
Horas seguidas diante de telas, seja no trabalho ou nas pausas de lazer, cobram um preço alto do cérebro. A rotina digital constante pode estar ligada à fadiga mental e a uma sensação difusa de confusão cognitiva conhecida como névoa mental (brain fog, no termo em inglês). O fenômeno, cada vez mais comum, reflete os efeitos do excesso de estímulos e da dificuldade de se desconectar.
Essa condição também é associada ao climatério, fase marcada por intensas transformações fisiológicas e emocionais nas mulheres que ocorre antes e depois da menopausa. Durante a pandemia de covid-19, estudos apontaram que o quadro era frequente entre pessoas que tiveram a doença. Hoje, especialistas ampliam o olhar e apontam que o brain fog pode também ser resultado de uma rotina constantemente submetida a estímulos digitais.
— A névoa mental descreve uma sensação de confusão, esquecimento, dificuldade de foco, de concentração e raciocínio lento. Esquecer nomes, lugares ou coisas que temos certeza que sabemos, ter dificuldade para manter a atenção, pensamento lento ou embaralhado, sensação de cabeça pesada ou confusa, cansaço mental e dificuldade para tomar decisões simples são alguns dos sintomas — resume Laura Wolf, psicóloga do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (Geat).
O que explica o "brain fog"?
A condição pode ser entendida como uma disfunção das chamadas funções executivas do cérebro, um conjunto de processos cognitivos responsáveis por tarefas como atenção, planejamento e velocidade de raciocínio. Segundo Cristiano Aguzzoli, neurologista do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e pesquisador do Instituto do Cérebro (InsCer), trata-se de um comprometimento localizado no córtex pré-frontal.
Como a memória fica no lobo temporal mesial, pontua o especialista, o esquecimento causado pela névoa mental é diferente daquele observado em quadros como Alzheimer ou amnésia. A dificuldade de se lembrar de informações não está ligada a falhas da memória em si.
— É associada à dificuldade de atenção e velocidade de processamento de informações — explica Aguzzoli. — Os pacientes que têm dificuldades de consolidar a memória não vão se lembrar de detalhes de uma festa de aniversário, por exemplo, mesmo se alguém der pistas. É o que acontece na doença de Alzheimer. Na névoa mental, as pessoas conseguem lembrar o que ocorreu se alguém ajudar porque a memória foi consolidada no lugar correto, só que o acesso àquela informação está prejudicado.
Cérebro sobrecarregado
A exposição constante a telas, somada ao bombardeio de conteúdos e notificações que exigem resposta imediata, sobrecarrega o cérebro e reduz sua capacidade de filtrar estímulos. Essa hiperatividade mental contínua dificulta a concentração e o descanso cognitivo, criando um terreno fértil para o surgimento da névoa mental.
Para Chrystian Kroeff, psicólogo especialista em neuropsicologia e professor da Universidade do Vale do Sinos (Unisinos), o efeito é parecido com o do brain rot. O termo, que ganhou força em dezembro de 2024 ao ser escolhido como palavra do ano pela Universidade de Oxford, busca dar nome à sensação de que o cérebro está "apodrecendo" após longos períodos de consumo passivo de conteúdo digital.
— O nosso cérebro se alimenta de tudo que apresentarmos a ele, independentemente da complexidade — explica Kroeff. — Estímulos mais complexos ou menos complexos vão alterando e reforçando alguns circuitos neurais específicos (acionando menos os ligados à atenção prolongada e ativando os que respondem a recompensas imediatas, por exemplo). Conteúdos muito dinâmicos, rápidos, simples, pouco estimulantes, como os que causam brain rot, capturam muito facilmente a nossa atenção e modificam nossos processos, que já são sensíveis.
O especialista afirma que os efeitos da névoa mental não surgem de forma imediata. A condição tende a aparecer com o uso contínuo e prolongado de tecnologias, resultado da sobrecarga cognitiva acumulada ao longo do tempo.
Perigo para os jovens
Embora chame mais atenção entre adultos, que dependem das funções cognitivas para trabalhar e administrar a rotina, o brain fog também pode atingir crianças e adolescentes. Nessa faixa etária, o impacto é especialmente preocupante, já que o cérebro ainda está em desenvolvimento e é mais vulnerável aos efeitos do excesso de estímulos digitais.
— Vejo muito isso no consultório, principalmente com adolescentes. Muitos têm dificuldade de concentração — pondera Laura, que também é especialista em infância e adolescência. — Às vezes, isso se confunde com um possível diagnóstico de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), mas, em geral, tem mais a ver com esse excesso de telas. As crianças e os adolescentes não sabem os limites e precisam de ajuda dos adultos para ter uma relação saudável com a tecnologia e dar conta das tarefas diárias que eles têm, especialmente escolares.
Como reverter esse quadro?
O brain fog pode ser revertido com ajustes na rotina e mudanças de hábitos que favoreçam o descanso do cérebro e a saúde mental, tanto em adultos quanto em crianças e adolescentes. Pequenas ações no dia a dia ajudam o cérebro a se recuperar, garantem os especialistas:
- Definir limites de tempo para o uso de telas (celular, computador, televisão)
- Focar na qualidade do sono
- Praticar atividade física com regularidade
- Investir em hobbies longe de telas, como leitura, pintura, quebra-cabeça e música
- Ter uma alimentação balanceada
- Socializar com pessoas fora do ambiente virtual



