baixar muito, e já se mostrou que é extremamente seguro. Não tem risco cognitivo, não impacta a formação de hormônios, não aumenta risco de câncer — frisa Zimerman.
Escore Prevent
A diretriz também passou a recomendar o uso do escore Prevent como estimativa de risco para definir as metas dos pacientes. Trata-se de um escore mais novo e preciso para prever o risco de desenvolver doença cardiovascular em 10 e em até 30 anos.
— É o escore que consegue enxergar mais longe. Nos ajuda nessa noção de começar a prevenção cardiovascular cada vez mais cedo para prevenir eventos ao longo de toda a vida dos pacientes — explica Zimerman.
O cálculo integra fatores, como idade, sexo, histórico clínico, índice de massa corporal (IMC) e função renal, e apresenta uma probabilidade. A partir disso, é possível fornecer recomendações e orientar tratamentos para reduzir os riscos.
— Isso motiva a modificar e a cuidar dos fatores de risco — avalia Behr.



